Tübingen,
Alemanha, 1906. O neuropatologista alemão Alois Alzheimer (1864-1915)
apresenta em um congresso científico uma enfermidade psíquica que
envolvia oscilações nos estados de ânimo e considerável perda de
memória.
Cinco anos antes, ele mesmo havia diagnosticado esse quadro
mórbido em uma mulher de 51 anos, Auguste D.
No
“estabelecimento para enfermos mentais e epiléticos” de Frankfurt, essa
paciente, em momentos de lucidez, dizia sentir-se “perdida”.
Após sua
morte, em 1906, em estado de alienação mental, Alzheimer examinou o
cérebro dela e descobriu algumas formações compactas e outras
filiformes.
Intuiu que a causa das espetaculares alterações na
personalidade residia naquelas formações. O médico entrou para a
história da medicina, e a doença foi batizada com seu nome.
Sabemos
hoje que a doença de Alzheimer não é uma enfermidade exótica, mas a
causa mais comum de demência entre adultos.
Cerca de 35 milhões de
pacientes em todo o mundo sofrem dessa doença que aflige quase 40% dos
octogenários e gera um enorme problema de saúde pública.
Apesar dos
avanços no diagnóstico e tratamento, a doença continua incurável mais de
um século após sua descrição inicial.
No que
diz respeito às possíveis causas, o primeiro indício é a notável
contração observada no cérebro de pacientes mortos. Conforme o processo
degenerativo avança, um grande número de neurônios é destruído em
distintas regiões encefálicas.
A destruição começa pelo lóbulo temporal,
decisivo para as funções da memória. A memória explícita ou declarativa
(que se refere à recordação de fatos ou acontecimentos), em oposição às
habilidades motoras, é a mais prejudicada.
O
hipocampo e uma zona adjacente, o “córtex entorrinal”, duas regiões
cerebrais situadas no extremo inferior de ambos os lóbulos temporais,
são as que sofrem maior dano ainda nas primeiras etapas da doença.
Essas
regiões são imprescindíveis para processar as informações, por isso
concentração e capacidade de fixação tornam-se praticamente impossíveis
quando ambas estão ausentes.
Eis por que pessoas com a doença de
Alzheimer vão ficando cada vez mais incapazes de realizar tarefas
cotidianas, como vestir-se pela manhã ou manter uma conversa telefônica
com um velho amigo.
No interior da célula
Pesquisadores
do grupo de Paul Thompson, da Universidade da Califórnia em Los
Angeles, em colaboração com uma equipe da universidade australiana de
Queensland, verificaram em tempo real esse processo devastador com o uso
de técnicas de imageamento cerebral.
Por meio de ressonância magnética é
possível detectar um foco da enfermidade, que se alastra de maneira
incessante pelo encéfalo, como se fosse um incêndio florestal de grandes
proporções.
A destruição aniquila sucessivamente os centros relativos à
recordação, à linguagem e às emoções. São conservadas apenas as regiões
encarregadas dos órgãos sensoriais, como visão e tato, e aquelas que
controlam os movimentos.
A cada ano os doentes perdem quase 5% da massa
encefálica, cifra que se eleva para 10% nas regiões da memória. Adultos
sadios perdem apenas 1% a cada ano.
As formações
esféricas de proteína beta-amiloide e as fibras descritas por Alois
Alzheimer têm importância fundamental, reconhecem os pesquisadores
atuais.
Trata-se de dois depósitos muito diferentes no tecido cerebral.
As chamadas “placas” são compostas por um pequeno fragmento proteico
denominado A-beta.
As fibrilas, ao contrário, são principalmente uma
variante modificada da proteína tau e se estendem sobretudo no interior
dos neurônios. E não é só isso: elas são abundantes precisamente nas
regiões que se degeneram de modo mais claro.
Por
essa razão, o principal “suspeito” da morte neuronal são as fibrilas de Alzheimer. Admite-se que a causa resida na estrutura modificada da
proteína tau dos pacientes.
No cérebro saudável, a proteína tau normal
estabiliza os neurônios, pois se une a um sistema tubular dinâmico (os
microtúbulos).
Trata-se de um componente do citoesqueleto (fibras
proteicas do interior da célula que delimitam sua forma e movimento) que
serve de bastidor para os processos de transporte rumo ao interior da
célula.
A proteína tau aparece sobretudo no prolongamento quase sempre
mais largo do neurônio, o axônio, que conduz os sinais elétricos para os
demais.
Se a proteína tau modificada não pode
cumprir sua função protetora, as consequências previsíveis são
catastróficas.
