Mães de crianças com deficiência são obrigadas a pagar
um "facilitador" para que seus filhos possam acompanhar as aulas em
escolas da rede pública municipal do Rio de Janeiro.
A denúncia foi
feita por Sheila Velloso, que tenta, desde o começo do ano, matricular o
filho Pedro, de 8 anos. Ela explica que o filho tem síndrome de
Cornélia de Lange, uma doença neurológica rara, e precisa de
acompanhamento constante, mas a escola pública em que ele foi
matriculado, a Pedro Ernesto, na Lagoa, não oferece o serviço.
“Fiz a matrícula dele e me falaram que no momento não tinha ninguém
para acompanhar o meu filho. Concordei que ele não podia ficar sem
ninguém. A diretora me apresentou uma menina que estava chegando e era
facilitadora de outra criança. Ela disse que ia todo dia com a criança, e
que a mãe paga R$ 1 mil para ficar com ele, orientando. Voltei na
regional e me falaram 'no momento não temos ninguém, se você conseguir
alguém, ótimo, você traz aqui e a gente faz a fichinha'”.
Sheila conta que procurou a rede municipal depois de ter a matrícula
negada em cinco escolas particulares e uma amiga elogiar o trabalho
oferecido pelo município. Há cerca de um mês, ela resolveu dar
visibilidade ao caso por meio de um abaixo-assinado virtual que já conta
mais de 10 mil apoiadores.
“O que eu sei é que toda criança tem direito à escola, seja ela
deficiente ou não. É o caso do meu filho. Ele é especial, ele precisa de
uma orientadora ou facilitadora, e eu fiquei sabendo que na rede
municipal tem isso; outras mães têm isso; então eu fui buscar, eu queria
isso para o meu filho também. Se tem direito, vamos lá, tem que ter
direito, então. O objetivo é conseguir a escola, não quero mais nada”,
enfatizou ela.
Sheila explica que não existe associação no Brasil que reúna parentes
de pessoas com síndrome de Cornélia de Lange, apenas grupos de apoio em
redes sociais.
A doença afeta o desenvolvimento físico e intelectual da
criança. “Agora ele fica a semana toda dentro de casa, só faz terapia
ocupacional e fono[audiologia], atividades paralelas, mas escola mesmo
ele não está frequentando”, acrescentou.
Fundadora da organização não governamental Escola de Gente, que
trabalha com inclusão, a jornalista e escritora Cláudia Werneck ressalta
que é obrigação do município garantir acesso à escola para qualquer
criança, já que o direito à educação é tão indisponível quanto o direito
à vida.
“Toda criança tem direito à escola, e isso independe de como essas
crianças são, se enxergam, se têm uma síndrome genética ou não. Não
existe não aceitar uma criança. Nesse caso, a escola condicionou a
aceitação da criança à mãe fazer desembolsos particulares de um
facilitador, isso também é inconstitucional, a escola pública não pode
cobrar nada da família dos estudantes”, ressaltou Cláudia.
A procuradora Regional da República Eugênia Gonzaga, do Ministério
Público Federal em São Paulo, especialista em direitos de pessoa com
deficiência, explica que os apoios necessários à inclusão de criança com
deficiência fazem parte da obrigação do Estado com a educação.
Segundo ela, “é ilegal. Não tem previsão em lei isso, e já tem até uma
nota técnica do Ministério da Educação falando que isso é irregular. A
gente ouve falar isso há anos no Rio de Janeiro, e agora é que os pais
começaram a denunciar. Fere o código do consumidor, fere o direito da
criança, é uma discriminação indevida da criança com deficiência”.
De acordo com Eugênia, os pais devem documentar a exigência feita, para
comprovar a irregularidade no Ministério Público. “Elas [mães] poderiam
comprovar de alguma forma essa exigência da escola, porque às vezes a
escola fala isso de boca, mas na hora de colocar no papel não
[confirma].
Então, talvez provocar uma resposta por escrito da escola,
para que conste essa prova de que a escola está fazendo exigência, e
levar isso para o Ministério Público Estadual”, sugere.
A secretária Municipal de Educação, Helena Bomeny, garante que essa não
é a prática da rede. “Eu não sei como chegou essa informação à mãe,
porque isso não procede. Nós oferecemos um estagiário, voluntário, para
ficar como mediador na sala de aula junto com o professor. Então, eu
acho que é um grande mal entendido, porque não se pode cobrar nada”,
destaca.
De acordo com ela, o caso de Pedro Velloso foi o primeiro que ela
soube, e a rede tem mais de 1.500 estagiários e voluntários que fazem a
mediação de crianças com deficiência nas escolas.
“A gente pode entender
que em uma determinada escola, como não havia um aluno incluído, na
hora não tem [mediador]. Então, a coordenadoria, junto com o Instituto
Helena Antipoff, faz o remanejamento profissional para que a escola
passe a ter o mediador. Às vezes demora um dia, dois, três dias, porque a
escola não tem e vai passar a ter essa necessidade”, disse ela.
A secretária explica que todas as coordenadorias regionais de Educação
têm equipes do instituto, que é uma referência nacional em deficiência e
altas habilidades, e que todos os casos de inclusão de criança com
deficiência devem ser analisados por especialistas.
“Quando a gente faz a matrícula de qualquer aluno com deficiência é
importantíssimo que o instituto esteja presente, porque junto com os
pais é que eles vão decidir onde o aluno deve ficar melhor, se numa
classe especial, numa sala especial ou se vai ser incluído. A gente
sempre tentar incluir o aluno, porque ele evolui muito melhor”,
acrescentou.
Sheila Velloso relata que só soube do Instituto Helena Antipoff na
última segunda-feira (25), quando ligaram para ela marcando reunião para o dia (28).
Fonte: EBC / Vida Mais Livre
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