A BBC Brasil conversou por email com a médica colaboradora da
Organização Mundial de Saúde (OMS), Nemora Barcellos, para entender a
doença e a epidemia atual.
Leia abaixo os principais pontos da conversa:
BBC Brasil - O que é sífilis?
Nemora Barcellos - Sífilis
é uma doença infecciosa sistêmica, crônica. Ela se manifesta em
diferentes estágios. Sem tratamento, apresenta evolução em fases:
inicialmente com feridas na pele, pode evoluir para complicações que
levam ao óbito, podendo afetar o sistema cárdio-vascular e neurológico. A
causadora da doença é a Treponema pallidum,
uma bactéria espiralada altamente patogênica. A sífilis é uma infecção
muito antiga e recebeu inúmeras denominações ao longo dos séculos.
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BBC Brasil - Quais são as formas de transmissão?
Dra Barcellos - A
principal forma de transmissão é o contato sexual. A gestante também,
por via hematogênica (pelo sangue), transmite para o feto a bactéria em
qualquer fase da gravidez ou em qualquer estágio da doença. A
transmissão via transfusão de sangue pode ocorrer, mas atualmente é
muito rara, em função do controle do sangue doado.
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BBC Brasil - Quais as formas de prevenção?
Dra Barcellos - A
principal forma de prevenção é o uso de preservativos no ato sexual. O
tratamento correto e completo também é considerado uma forma eficaz de
controle, pois interrompe a cadeia de transmissão. O tratamento de ambos
os parceiros é muito importante na prevenção para impedir que ocorra a
re-infecção, garantindo que o ciclo seja interrompido.
Em relação à sífilis na gestante e à sífilis congênita, é importante o
diagnóstico precoce. É necessário testar todas as mulheres que
manifestarem o desejo de engravidar.
Um pré-natal qualificado pressupõe
como rotina exames para o diagnóstico da sífilis no primeiro trimestre,
de preferência já na primeira consulta.
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BBC Brasil - As pessoas devem estar atentas a quais sintomas para suspeitar da doença? E como devem reagir nesse caso?
Dra Barcellos - O
primeiro sintoma, o cancro duro, no homem é mais visível. O problema
maior é seu desaparecimento espontâneo dando a impressão de que a cura
ocorreu sem tratamento. Nas mulheres, por questões anatômicas, não é
raro o cancro duro inicial passar desapercebido. O histórico de prática
sexual sem uso de preservativos deve ser investigado com seriedade em
consultas, seja na atenção básica, seja com especialistas da área de
ginecologia ou urologia. A existência de testes rápidos para sífilis
facilita muito a investigação.
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BBC Brasil - Quais as principais causas da atual epidemia de sífilis?
Dra Barcellos - O
esgotamento do impacto das campanhas de uso de preservativos e da sua
ampla disponibilização parece ser um dos fatores do recrudescimento dos
casos de sífilis. Por outro lado, a implicação do desabastecimento de
penicilina afeta a evolução individual da doença e a possibilidade de
cura. A ideia é que muitos fatores estão implicados no presente
crescimento dos casos. Corroborando essa ideia vale ressaltar que o
crescimento da epidemia se iniciou antes de se tornar visível e
importante a falta do medicamento.
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BBC Brasil - Por que a sífilis congênita é o maior problema agora?
Dra Barcellos - A
sífilis congênita, passada de mãe para filho, dependendo da intensidade
da carga bacteriana, pode resultar em aborto, natimorto ou óbito
neonatal. A doença também pode ficar disfarçada e causar o nascimento
prematuro de bebês com baixo peso, com outros sintomas como coriza mista
de sangue e ranho, sinais e sintomas ósseos, inchaço do fígado e do
baço, pneumonia, edemas, fissuras nos orifícios, entre outros males, que
podem resultar na morte da criança. Mas o tratamento, quando adequado e
precoce, oferece uma excelente resposta.
Os casos de sífilis congênita representam um indicador perverso das
lacunas ainda existentes no sistema de saúde vigente, incapaz de
identificar mulheres mais vulneráveis e oferecer-lhes acesso e qualidade
no cuidado pré-natal.
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BBC Brasil - Como a doença se desenvolve?
Dra Barcellos - Na população em geral, a sífilis apresenta diferentes formas de manifestação, de acordo com o período de evolução da doença:
1) Sífilis Adquirida Recente:
Sífilis primária - apresenta lesão genital inicial denominada cancro
duro, uma espécie de ferida rígida, com inflamação periférica, que
costuma desaparecer espontaneamente em cerca de 4 semanas. O período de
incubação médio é de 21 dias;
Sífilis secundária - manifestações da disseminação da bactéria no
organismo, o que ocorre após 4 a 8 semanas do desaparecimento da
primeira ferida. Aparecem então lesões de cor rosada eruptiva, parecidas
com o sarampo, mas que não coçam. Essa é a manifestação mais precoce da
sífilis secundária. Outras lesões podem surgir posteriormente, como
manchas e feridas nas palmas das mãos e dos pés, na boca, inchaço dos
nódulos linfáticos e glândulas, queda de cabelo em formato de "clareira"
e condilomas planos; que são erupções na região genital-anal.
A Sífilis Latente Precoce é silenciosa, não apresenta manifestações clínicas e só a sorologia pode dar o diagnóstico.
2) Sífilis Adquirida Tardia:
A Sífilis Adquirida Tardia inclui a Sífilis Latente Tardia e ocorre se
os portadores da infecção não foram foram adequadamente tratados ou
diagnosticados.
O período que a doença permanece no organismo sem se
manifestar é variável.
As formas de apresentação desta fase da doença, também conhecida como
Sífilis Terciária, ocorrem em períodos que vão de 2 a 40 anos e são:
Sífilis tardia cutânea - lesões na pele em forma de gomos e nódulos
altamente destrutivas; Sífilis óssea; Sífilis cardiovascular - aortite
sifilítica, principalmente, determinando insuficiência cardíaca; Sífilis
do sistema nervoso.
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BBC Brasil - Como é o tratamento?
Dra Barcellos - A
penicilina G é a droga preferencial para o tratamento da sífilis em
todos os estágios da doença. O tipo do antibiótico (benzatina ou
cristalina), a via (se por soro ou injeção) e a dosagem dependem das
manifestações clínicas e da presença ou não de co-infecção pelo HIV,
vírus da Aids.
A sífilis terciária necessita um período maior de
tratamento. A efetividade da penicilina no tratamento da sífilis está
muito bem estabelecida e baseada na experiência clínica de muitas
décadas, em estudos observacionais e em ensaios clínicos.
Os casos de sífilis congênita devem ser tratados com penicilina G
cristalina e o acompanhamento da criança também está condicionado à
adequação do tratamento da mãe. Portadores de alergia à penicilina podem
se beneficiar de dessensibilização controlado.
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BBC Brasil - A falta de penicilina foi um fator preponderante?