No início de agosto, a Confenen (Confederação Nacional dos
Estabelecimentos de Ensino) ajuizou uma ADI (Ação Direta de
Inconstitucionalidade) no Supremo Tribunal Federal contra alguns artigos
do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Em resumo, a ação busca permitir que instituições privadas de ensino
cobrem valores adicionais nas mensalidades, anuidades e matrículas de
estudantes com algum tipo de deficiência.
Em outras palavras, entendem
que é legítimo delegar às famílias desses alunos os investimentos
necessários para a eliminação das barreiras que impedem o acesso aos
conteúdos ofertados no processo de ensino.
Tal reinvindicação revela, pelo menos, três facetas de uma ignorância
que precisa ser sanada por meio da conscientização e, se necessário, por
meio do embate. Trata-se da ignorância legal, moral e pedagógica.
A tentativa de autorizar as escolas particulares a atuarem por meio de
regras distintas àquelas impostas às escolas públicas nasce da
ignorância legal.
O arcabouço jurídico brasileiro garante às pessoas com
deficiência o direito de estudar em ambientes inclusivos e, como
complemento, receber atendimento educacional especializado de acordo com
suas necessidades específicas.
Tanto a oferta da escolarização quanto a desse serviço especializado
são obrigações das organizações que integram o sistema nacional de
ensino.
As escolas particulares, ao contrário do que alguns imaginam,
tornam-se aptas a atuar como instituições regulares, reconhecidas pelo
Ministério da Educação, somente mediante sua subordinação às normas que
regem a educação pública. Consequentemente, devem contemplar em seu
planejamento recursos humanos e materiais que atendam às referidas
obrigações.
A ignorância moral pode ser identificada em alguns dos
argumentos usados pela Confenen.
Em carta aberta à comunidade escolar, publicado em setembro, tal
confederação, em conjunto com o Sinepe-SC (sindicato de escolas
particulares), argumenta que as escolas devem ter o direito de negar a
matrícula de pessoas com deficiência.
Para sustentar seus argumentos, exploram indagações preconceituosas e repugnantes,
como as de que: há condições de um autista ser presidente da
República?;
Alguém sem braços ou sem pernas poderia jogar basquete ou
futebol? É possível a um cego ser cirurgião ou piloto de avião?
Os
autores da carta não só se mostram intolerantes, como desinformados
sobre o potencial de desenvolvimento inerente a qualquer ser humano.
Por fim, a concepção de educação que orienta a ADI escancara sua
ignorância pedagógica.
Uma escola que aceita a matrícula de qualquer
cidadão oferece a seus alunos a preciosa oportunidade de convívio com a
heterogeneidade humana.
Por um lado, a escola incentiva o desenvolvimento de competências
imprescindíveis para o mundo contemporâneo, como a capacidade de nos
relacionarmos com as diferenças e a de nos colocarmos no lugar do outro.
Por outro lado, desafia positivamente sua equipe de educadores a criar
estratégias que persigam o melhor de cada aluno, respeitando suas
particularidades.
Nesse sentido, o ultrapassado modelo industrial de transmissão do
conhecimento –pautada pela ilusão de que todos aprendem da mesma forma,
no mesmo ritmo e no mesmo tempo– se torna insustentável.
Afinal, que
tipo de escola almejamos para nossos filhos? Aquela que acompanha a
evolução da nossa democracia ou aquela que naturaliza a inferiorização
de quem não se encaixa nos padrões derivados da curva normal?
Nos próximos dias, o STF julgará a ação da Confenen. Terá nas mãos a
oportunidade de zelar pela garantia do direito à educação, à igualdade e
à dignidade humana.
Os ministros que integram nossa corte hão de evitar
a paralisia resultante da ignorância e fazer jus à sabedoria que deles
se é esperada.
Artigo publicado no UOL.
Fonte: Vida Mais Livre
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