“Quando a minha filha nasceu, os médicos disseram que não andaria, não
falaria. Fiquei muito triste, mas não convencida. Saí do luto e fui para
a luta”.
A declaração é da aposentada Olga Cerqueira, que, aos 61 anos,
celebra mais um dia Dia Internacional da Síndrome de Down nesta sexta-feira (21) com a certeza de que “qualquer pessoa com deficiência intelectual pode chegar longe se tiver oportunidade e estímulo”.
Olga chegou a esta conclusão acompanhando o progresso da filha Laís Cerqueira, 23 anos, que nasceu com diagnóstico de síndrome de Down e prognóstico de deficiência intelectual. Na época, a notícia foi impactante para os familiares, que pouco conheciam a síndrome e não tinham exemplos de pessoas com a deficiência entre os parentes.
“Quinze dias depois do nascimento, fui para a luta. Comecei a ler
livros de medicina para saber como poderia ajudar. Apesar das previsões
médicas, tenho orgulho de dizer que, aos noves meses de idade, minha
filha já estava caminhando”, relata a aposentada, que investiu tempo
para estimular a filha a desenvolver as atividades comuns a todas as
crianças.
Ainda na infância, Laís foi alvo de um ato de preconceito que a mãe não
esquece. Olga conta que a filha estava na praia quando outra criança se
aproximou dela para brincar. “Ao ver as duas juntas, a mãe da outra
menina levantou da cadeira e disse: 'amorzinho, não brinque com ela,
porque ela é doentinha'”, lembra, ainda revoltada.
A fim de proporcionar a Laís novas possibilidades de socialização, Olga decidiu matricular a filha aos nove anos na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae),
espaço filantrópico que presta assistência às pessoas com deficiência
intelectual. Foi na unidade da associação, localizada no bairro da
Pituba, que a menina pôde desenvolver talentos que até a ocasião ainda
estavam guardados.
Olga conta que a professora de ginástica rítmica logo percebeu que a
menina tinha excelente desenvoltura e facilidade para decorar as coreografias.
E ela tinha razão.
No ano de 2007, em competição realizada em Minas
Gerais, que contou com 22 participantes com deficiência intelectual,
Laís Cerqueira recebeu o título de Campeã Brasileira de Ginástica
Rítmica.
"Foi um dia incrível. Quando anunciaram que ela havia ficado na
primeira colocação, saí pulando por cima de mesa até chegar perto dela e
abraçá-la".
Conquistas
Ao completar 16 anos, Laís Cerqueira deixou a unidade da Apae da Pituba
e foi transferida para a sede do bairro do Comércio, que é responsável
por promover a iniciação, qualificação e inserção profissional
das pessoas que passam pela instituição.
No local, a jovem foi
integrada à Companhia Opaxorô de Dança e Percussão, grupo que promove a
profissionalização artística dos integrantes, a partir de apresentações
no Brasil e até mesmo fora do país.
"Aqui, ela teve uma alavancagem incrível. Deixou um trabalho mais
individual para um trabalho coletivo. Laís passou a ter compromisso
diário com a dança. Com isso, conquistou noções de rotina, de espaço, de
temporalidade. Fiquei felicíssima, já que estas características são
socializadoras", relata a mãe.
Em conversa com G1, Laís Cerqueira disse que se sente completa no
espaço. "Fico feliz aqui. Gosto muito de balé. [No Opoxorô], gosto de me
apresentar no 'Malandro' ", citou participação em espetáculo promovido
pela companhia que é inspirado na obra "Ópera do Malandro", de Chico
Buarque.
Ao ver o progresso da filha e todas as dificuldades que enfrentou
durante a educação dela, Olga se emociona. "Todas estas conquistas me
fazem perseverar. Você não imagina a felicidade que sinto de ter ajudado
a minha menina, que já foi apontada como inútil, conquistar respeito
por méritos próprios", relata.
Na companhia, além de atrair a admiração de professores e colegas,
principalmente pela habilidade com a dança contemporânea, Laís ainda
arrumou tempo para conquistar um namorado. O nome dele é Daniel Santos
do Carmo, 23 anos, que também integra o grupo artístico. "Ele é meu
noivo e vamos nos casar", concluiu a menina.
Opaxorô
A Companhia Opaxorô
conta com a atuação de quatro profissionais técnicos, que auxiliam 11
integrantes de um grupo de dança - composta por pessoas com deficiência e
moradores da comunidade -, além de 15 pessoas de um grupo de percussão,
em que todos os componentes têm algum nível de deficiência intelectual.
Há 16 anos na Apae, a coreógrafa da companhia, Janiere Almeida, 43
anos, diz que não consegue mais identificar as deficiências que as
pessoas procuram nos alunos. "Para mim não há diferenças. Cobro a todos
da mesma forma e todos [alunos da comunidade e da própria instituição]
me trazem os resultados semelhantes. A arte possibilita o
desenvolvimento das pessoas", defende.
Dentre os dias 26 e 27 de março, os interessadas em acompanhar os trabalhos da companhia poderão assisitir a espetáculos de música e dança promovidos pelos integrantes da Apae, no Centro de Cultura de Alagoinhas, a 124 quilômetros de Salvador. Até o fim do ano, o grupo também deve se apresentar nas cidades de Jequié, Ilhéus, Itabuna e Salvador.
À frente da Companhia Opaxorô desde 2008, o diretor teatral Antônio Marques informa que, até o fim deste ano, a instituição deve lançar DVD com participações de Carlinhos Brown, Margareth Menezes, Saulo, Tuca Fernandes, Lazzo Matumbi, Nara Costa e Márcia Short.
A gravação do DVD
deve ser realizada no estúdio do cantor Durval Lélys, vocalista do Asa
de Águia, que é padrinho do projeto. Em 2012, a Companhia Opaxorô chegou
a participar do Festival Olímpico, realizado nas Paralimpídas de
Londres, na Inglaterra.
Foto: Henrique Mendes/ G1
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