Depois de se conhecerem em um curso de criação de aplicativos,
Raphael Silva, 23, e Ivan Ortiz, 29, decidiram unir a programação à
paixão comum pela música em uma causa peculiar: ensinar teoria musical
para surdos.
Do encontro, nasceu o Ludwig,
projeto de um app ainda em elaboração que usa imagens e vibração para
tentar transmitir a experiência de ouvir música para pessoas que têm deficiência auditiva.
O aplicativo foi exibido na semana passada pela Apple na abertura de
seu congresso de desenvolvedores, em San Francisco (EUA), de forma a
demonstrar como esses pequenos softwares têm potencial para mudar o
mundo.
Ele não está sozinho: outras ferramentas brasileiras para pessoas com
deficiência têm recebido distinções de grandes empresas como Microsoft e
Google e de órgãos como a ONU. E o número de usuários não é
desprezível.
"Foi o maior presente que poderíamos ganhar", diz Silva, que também
recebeu da companhia com uma entrada para o evento realizado em San
Francisco –o preço da participação é de US$ 1.599, cerca de R$ 4.900.
O Ludwig, cujo nome homenageia Beethoven (que compôs mesmo surdo em
grande parte da vida), começará a ser oferecido gratuitamente até o
final deste ano, com uma pulseira vibratória que será vendida por um
preço ainda não definido.
Os protótipos do aparelho, que "treme" em frequências diferentes
conforme a nota tocada na interface (um piano virtual), foram
construídos manualmente pelos desenvolvedores, de Campinas (SP), e já
testados por surdos.
"Um dos meninos, que é de uma família de músicos, mas não ouve desde os
três anos, disse que a experiência era mesma de quando seu irmão tentou
lhe ensinar violão", diz o idealizador Ortiz, que conta que a
inspiração ocorreu a partir de um grupo de surdos da igreja de que faz
parte.
"Sabia que eles tinham contato com a música por meio da vibração, então
discuti a ideia com meu primo, um intérprete de Libras [língua
brasileira de sinais]". A partir daí, começaram a fazer os primeiros
testes.
Agora, Silva diz que está organizando o grande número de propostas de
parceria e de investimento que recebeu durante o evento da Apple. "Ainda
vamos decidir qual estratégia financeira vamos adotar."
Mãe de Guilherme, 5, que nasceu surdo e se comunica por Libras (Língua
Brasileira de Sinais), a comerciante Sabine Schaade diz que seu filho
interage com música a partir de estímulos táteis e visuais. Enquanto
conversávamos pelo telefone, ele dançava com o game "Just Dance".
Mercado Consumidor
A paulistana usa, junto com seu marido e os três irmãos de Guilherme,
outro app brasileiro, o Hand Talk, que traduz texto para Libras. "As
pessoas não dão importância, mas é uma língua como todas as outras."
Segundo o Censo de 2010, quase um quarto (23,9% ou 45,6 milhões) da
população brasileira diz ter algum tipo de deficiência, dos quais 9,7
milhões (5,1%) são parcial ou totalmente surdos.
Ronaldo Tenório, cofundador do Hand Talk, diz que somam-se a esse já
grande número as pessoas que precisam se comunicar com a pessoa com
deficiência –isso inclui as empresas. "O surdo também é um consumidor",
diz.
O app, gratuito, venceu em 2014 o Prêmio Empreendedor Social de
Futuro, promovido pela Folha, e já teve cerca de 400 mil downloads.
A empresa tem faturamento na venda da solução para a incorporação em
sites ou sistemas.
"Se oferecêssemos de graça, dependeríamos de um
patrocinador, e provavelmente o desenvolvimento, que demanda tempo e
recursos, não seria tão rápido."
Parecido, o aplicativo ProDeaf, também brasileiro, é patrocinado pelo
Bradesco e pela Telefônica, e foi baixado 450 mil vezes, segundo o
presidente-executivo Flávio Almeida.
