Pelo menos em teoria, você, qualquer pessoa da sua família, um amigo,
qualquer cidadão têm o direito de ir e vir, no Brasil. Tem artigo da
Constituição que trata dessa liberdade, mas isso é só na teoria.
Nesta semana, os repórteres Leandro Cordeiro, Jonathan Santos e Marcos
Losekann apresentam um retrato dos problemas de acessibilidade no país. O
desrespeito do Brasil com as pessoas que têm alguma deficiência.
Uma pedrinha de nada no caminho de quem usa as pernas é uma montanha intransponível para quem depende de rodas.
Quem usa muleta ou cadeira de rodas sabe bem o que significa um meio
fio sem rampa, ônibus que não tem elevador, ou que tem, só que
estragado. Buracos que mais parecem crateras. Pedreira para todo lado.
“É de eu cair e não conseguir levantar. Quanto eu estou no chão não consigo levantar”, conta Maria de Lousa de Oliveira, dona de casa.
E quando o problema é não conseguir enxergar? Dentro de casa, Éder
Fonseca até que se vira.
O pior é da porta para fora. O que os deficientes geralmente mais
valorizam é a própria independência. Poder se virar, sem depender de
ninguém. Esse seria o mundo ideal para eles.
Só que no mundo real, com
tantos percalços, não há determinação nem força de vontade que consigam
superar as dificuldades espalhadas pelo caminho. E o jeito as vezes é
contar com uma mãozinha.
A Natália tem um grande motivo para comemorar. Ela acaba de receber
moderníssimos aparelhos de ouvido importados da Europa.
“Me fez descobrir novos sons que eu não escutava”, diz a jogadora de vôlei.
O que a Natalia sempre teve foi uma boa visão. Na quadra do time de
vôlei, inclusive jogando pela seleção brasileira, ela não vê
dificuldade.
Um em cada sete habitantes da Terra não enxerga, não ouve, não se move
direito ou tem problemas mentais.
No Brasil, um quarto da população
apresenta algum tipo de deficiência, segundo o IBGE. Gente que tem o
direito de ir e vir, mas que nem sempre encontra condições para isso. É o
que acontece em Brasília.
Planejada, patrimônio da humanidade, mas essa
cidade, construída no centro do Brasil, está longe de ser a capital da
acessibilidade.
Outro exemplo é o Rio de Janeiro, a Cidade Olímpica, que vai sediar
também os Jogos Paralímpicos no ano que vem. Em termos de
acessibilidade, não é considerada maravilhosa. Pelo contrário, o atleta
com qualquer tipo de deficiência que decidir sair do centro esportivo
para dar um passeio terá muitos obstáculos para superar.
Livingston e André não enxergam nada. São jogadores de um time de
futebol de deficientes visuais.Invencíveis para eles, só as ruas do
Rio, onde vivem.
Situações que contrastam com o moderníssimo prédio administrativo dos
Jogos Olímpicos. A começar pelas rampas, que realmente dão acesso. O
Augusto é o engenheiro responsável.
Tem surdos e também cegos na equipe dele. Mais de 70 funcionários. No
paraíso da acessibilidade, eles mal lembram das dificuldades.
“Eu tenho essa sensação. Eu só percebo a minha deficiência quando falta acessibilidade”, diz Augusto Fernandes, engenheiro.
O instrutor e auditor da Associação Brasileira de Normas Técnicas
aceitou o desafio de andar por alguns lugares mais famosos do mundo: o
Calçadão de Copacabana.
“Não tem piso uniforme, contínuo. Isso porque a gente está em Copacabana que não é um dos piores lugares por aqui”, diz Edison Passafaro, instrutor e auditor-ABNT.
Mas tem rampa, não é? “Isso aqui e nada é a mesma coisa. A mesma
habilidade que eu uso para descer aqui, eu uso para descer o meio fio.
Uma rampa armadilha”, afirma.
Armadilha que não poupa ninguém. Acessibilidade, cidadania, respeito.
Juntar tudo isso pra permitir a convivência de todos: está aí uma missão
pra quem enxerga longe, sabe ouvir críticas e sugestões e se mexe.
A prefeitura do Rio declarou que está trabalhando para tornar a cidade
mais acessível, que, em breve, vai adaptar o acesso aos principais
pontos turísticos do Rio para pessoas com deficiência. E instalar mais
de 500 rampas na cidade.
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