O primeiro transplante duplo de mãos realizado nos Estados Unidos foi
noticiado pela imprensa mundial como um grande marco da Medicina.
Mas, sete anos depois, o paciente que se submeteu à cirurgia não pensa assim: para ele, o procedimento foi um fracasso.
"Foi
uma espécie de experiência", afirmou à BBC Mundo, serviço em espanhol
da BBC, Jeff Kepner, que em 2009 passou por longo procedimento que
prometia devolver-lhe o tato.
As coisas não se saíram como esperava e ele, hoje com 64 anos, diz
categoricamente que preferiria ter continuado a usar suas próteses
artificiais se soubesse que seria esse o resultado.
"Tinha a esperança de que as coisas melhorariam, de que eu teria uma melhor qualidade de vida. Mas isso não ocorreu. Não acontece absolutamente nada em minhas mãos. Desde a operação, não consigo fazer nada que seja funcional.", conta.
Além
da complicada cirurgia de nove horas, na qual recebeu os antebraços de
um doador de 23 anos em Pittsburgh, na Pensilvânia, Kepner voltou à sala
de cirurgia outras três vezes para tentar corrigir possíveis falhas que
o impediam de mexer suas mãos.
"A única coisa que posso fazer neste momento é sentar na poltrona da sala e ver televisão o dia todo. E basicamente a noite toda."
Do entusiasmo à frustração
Ele
relata que passou por uma montanha-russa de sentimentos em todo o
processo: entusiasmo, frustração, impotência e aceitação. Mas garante
que em nenhum momento lhe ocorreu culpar os médicos por seu estado
atual.
"Cada paciente é um caso diferente, e nem todos acabariam assim. Nunca diria a alguém que não fizesse a operação por causa da minha experiência."
Morador da cidade de Augusta, na Geórgia,
Kepner sabia dos riscos que corria ao ser o primeiro do país a se
submeter a uma intervenção dessa complexidade.
Existia a possibilidade de que seu organismo recusasse as novas mãos.
Por isso, estavam previstas longas jornadas de terapia física e um
tratamento com medicamentos bastante fortes.
Kepner já usava
próteses nos antebraços e nas panturrilhas havia quase uma década - suas
mãos e pernas foram amputadas em 1999, por causa de uma infecção
bacteriana.
Mas apesar dos desafios na mobilidade, tinha conservado seu emprego como livreiro e conseguia até mesmo guiar automóveis.
A operação, porém, surgiu como uma oportunidade de melhorar sua qualidade de vida e de voltar a ter tato nas mãos.
Sua
mulher, Valarie, saiu naquele 4 de maio de 2009 agradecendo
profundamente à família do doador por "salvar alguém dando-lhe mãos que
mudarão sua vida e sua independência".
E a família continuou assim, otimista, nas semanas seguintes à cirurgia.
"Estava muito animado. Mas quando me deram alta e fui para casa, passei anos fazendo tratamento sem notar nenhuma sensação", conta Kepner.
Desejo de voltar a usar próteses
O
mesmo grupo de especialistas responsável pela cirurgia analisou o
paciente quatro anos depois para avaliar alternativas que pudessem dar
movimento às mãos.
Segundo Kepner, foram três operações adicionais
para remoção de cicatrizes e instalação de peças de titânio para
fortalecer os ossos.
Nenhuma delas, porém, surtiu efeito. Foi quando Kepner pediu a remoção das mãos para que pudesse voltar a usar as próteses.
"Não queria mais perder tempo", relata.
Seu
cirurgião, Andrew Lee, que agora lidera a unidade de transplantes do
Hospital Universitário Johns Hopkins, em Baltimore, advertiu sobre as
complicações de um procedimento desse tipo.
Eram dois alertas
principais: se os membros transplantados fossem totalmente retirados,
não haveria suporte suficiente para o uso das próteses; e se amputassem
parcialmente o antebraço do doador, havia uma grande possibilidade de
rejeição às mãos artificiais.
Mas, segundo Kepner, não foi isso
que ele havia ouvido dos médicos, ainda em 2009, sobre a possibilidade
de voltar a usar próteses caso a operação falhasse.
"Eles haviam me dito que, se tudo desse errado, poderiam voltar a amputar. Mas durante a operação cortaram mais porções em bom estado do meu braço para substituir pelas do doador. E por isso agora não posso receber próteses. E decidi que não me sentia confortável com a ideia de passar por tudo isso outra vez", explica.
O cirurgião Andrew Lee afirmou à revista Time que "nem todas as cirurgias dessa complexidade produzem resultados uniformes em cada um dos pacientes".
Até hoje, apenas 85 pessoas em todo o mundo receberam transplantes de
mãos e braços, um procedimento que continua sendo bastante incomum.
Houve, porém, alguns avanços científicos e tecnológicos nesta área nos últimos anos.
Por
isso, Kepner não hesitaria em voltar à sala de cirurgia caso lhe
oferecessem uma grande possibilidade de voltar a sentir e mover suas
mãos.
"Mantenho a esperança. É a única coisa que me resta fazer."
Fonte: BBC
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