O nariz e os olhos podem servir de janelas para o diagnóstico
precoce do mal de Alzheimer, doença neurodegenerativa que afeta um
crescente número de pessoas em todo mundo, impulsionada pelo
envelhecimento da população global.
As indicações são de diversos
estudos apresentados esta semana na Conferência Internacional da
Associação do Alzheimer, maior reunião científica sobre o assunto, que
acontece até esta quinta-feira em Toronto, no Canadá.
- Está claro que a ciência em torno de medidas biológicas para a
detecção do Alzheimer continua a ganhar ritmo e validação – comemorou
Heather Snyder, diretora de operações médicas e científicas da
Associação do Alzheimer. -
Usar outros biomarcadores do Alzheimer para
diagnosticar a doença em seus estágios iniciais, e que têm o potencial
de ter baixos custos e serem não invasivos, pode levar a uma melhoria
dramática no diagnóstico precoce e gerenciamento da doença.
Em dois dos estudos apresentados na conferência, pesquisadores do
Centro Médico da Universidade de Colúmbia, nos EUA, compararam a
capacidade do Teste de Identificação de Odores da Universidade da
Pensilvânia (Upsit, na sigla em inglês), criado nos anos 1980, com
outros métodos mais caros e invasivos na previsão do desenvolvimento de
demências.
O Upsit consiste em quatro cartelas com dez cheiros
familiares cada, entre eles pizza, gasolina, couro, chocolate e rosas.
Nelas, os participantes raspam uma área contendo uma microcápsula
odorífera que devem identificar entre quatro opções apresentadas na
própria cartela.
A identificação correta de cada um dos odores é
ponderada por uma tabela com os resultados de 4 mil pessoas normais para
medir o nível de acuidade olfativa dos participantes.
Ao todo, mais de
500 mil pessoas já realizaram o teste apenas nos Estados Unidos desde
sua criação, onde está disponível comercialmente para autoaplicação.
Também há versões adaptadas para outras culturas, inclusive uma
luso-brasileira, conhecida como Upsit-Br2.
No primeiro destes estudos, o Upsit foi administrado em 397 idosos
com idade média de 80 anos, todos considerados saudáveis então. Estes
idosos também foram submetidos a exames de ressonância magnética para
medir a espessura do chamado córtex entorrinal, primeira área do cérebro
afetada pela doença.
Os pesquisadores acompanharam o grupo durante
quatro anos, período no qual 50 (12,6%) desenvolveram demência, dos
quais 49 foram diagnosticados com Alzheimer. Além disso, 79 dos idosos,
ou quase 20%, apresentaram algum nível de declínio cognitivo.
Segundo os
pesquisadores, tanto um baixo desempenho no Upsit e, num menor grau, a
espessura do córtex entorrinal foram associados à transição para a
demência e o Alzheimer.
O baixo desempenho no teste de identificação de
odores, mas não a espessura do córtex entorrinal, também previu o
declínio cognitivo dos participantes no estudo.
- Estes achados apoiam a identificação de odores como um previsor
precoce (do Alzheimer) e sugerem que problemas na identificação de
odores podem preceder o afinamento do córtex entorrinal nos estágios
clínicos iniciais do mal de Alzheimer – defendeu Seonjoo Lee, professor
de bioestatística clínica em psiquiatria na Universidade de Colúmbia que
apresentou o estudo na conferência no Canadá.
Já na outra pesquisa que também usou o Upsit, os cientistas fizeram o
teste em 84 voluntários com idade média de 68 anos, dos quais 58 já
sofriam com problemas cognitivos amnésicos moderados e 26 serviram como
grupo de controle.
Todos também foram submetidos na mesma época a exames
de tomografia ou punção lombar para detecção da presença no organismo
de acúmulos de placas de proteína amiloide no cérebro, característica do
Alzheimer, e acompanhados por pelo menos seis meses.
Neste período, 67%
dos participantes apresentaram perdas na memória. E embora os exames
tenham previsto este declínio enquanto o teste de identificação de
odores não, um resultado no Upsit abaixo de 35 pontos, considerado
subnormal, foi associado a uma chance três vezes maior de sofrer com o
declínio da memória do que os que tiveram desempenho normal.
Idade mais baixa, nível educacional mais alto e o período curto de
acompanhamento podem explicar porquê o Upsit não previu este declínio
tão fortemente neste estudo na comparação com outros anteriores –
destaca William Kreisl, professor de neurologia da Universidade de
Colúmbia que também apresentou seu estudo na conferência.
Embora sejam
necessárias mais pesquisas, o teste de identificação de odores, que é
muito menos caro e bem mais fácil de administrar que os exames de
tomografia e punção lombar, pode se tornar uma ferramente útil para
ajudar os médicos aconselharem pacientes preocupados com seu risco de
perda de memória.
Por fim, mais dois estudos, desta vez conduzidos por pesquisadores no
Reino Unido, EUA e Canadá, relacionaram peculiaridades observáveis nos
olhos com indicadores do desenvolvimento de demências.
No primeiro
deles, os cientistas associaram a espessura dos tecidos nervosos atrás
da retina com a perda das funções cognitivas.
Para isso, eles analisaram
os resultados de um tipo de tomografia que mediu a chamada camada de
fibra nervosa retinal (RNFL, também na sigla em inglês), exames físicos,
testes cognitivos e respostas de questionário de mais de 33 mil
pessoas, descobrindo que os que tinham este tecido mais fino também
tiveram um desempenho pior nas avaliações cognitivas.
- Isto demonstra a potencial utilidade dos olhos como uma medida não
invasiva da perda neuronal que está ligada ao desempenho cognitivo, e
fornece um possível novo biomarcador para os estudos sobre a
neurodegeneração – considera Fang Ko, pesquisador do Instituto de
Oftalmologia da University College London (UCL) que apresentou o
trabalho na conferência.
Já no segundo estudo, Melanie Campbell, da Universidade de Waterloo,
no Canadá, e colegas de diversas instituições no país e nos EUA
examinaram os olhos de 20 humanos mortos diagnosticados com Alzheimer e 06 cães com um modelo animal da doença com microscópios de polarização
e os compararam com as retinas de 22 humanos e 07 cachorros também
falecidos, mas sem sinais de demências, demonstrando que algumas
tecnologias de imageamento ocular podem detectar a presença da proteína
amiloide também nesta região do corpo.
- O imageamento polarizado é uma promissora forma não invasiva de
revelar os depósitos retinais de amiloide como biomarcadores do
Alzheimer – defende Melanie, responsável pela apresentação do estudo na
conferência.
- A capacidade de detectar os acúmulos de amiloide na
retina antes do aparecimento dos sintomas da doença pode ser uma
ferramente essencial no desenvolvimento de estratégias de prevenção do
Alzheimer e outras demências.
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