Aos 9 anos, Ana Luiza cursa o terceiro ano do Ensino Fundamental, como qualquer criança da mesma idade. Apesar de ter Síndrome de Down,
está matriculada em uma escola regular, como manda a lei, e recebe todo
apoio da direção.
Na sala dela, por exemplo, trabalham mais duas
educadoras, além da professora. A mãe explica, porém, que todos os
cuidados nem sempre garantem um tratamento igualitário.
“A gente percebe
que eles ainda não sabem lidar com o que é diferente, não agem com
naturalidade”, diz a relações públicas Sheyla Dutra.
Ela parece ter razão. Um estudo desenvolvido na Escola de Enfermagem da USP em Ribeirão Preto (SP) aponta que a inserção de alunos com deficiência em escolas comuns não
garante a inclusão na prática.
Isso porque, o preconceito dos próprios
professores faz com que o resultado seja justamente o inverso, o que a
fonoaudióloga e pesquisadora Flávia Mendonça Luiz chama de “exclusão
dentro da inclusão.”
Durante dois anos, Flávia se reuniu toda semana com 10 professores da rede municipal de Araraquara (SP)
que lecionavam para crianças com Down.
Os encontros surpreenderam a
pesquisadora, ao constatar que os educadores têm uma concepção prévia de
que crianças com deficiência não são capazes de aprender,
principalmente aquelas com deficiência intelectual, como a Síndrome de
Down.
Apesar de a amostragem ser pequena - apenas 10 educadores -,
Flávia explica que o resultado pode ser generalizado, por se tratar de
uma questão cultural.
“Todos os professores da minha pesquisa neutralizavam as crianças em
sala de aula, ou seja, davam um brinquedo a parte. Então, enquanto todos
faziam uma atividade, em vez de a professora incluir a criança, usando
outra estratégia, ela dava um brinquedo que a criança gostasse, ou uma
folha sulfite e giz de cera. As professoras já têm isso como certo:
criança com Down não aprende. Então, como ela faz para ensinar?”,
questionou.
Discriminação
A mãe de Ana Luiza, a relações públicas Sheyla Dutra, concorda com a
pesquisadora. Ela conta que tentou matricular a filha, sem sucesso, em
16 escolas regulares em Ribeirão Preto, entre públicas e particulares,
antes de encontrar a atual instituição onde a garota estuda.
“Cada uma
respondia uma coisa para não recebê-la. Uma chegou ao absurdo de dizer: a
gente pode até aceitar, mas não matricula de verdade, fica como aluno
ouvinte.”
Atualmente, Ana recebe toda a atenção da professora e da direção do
colégio, tem suas limitações respeitadas e participa das aulas como
qualquer outro aluno. Mesmo assim, a mãe afirma que ainda percebe certas
dificuldades por parte dos educadores.
“Quando a criança sai um pouco
do padrão, as professoras se sentem despreparadas. Eu peço para elas
darem aula de olho fechado. Assim, não existe diferença entre os
alunos”, diz Sheyla, que também é presidente de uma ONG de valorização
da diversidade e ministra palestras sobre inclusão para educadores.
Novo olhar
A pesquisadora concorda que a formação dos professores tem como base o
ensino para alunos que seguem o mesmo padrão de aprendizagem.
Entretanto, explica que a questão transcende a graduação ou a
capacitação dos profissionais.
“A formação está diretamente ligada com a
cultura. Precisa de outro currículo? Na verdade não, mas os professores
acham que sim, porque eles dizem ‘eu não aprendi a ensinar crianças
assim’. Na verdade, eles aprenderam a ensinar qualquer um. O problema
está no preconceito, na bagagem cultural.”
Flávia reforça que o cuidador ou mediador, profissional destacado em
sala de aula para auxiliar o aluno com deficiência, como previsto em lei
federal, deve se preocupar também em não excluir ainda mais a criança
com Down dos demais colegas. Segundo Flávia, este educador deve auxiliar
o professor e não a criança.
“Não é apenas inserir um cuidador dentro da sala de aula ou mudar a
política educacional. O que falta é um outro olhar. É olhar para a
criança não pelas deficiências, mas pelas potencialidades. Por isso, os
professores precisam refletir, ultrapassar essa esfera cognitiva,
refletir sobre seus valores, crenças. Precisa haver um espaço para que
esse tipo de debate ocorra. Isso é o que vai modificar a educação",
conclui.
Fonte: G1
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