Para ele, contudo, poucas
organizações –públicas ou privadas– se interessam em incluir ferramentas
de acessibilidade para surdos, que nem sempre sabem ler, mas que têm
grande afinidade com a tecnologia.
"Se ensino básico é ruim para todos no Brasil, imagine para eles", diz.
"As pesquisas, como da Feneis [Federação Nacional de Educação e
Integração dos Surdos] mostram que 7% da comunidade surda é
alfabetizada. Se ele entra num site e não há uma ferramenta para
traduzir para Libras, tudo aquilo é grego para ele."
Liberdade
Outro contingente que precisa de uma ferramenta auxiliar para
comunicação é o formado por pessoas com deficiência mental.
Segundo
Carlos Edmar Pereira, desenvolvedor do amplamente premiado app Livox
("Liberdade em Voz Alta"), o número de potenciais usuários do aplicativo
no Brasil –não só os deficientes, mas também quem teve acidente
vascular cerebral ou tem sequela por outros motivos– chega a 15 milhões.
No dia 4, o aplicativo ganhou uma competição internacional de start-ups
realizada nos EUA, realizada pela Microsoft, logo depois de ter sido
mencionado como exemplo de app transformador no congresso de
desenvolvedores do Google.
A ferramenta foi premiada pela ONU e pelo BID
(Banco Interamericano de Desenvolvimento).
O app mostra, na tela do tablet, opções ilustradas para o usuário
selecionar conforme a situação, que varia desde simples "sim" e "não" a
"estou com frio" e opções que podem ser programadas. O programa, então,
vocaliza o enunciado por uma ferramenta de sintetização de voz.
Apesar da proeminência mundial de seu programa, que criou para falar
com a filha Clara (vítima de um erro médico no nascimento, do qual
decorreu uma paralisia cerebral) e que já recebeu honras do BID (Banco
Interamericano de Desenvolvimento) e da ONU, Pereira diz que há pouco
incentivo para start-ups do tipo no Brasil.
"Na verdade, todo empreendedor brasileiro merece uma medalha, porque
não há incentivo, além da burocracia", diz, citando o Reino Unido, onde
empresas podem abater parte de seus impostos conforme o investimento em
pesquisa e desenvolvimento.
"Além disso, tablet é caro, toda tecnologia é
cara. Nos países ricos, é mais fácil porque as pessoas já têm acesso."
Marina Gaya, consultora em segurança ocupacional, usa o Livox para
falar com seu filho Emanuel, 10, que nasceu prematuro e teve paralisia
cerebral em consequência –seu irmão gêmeo foi natimorto.
"O app foi um divisor de águas", conta. "Hoje, ele consegue responder a
todas as perguntas na sala de aula [está na quarta série, em escola
onde é o único aluno com deficiência, em Capão Bonito (SP)], seja de
matemática, de alemão, de inglês."
Emanuel tem plena capacidade de absorver conhecimento, diz Gaya. "Ele
tem a cognição perfeita, mas, antes dessa ferramenta, não conseguia se
expressar. Agora, quando ele pressiona uma opção no app, ele fica
radiante, porque cria voz."
Os aplicativos
ProDeaf
Para pessoas que não sabem Libras
Tradutor de texto e som para a Língua Brasileira de Sinais
Plataformas: App Store, Google Play
***
Hand Talk
Para quem deseja se comunicar com surdos
Traduz texto e voz para Libras
Plataformas: App Store, Google Play, BlackBerry World
***
Ludwig
Para surdos
Pulseira vibra em frequências diferentes para cada nota e usa imagens para transmitir a experiência da canção
Plataforma: Apple Store (ainda não lançado)
***
Livox
Para pessoas com deficiência mental
Sintetiza voz de acordo com resposta escolhida pelo usuário
Plataforma: para tablet
***
Fonte: Folha de São Paulo / Vida Mais Livre
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