A garota brasileira de nove anos, que mora em Hamamatsu, na província
japonesa de Shizuoka, é educada por voluntários enquanto a mãe, Arianne
Hayasaka, de 33 anos, trava uma batalha provar que a filha não é
autista, diferentemente do atestado pelos profissionais contratados pelo
município para identificar crianças com necessidades especiais.
O
caso de Hayenne não é o único. Segundo dados do governo do país
asiático, compilados por um grupo de ativistas e divulgados pela ONG
Serviço de Assistência aos Brasileiros no Japão (Sabja), 6,15% dos
alunos brasileiros teriam autismo - entre os japoneses, o índice é de
1,49%.
Essa proporção muito maior de diagnósticos de autismo entre os
filhos de brasileiros criou polêmica e motivou críticas até do governo
brasileiro.
Os profissionais de saúde e educação ainda não
conseguem explicar as razões para tantos casos. Mas Edilson Kinjo,
presidente da organização sem fins lucrativos (new) SAB - Associação
Amigos do Brasil, tem uma teoria: a forma como o teste é feito.
"É claro que não temos tantas crianças autistas assim", afirma o ativista, que acompanha a questão há mais de seis anos.
Para
Kinjo, muitas crianças não entendem perfeitamente o idioma japonês e
acabam não respondendo aos comandos do profissional durante a avaliação,
mesmo sendo ele um médico ou psicólogo.
"O resultado é que a criança não consegue responder aos estímulos e, consequentemente, a escola conclui que ela tem necessidade especial e já a classifica como autista", diz.
Procurado pela BBC Brasil, o Ministério da
Educação, Cultura, Esporte, Ciência e Tecnologia do Japão não quis se
pronunciar sobre os dados.
"Devido à falta de uma metodologia e de outros detalhes da pesquisa, não podemos comentar. Mas explicou que a decisão de encaminhar uma criança para uma classe especial cabe ao diretor da escola. A decisão deve ser feita com base no tipo e nível de deficiência e de acordo com uma avaliação de professores experientes e o diagnóstico de médicos especialistas, que levam em consideração a questão educacional, médica e psicológica da criança", detalhou e Justificou em nota.
Questionamento brasileiro
Em
abril, representantes do Ministério da Educação brasileiro questionaram
autoridades japonesas sobre o assunto durante uma reunião do Foro
Consular entre os dois países.
Para eles, os diagnósticos
aparentemente estão equivocados e, assim como defende Kinjo, muitos dos
casos são apenas de dificuldade de adaptação à cultura, à língua e ao
sistema de ensino local.
Os representantes do Ministério da Educação do Japão
se prontificaram a analisar a questão e solicitaram que casos concretos
de diagnóstico equivocado sejam informados a seu departamento
internacional.
Diante disso, o Consulado-Geral do Brasil em Tóquio deu início a uma campanha para coletar reclamações.
Para
Ivan Carlo Padre Seixas, diplomata responsável pelo setor de Comunidade
da Embaixada do Brasil em Tóquio, esse alto índice de crianças
classificadas como autistas é apenas um aspecto da falta de uma política
que integre os estrangeiros ao país.
"Esse dado mostra a incapacidade da escola japonesa de lidar com a diversidade. Isso é uma violência psicológica brutal e que pode acabar com a vida escolar e social da criança", afirma.
Edilson Kinjo sugere que o assunto seja tratado na esfera da saúde, e não da educação, como é hoje.
"No Japão, os dados escolares e pessoais de cada aluno não podem ser divulgados. Então, fica difícil responsabilizar alguém se houver um erro. Quando tratamos o caso como problema de saúde, podemos ter acesso aos laudos e questionar os resultados", sugere.
'Pegos de surpresa'
Kinjo
pondera que há crianças que realmente precisam de atendimento
diferenciado na escola - e que muitos pais não querem admitir que seus
filhos possam ter autismo ou algum outro tipo de transtorno.
"Mas há casos visíveis de crianças que foram diagnosticadas de forma errada, e até os pais são pegos de surpresa", conta.
Foi
o caso de Arianne, que não concordou com o laudo da escola sobre
Hayenne. Ela procurou uma segunda opinião médica e tenta provar que a
filha não precisa frequentar a sala especial.
"O resultado (do exame) foi dislexia e deficit de atenção. Mesmo assim, eles querem mandá-la para essa classe que mistura alunos com todo tipo de transtorno e problemas, e não vai ser saudável para ela."
A batalha começou quando a família mudou de cidade.
"Quando ela ingressou na escola primária na outra cidade, fez o teste e foi aprovada. Mas em Hamamatsu a psicóloga deu o diagnóstico de autismo", conta Arianne.
Ela tenta convencer as autoridades a aceitarem o segundo parecer médico e a refazerem os testes da filha.
Daniel Galvão da Silva, de 37 anos, passou pelo mesmo problema com o filho, que também se chama Daniel e hoje tem oito anos.
"Quando ele tinha três anos, bem no momento do processo de separação da minha ex-esposa, começou a apresentar sinais de atraso no desenvolvimento cognitivo", conta.
O jardim de infância aconselhou os pais a fazerem um exame mais detalhado.
"Uma terapeuta brasileira o diagnosticou com autismo leve, e então procuramos uma clínica japonesa. Só que o médico leu a carta da professora e fez os procedimentos todos como se ele realmente fosse autista", diz Daniel.
Durante alguns meses, os pais levavam o
menino para fazer terapia semanalmente.
"Mas percebíamos que algo estava errado, porque ele não agia como as outras crianças que estavam lá."
Foi
então que a mãe do garoto resolveu voltar ao Brasil. "Ela levou nosso
filho para um psicólogo e psiquiatra, fez todos os exames e não deu
nada. Hoje, ele leva uma vida normal no Brasil", diz o pai
Para Silva, a separação pode ter afetado emocionalmente o filho e desencadeado uma série de reações na época.
"Como pais, a gente sempre coloca o sentimento na frente da razão, mas se o caso tivesse sido tratado mais a fundo, mais pessoalmente, teríamos tido um diagnóstico mais correto."
Aceitação
O
psicólogo Irineu Carlos da Silva Jo, que presta atendimentos no
Consultado-Geral de Hamamatsu e pela Sabja, conta que a procura de pais
tem aumentado.
"O que acontece em muitos casos é um choque cultural. Às vezes, em casa os pais só se comunicam em português, e na escola só se fala o japonês. Isso pode causar um bloqueio na criança", explica.
Mas ele lembra que, além de procurar ajuda de um
profissional para fazer o diagnóstico preciso, os pais precisam estar
atentos aos sinais.
"Muitos não querem aceitar que o filho possa ter um transtorno", ressalta.
Esta é justamente a grande batalha de Wilson Tadashi
Karakawa, de 41 anos, que tem um projeto de integração de crianças com
necessidades especiais.
Ele usa o jiu-jitsu para tentar quebrar as barreiras do preconceito em relação ao autismo e a outros transtornos.
"O primeiro grande obstáculo é justamente os pais aceitarem a condição do filho", diz o brasileiro.
Seu
filho Kenzo, de 11 anos, foi diagnosticado com autismo. O garoto
pratica o esporte do pai e é destaque em campeonatos no Japão e em
outros países.
"Vejo muitos profissionais reclamando do grande número de diagnósticos errados. Acho isso muito irresponsável e perigoso", afirma ele.
Para Karakawa, alguns pais não querem
aceitar o problema de seus filhos e acabam se convencendo de que as
análises japonesas estão realmente erradas.
"Isso pode prejudicar profundamente a vida da criança, pois ela não vai ter o tratamento adequado."
Fonte: BBC BRASIL
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