10 de out. de 2016

Habilitação de surdos unilaterais para cotas no mercado de trabalho é tema de debate


 
 
Uma mudança na atual legislação para garantir os diretos já assegurados às pessoas com deficiência auditiva nos dois ouvidos também aos surdos unilaterais dividiu opiniões, durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), nesta segunda-feira (10). 
 
 
Os defensores da alteração afirmam que os deficientes de apenas um ouvido vivem em um “limbo”, preteridos quando enfrentam a concorrência, mas sem o direito de usufruir de benesses como a Lei de Cotas (Lei 8.213/1991). 


Já os contrários ponderaram que a aprovação será um retrocesso, afetará a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LEI 13.146/2015) e trará consequências para a contratação de surdos bilaterais, pois o mercado de trabalho sempre dará preferência ao deficiente que demande menos gastos com adaptações e treinamentos.


O senador Paulo Paim (PT-RS), relator do projeto de lei da Câmara (PLC 23/2016) que inclui os deficientes auditivos unilaterais como pessoa com deficiência para esses efeitos legais — hoje, eles são excluídos graças ao Decreto 5.296, de 2004 —, propôs que os participantes da audiência se reúnam novamente com ele, na próxima quinta-feira (13), para tentar ajustar uma redação ideal para a proposta.


— Tenho a tendência, como relator, de querer construir uma alternativa, um entendimento. Vamos fazer o bom diálogo — propôs.

Inclusão



Durante o debate, os defensores da inclusão dos deficientes unilaterais apontaram as dificuldades enfrentadas por eles. Eles são prejudicados no mercado de trabalho quando enfrentam a ampla concorrência, mas também não têm acesso às leis inclusivas, por isso defenderam o “alargamento do conceito”.


O médico otologista Krishnamurti Sarmento Junior mencionou artigos e estudos publicados em revistas médicas que asseguram existirem prejuízos para o desenvolvimento, até a vida adulta, das crianças com deficiência em apenas um ouvido. 


Segundo ele, habilidades da fala, desempenho acadêmico, interação social, funções cognitivas, tudo isso é prejudicado pela surdez unilateral.


— Não se trata de comparar deficiências, a gente não tem dúvida de que um surdo bilateral tem dificuldades maiores, até pela barreira da língua. O unilateral é oralizado, domina a língua falada. Mas isso não significa que o unilateral não tenha uma deficiência — disse.


Luciano Fernandes, porta voz dos deficientes unilaterais, lembrou que a deficiência em só um ouvido corresponde à definição de pessoa com deficiência proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU)


Também citou que o projeto reinclui os deficientes auditivos unilaterais entre as pessoas com deficiência, como era antes do Decreto de 2004, e salientou não haver essa diferenciação legal para quem tem perda visual em apenas um olho, por exemplo.


Kayo Leite, advogado e integrante da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF), registrou ainda que os tribunais superiores vêm reconhecendo os surdos unilaterais como pessoas portadoras de necessidades especiais, sedimentando uma jurisprudência e resgatando o espírito inclusivo da Constituição Federal.


Lei Brasileira de Inclusão

 

De acordo com Filipe Trigueiro, representante do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), o projeto de lei, caso seja aprovado, poderá revogar a Lei Brasileira de Inclusão. Ele teme até que a iniciativa seja inconstitucional.


— [Aprovar o projeto] pode ser uma perda significativa. Temos que fazer essa avaliação e entender a questão das brechas na jurisdição — disse.


Na opinião de Fernanda Di Cavalcanti, também representante do Conade e responsável pelo projeto de fiscalização da Lei de Cotas, a LBI vai permitir mais evolução na defesa dos que realmente necessitam usar a cota. 


Esse modelo entrará em vigor em 2018, explicou. Ela condenou a tentativa de mudança na lei, e disse já existirem instrumentos jurídicos suficientes para garantir os direitos das pessoas com deficiência, o problema é colocar em prática.


— Hoje, você pode ser uma pessoa com deficiência e evoluir para não ser mais. Quando você restringe esses conceitos para uma lei, não faz parte da evolução que o Brasil e o movimento têm sobre o conceito — avaliou.


A integrante do Conade lembrou ainda que no país, existem políticas públicas que não são restritivas, como o acesso à saúde e à educação, o que não é o caso da de cotas. 


O intuito desta é o de ajudar as pessoas que necessitam de um diferencial para entrar no mercado de trabalho.


— Se ela não for restritiva, enquanto houver uma pessoa com deficiência mais leve, a mais pesada vai ser preterida no mercado de trabalho — afirmou.



 
 
 
 

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