Segundo a “hipótese da perda funcional”, a estrutura dos
neurônios, de vários metros de extensão, não pode ser mantida:
desaparecem as comunicações entre eles e a rede neuronal se desfaz.
Essa
hipótese pode ser testada utilizando-se um dos modelos mais comuns da
investigação biomédica, o camundongo.
A tese subjacente era de que a
completa falta de proteína tau deveria acarretar consequências fatídicas para a
rede neuronal do cérebro desse animal.
Em 1994, o
grupo de Nobutaka Hirokawa, de Tóquio, gerou camundongos sem tau. Eles
extraíram a informação genética da proteína desses animais, para que não
pudessem fabricar proteína tau funcional.
Mas, para surpresa dos
pesquisadores, os camundongos se desenvolveram exatamente da mesma forma
que os demais roedores não manipulados, e o sistema nervoso deles não
se diferenciava do cérebro dos animais de controle.
Assim, os neurônios
desses camundongos pareciam não precisar da tau, e a hipótese da perda
funcional foi afastada.
Proteína compacta
Que papel a misteriosa proteína
desempenha na doença de Alzheimer? A alteração característica dessa
proteína nos pacientes com Alzheimer prejudicaria o cérebro?
O “aumento
tóxico da função” poderia contribuir para a deterioração, algo ilustrado
por patologias como a doença de Huntington, em que a pro-teína
modificada destrói de maneira ativa os neurônios.
O mesmo ocorre com as
formas hereditárias da esclerose lateral amiotrófica (ELA), um processo
degenerativo dos nervos motores associado à atrofia muscular.
Para
testar tal possibilidade, vários grupos de pesquisadores dos Estados
Unidos e da Bélgica introduziram, em 1999, a sequência do gene da
proteína tau humana em camundongos, que, a partir daquele momento,
passaram a fabricar grandes quantidades da proteína humana, além da
própria.
Os animais testados em laboratório apresentaram alterações
degenerativas características dos axônios e também uma proteína tau
compacta.
Mas, infelizmente, as células nervosas
mais afetadas não correspondem às da doença de Alzheimer em seres
humanos, e sim aos neurônios do tronco do encéfalo e da medula espinhal.
Os animais tiveram outros sintomas, como debilidade muscular e
paralisia, próprios da ELA. Seja como for, as descobertas demonstraram
que com quantidades elevadas da proteína tau os neurônios eram
destruídos, ainda que, no caso da doença de Alzheimer, outro mecanismo
deva operar.
Os pesquisadores da empresa
farmacêutica Sandoz, pertencente à Novartis, da Suíça, deram mais um
passo quando, em 1995, geraram camundongos cujos neurônios continham
quantidades muito menores da proteína tau humana.
Os animais não
revelaram grandes anomalias de comportamento nem alterações evidentes no
cérebro ou fibrilas. Entretanto, a proteína tau estranha foi detectada
em locais diferentes daqueles dos neurônios normais.
No lugar do axônio,
a proteína humana se multiplicava nas demais zonas de neurônios: pelos
prolongamentos (dendritos) e pela rede celular.
Ignoramos ainda qual é o
significado dessa descoberta, mas também os pacientes com Alzheimer
mostram fibrilas que se distribuem de preferência nessas zonas.
Outra
diferença entre as duas proteínas tau era a alteração característica
nas fibrilas humanas de Alzheimer.
Nesse caso, a variação baseava-se no
grau de fosforilação, isto é, de união posterior de grupos fosfato a
determinados lugares com proteína tau.
As células costumam se comportar
assim para regular a função das proteínas.A proteína tau humana dos
camundongos da empresa Sandoz estava muito mais fosforilada que a dos
animais de outros laboratórios.
Por que os
roedores não revelam as típicas fibrilas de Alzheimer? Talvez o processo
de aglomeração ocorra lentamente.
As fibrilas humanas aparecem, em
geral, no sétimo decênio de vida ou mais tarde, ou seja, em uma idade
que camundongos de laboratório não atingem.
A suspeita apoia-se em
estudos sobre alterações cerebrais ocorridas durante a evolução da
doença de Alzheimer: segundo os estudos, a proteína tau se fosforila em
um estágio precoce de formação das fibrilas, muito antes de começar a se
aglomerar.
Seja como for, as fibrilas
representam somente metade do enigma da doença de Alzheimer. Outro tipo
de depósito encefálico (a placa amiloide) suscita várias perguntas.
