“Para que uma pessoa com deficiência visual tenha a experiência completa em um estádio de futebol,
ela precisa entender o que acontece no gramado e ao seu redor.
” Foi com
essas palavras de Joyce Cook, diretora geral do Centro de Acesso ao
Futebol na Europa (Centre for Access to Football in Europe - CAFE), que a
Copa do Mundo da FIFA 2014 deu o pontapé inicial na parte prática de um projeto inovador no Brasil.
Preocupados em melhorar a experiência de cegos e pessoas com baixa
visão nos estádios, a FIFA e o COL oferecerão um serviço pioneiro de narração audiodescritiva
em quatro estádios da Copa do Mundo da FIFA no Brasil. Nesta
quarta-feira, no estádio Maracanã, no Rio de Janeiro, foi iniciado o
seminário de treinamento de narradores voluntários.
A audiodescrição é semelhante à narração de rádio, mas
com ênfase na experiência do estádio. O narrador especialmente treinado
fornece uma descrição adicional de todas as informações visuais
significativas, como linguagem corporal, expressão facial, entorno,
lances, uniformes, cores e qualquer outro aspecto importante para
transmitir a aparência e o ambiente do estádio.
“O serviço de audiodescrição fala como a torcida está se portando,
quais são as brincadeiras, como o juiz corre… Algumas coisas que ninguém
acha que são importantes, porque estão todos vendo”, diz Anderson Dias,
presidente da Urece Esporte e Cultura para Cegos,
ONG parceira da FIFA e do COL que trabalha com projetos especiais para
pessoas com deficiência visual.
“Na audiodescrição de avaliação de
voluntários, ouvi o gol do Ronaldo na final da Copa do Mundo de 2002 e
ouvi que o Oliver Kahn fica no chão, chateado, triste, e o Ronaldo sai
comemorando de braços abertos. Isso se perde nas transmissões de TV e
rádio”, completa Dias, que foi bicampeão mundial e campeão paralímpico
de Futebol de 5 em Atenas 2004.
Convidado especial do primeiro dia do seminário, o árbitro Arnaldo Cézar Coelho, que comandou a final da Copa do Mundo da FIFA Espanha 1982, provocou risos na plateia ao revelar que já foi chamado de cego por muitos torcedores e se mostrou encantado com a iniciativa. Ele falou aos voluntários sobre a importância de se conhecerem as reações de um árbitro.
“Ter a FIFA se preocupando com as pessoas com deficiência visual em campo é muito legal. Melhor ainda é ter um narrador para explicar e comentar todas emoções de um jogo de Copa do Mundo. Minha presença foi para explicar as reações que os árbitros têm, para que os narradores orientem seus ouvintes. É uma iniciativa brilhante da FIFA. Nunca tinha visto isso.”
A narração audiodescritiva será disponibilizada em português em quatro estádios da Copa do Mundo da FIFA: Belo Horizonte (Estádio Mineirão), Brasília (Estádio Nacional de Brasília), Rio de Janeiro (Estádio do Maracanã) e São Paulo (Arena de São Paulo).
Haverá dois locutores por jogo, e a narração será transmitida por
radiofrequência e captada em fones de ouvido individuais. Torcedores
cegos ou com baixa visão podem sentar-se em qualquer lugar do estádio.
No total, pelo menos 16 voluntários, quatro de cada uma das cidades-sede selecionadas, passarão por um programa de treinamento intensivo promovido pelo CAFE e pela Urece.
Após a conversa com Arnaldo
Cézar Coelho, os voluntários foram orientados em um exercício no qual
tiveram de guiar e serem guiados por companheiros enquanto percorriam as
instalações do Maracanã.
O exercício fez com que muitos percebessem as
dificuldades de visitar um local sem enxergar e, ao mesmo tempo,
reconhecessem a responsabilidade de descrever a um cego tudo o que está a
seu redor.
A voluntária Natália Caldeira, de 29 anos, que trabalha com pessoas com
deficiências visuais desde 2004, comemorou a chance de participar desse
projeto na Copa do Mundo da FIFA em seu país.
“É uma oportunidade
incrível. Não só de estar num jogo de Copa, mas de transmitir a essas
pessoas o que acontece e tornar sua experiência mais real. É uma
responsabilidade muito grande, mas tenho certeza de que a gente vai ter
diversas lições até lá e vai conseguir fazer isso direitinho. Estou
preparada.”
Tão importante quanto o aspecto inovador do projeto em solo brasileiro é
seu legado. Após a Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014, o equipamento de
narração instalado em cada estádio será doado às entidades locais
dispostas a fazer parte do legado do projeto.
“O mais interessante é o legado humano que estamos deixando: esses
voluntários estão recebendo o conhecimento sobre como passar a narração
para pessoas que são cegas ou com baixa visão”, ressalta Paula Gabriela
Freitas, líder da Equipe de Sustentabilidade da FIFA no Brasil.
“São
brasileiros que vão ficar aqui e vão poder, depois, realizar esse
serviço não somente em jogos ou eventos esportivos, mas em eventos
culturais e de outros tipos.” Joyce Cook, do CAFE, reforça o discurso e mostra objetivos ambiciosos
para o Brasil.
“Nossa vontade é ver todos os estádios e arenas
esportivas do Brasil com este serviço; que se torne algo normal. Que
pessoas cegas e com deficiências visuais possam ir a eventos esportivos
com naturalidade, ouvindo o serviço de narração audiodescritiva e tendo o
serviço completo.”
As pessoas com deficiências representam pelo menos 12% da população
mundial: são mais de 840 milhões de pessoas com deficiência, das quais
285 milhões são cegas ou têm visão subnormal.
Até o momento,
pouquíssimos locais no Brasil oferecem serviços para pessoas cegas ou
com baixa visão que comparecem a eventos ao vivo, como jogos de futebol.
Para a Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014, e de acordo com as leis
brasileiras, pelo menos 1% do número total de ingressos oferecidos é
disponibilizado para pessoas com deficiência – e todas elas podem
solicitar bilhetes complementares para um acompanhante.
Os estádios da
Copa do Mundo da FIFA são acessíveis a pessoas com deficiência, pessoas
com mobilidade reduzida e pessoas obesas. Assentos acessíveis, banheiros
e passarelas estão disponíveis. Há entradas exclusivas para pessoas com
deficiência ao lado dos acessos para pessoas sem deficiência.
Fonte: Copa do Mundo
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