Em uma sala pequena, nos fundos da casa onde mora com a esposa e a filha, em Cascavel, no oeste do Paraná, o aposentado Jair Moraes, de 59 anos, passa praticamente o dia todo fazendo artesanato com madeira.
Apenas com a imaginação e as mãos, ele vai dando forma aos carrinhos. Isso porque ele perdeu totalmente a visão há
aproximadamente oito anos e, desde então, se dedica às obras de arte.
“Eu passo praticamente de 12 a 15 horas por dia. Só vou lá dentro
almoçar, assistir ao jornal e tomar um chimarrão”, disse.
Quando o médico disse que estava com uma doença hereditária rara, em que o levaria à cegueira, Jair confessa que levou um choque, mas a ajuda da família foi fundamental para superar as dificuldades.
"A minha família me ajudou muito na época. Então, dava muita alegria
para a gente. Pensava que eu não posso desistir. Deus, do nada, faz
tudo", desabafou. Moraes teve uma retinose pigmentar, caso em que a
retina se degenera.
Sem poder mais trabalhar, o aposentado encontrou nos
carrinhos uma forma de passar o tempo e não deixá-lo para baixo.
“A
minha profissão antes era de fundição. Como perdi a minha visão, comecei
na brincadeira para entreter. Daí comecei a fazer umas rodinhas,
inventei os fusquinhas, os tratores, caminhonetes”, completou.
“Jair dos Carrinhos”, como também é conhecido, sabe onde fica cada
peça, cada instrumento usado para fazer as obras de arte. “Aqui é uma
terapia para minha mente, para o meu corpo físico. Se eu não tivesse
inventado isso daqui, hoje eu já estava deprimido. Deus me deu esse
privilégio”, contou.
A limitação devido à deficiência visual não impede que as peças produzidas por Jair dos Carrinhos, fiquem bem feitas. Ele conhece cada detalhe
e sabe quando está perfeita. As peças produzidas chegam às mais
variadas montagens nas mãos do cascavelense. Ele produz caminhonetes,
kombis, fuscas, carros de modelos antigos, lambretas, carros de boi.
“Se
a gente percebe que não fica bom, a gente faz de novo. (...) As pessoas
não acreditam que eu faço esses carrinhos. Se eu levar essas rodinhas e
falar que eu fiz, as pessoas não vão acreditar”, ressaltou.
Na garagem de casa, é possível ver uma exposição de carrinhos.
A maioria, construídos com base em modelos antigos, que ele lembra da
infância ou dos tempos que trabalhou como mecânico.
“Eu tenho paixão por
carros antigos. E os carros de boi porque quando eu era criança a gente
ajudava. Então, a lembrança, a saudade está dentro da gente”,
assegurou.
Apesar das dificuldades para enxergar, Moraes afirmou
que se machucou apenas uma vez e garante que dificilmente pede ajuda
para encontrar as ferramentas. "Eu me sinto realizado porque, hoje, é
difícil de depender os outros. (...) A minha esposa está fazendo o
almoço, está lavando a roupa e eu não quero incomodar. Então, a gente
depende de sobreviver meio por conta", destacou.
Questionado sobre como
faz para fazer os carrinhos é rápido e direto. “Isso é dom de Deus. A
minha mente enxerga”.
A matéria-prima das esculturas é reaproveitada de pedaços encontrados na rua, de doações.
"Tem pessoas que vêm trazer as madeiras aqui em casa para mim",
complementou.
Segundo Moraes, além da "terapia", os carrinhos também
ajudam no sustento. "Esse dom que Deus me deu é fazer artesanato e ter
um estilo de vida melhor. De vez em quando eu vendo um carrinho, dois,
três, seis", disse. As peças são vendidas a partir de R$ 50.
As dificuldades provocadas pela cegueira não
lhe trouxeram tristeza. “Eu sou feliz. Eu toco violão, toco teclado,
toco gaita, canto na igreja, sou feliz. Tenho dois filhos homens, tenho
uma filha mulher, tenho minha esposa”, conclui.
Fonte: G1
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