Essas placas não foram observadas apenas nas regiões encefálicas mais
danificadas pela doença: foram vistas também no cérebro de muitas
pessoas adultas que não sofriam da enfermidade e cujo tecido cerebral
não apresentava degeneração superior à da média.
Diante do fato, muitos
pesquisadores acreditam que, no início da doença, a proteína A-beta é
modificada. Ela desencadeia uma série de reações que culminam na
degeneração catastrófica dos neurônios.
Camundongos transgênicos
Há
indícios favoráveis para a “hipótese amiloide”. Algumas formas
particularmente agressivas e precoces da doença de Alzheimer se acumulam
em determinadas famílias.
As causas genéticas comuns, porém, só
justificam 5% de todos os casos da doença.
A proteína precursora da
A-beta de alguns desses pacientes sofre uma mutação genética; nos demais
casos, o problema reside em outros genes, por exemplo nas presenilinas.
É possível, entretanto, que todas as mutações ocorram, em última
instância, por meio da formação da proteína A-beta.
Os
pacientes apresentaram muitas placas amiloides. Pesquisadores
confirmaram essa possibilidade com camundongos transgênicos que
fabricavam a correspondente proteína A-beta com mutação: alguns animais
mostraram grandes quantidades de placas que lembravam os casos da doença
de -Alzheimer.
Porém nenhum deles exibiu a degeneração neuronal tão clara
como nos pacientes humanos. Para isso, é preciso a formação de
fibrilas, algo que aconteceu nos ratos.
Eileen
McGowan e sua equipe, da Clínica Mayo, nos Estados Unidos, cruzaram
camundongos transgênicos (que produziam uma variante tau com tendência
para a aglomeração) com animais que fabricavam mais placas amiloides.
Obtiveram animais que não só apresentavam alguma quantidade de fibrilas
de Alzheimer, mas também as depositavam nas mesmas regiões encefálicas
dos pacientes com a doença.
Assim, ao que parece, placas e fibrilas
realizam uma interação fatídica. É provável que os depósitos amiloides
modifiquem a proteína tau, de forma que esta adquira propriedades
“fatais”, chegando a destruir os neurônios.
No
futuro, poderemos criar modelos mais refinados para compreender melhor a
doença de Alzheimer. Novas vias terapêuticas poderão então ser
testadas. Medicamentos atuais, como os inibidores da
acetilcolinesterase, tentam reforçar ao máximo e conservar as funções
intelectuais do paciente. Assim, a doença pode ser detida alguns meses,
mas não evitada nem revertida.
A maioria das
novas estratégias dirige-se às placas amiloides que surgem em uma fase
muito precoce da cascata de destruição celular.
Nos laboratórios da Elan
Pharmaceuticals foram imunizados, em 1999, camundongos transgênicos que
produziam em excesso esses depósitos. Com isso, pôde ser evitada ou ao
menos freada a formação das placas.
No entanto, quando a empresa tentou
transferir os resultados para a espécie humana e inoculou 360 pacientes
com a doença de Alzheimer, muitos apresentaram encefalite, e o estudo
precisou ser suspenso.
Estudar para prevenir
Foi
realizada uma autópsia no primeiro desses pacientes. Ele tinha um
número surpreendentemente baixo de placas amiloides no córtex cerebral,
mas uma quantidade normal de fibrilas de Alzheimer, que supostamente
causam morte neuronal direta.
O que cada um de
nós pode fazer a fim de reduzir o risco de contrair a doença de
Alzheimer? Primeiramente, evitar os fatores de risco. Contra alguns
deles, como o envelhecimento, não se pode fazer muita coisa.
Há, porém,
estudos que indicam uma possibilidade mais viável de prevenção: quanto
maior a escolaridade e a formação profissional, menor o risco de
contrair a doença na velhice.
Talvez neurônios mais ativos ofereçam mais
resistência à enfermidade, ou a rede neuronal se associe com mais
firmeza após uma formação intelectual ampla, opondo maior resistência à
lesão.
Mas essa formação é ineficaz quando a enfermidade já está
instalada. E, de fato, as tentativas nesse sentido foram
contraproducentes.
Existem, além disso, indícios
de que os antioxidantes da alimentação reduzem o risco de contrair a
doença.
Algumas substâncias, como as vitaminas C e E, encontradas em
frutas, legumes (brócolis) e chá (verde e preto), parecem diminuir a
quantidade das espécies reativas de oxigênio que, aparentemente,
intervêm de maneira decisiva nos processos normais de envelhecimento.
***
Texto: Roland Brandt e Hartwig Hanser
Fonte: Mente e Cerebro
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