Não bastava para Carlos Pereira, 36, ter convencido investidores estrangeiros a criar em Recife, há quatro anos, uma sofisticada clínica de reabilitação, ideal para a filha Clara, 6, com paralisia cerebral. O pai queria poder falar com ela.
Mas comunicar-se era penoso. Se Clara queria um iogurte, o pai
precisava tirar foto do alimento e distribuí-lo em fichas para que ela
as apontasse, já que a menina não consegue falar.
O pai negou-se a limitar a filha a uma vida de apontar coisas. Analista de sistemas, deu voz a Clara há três anos, ao criar o Livox,
um aplicativo para tablet.
O app ganhou na última terça (3), em Abu
Dhabi, o reconhecimento da ONU, com o prêmio de melhor aplicativo de
inclusão social do mundo.
Sigla de "liberdade em voz alta", o Livox é mais do que um fichário
virtual de fotos. Para quem não tem firmeza nas mãos, caso de Clara,
teclar "errado" seria corriqueiro e inviabilizaria o app.
Carlos desenvolveu, então, um algoritmo inteligente. Quando a pessoa
com deficiência toca na tela, o algoritmo calcula quantos dedos estão
teclando, por quanto tempo, se eles se arrastam ou não, e corrige este
toque, de forma a "ler" o comando.
'Princesa que não fala'
O app traz seções como "eu estou com...", seguido de respostas "fome", "sono".
Pela voz feminina do Livox, Clara, hoje com seis anos, faz mais do que
pedir um iogurte. Alfabetizou-se e escreveu pelo app um texto do livro
de sua formatura da pré-escola.
Pelo Livox, Carlos soube qual era a princesa preferida da menina, a sereia Ariel.
"E por que, filha?", perguntou. E ela respondeu, via app: "É que a
Ariel também não fala". Na história, a sereia perde momentaneamente a
voz.
"Quando a levei na Disney, ela arregalou os olhos feliz ao lado da
atriz vestida de Ariel, e me disse pelo Livox que realizei um sonho
dela. Eu nunca saberia disso sem o app."
A invenção extrapolou Recife. Hoje já são 10 mil usuários. Carlos deu
palestras por todo país e propagou a "cria" em viagens para EUA,
Inglaterra e Portugal.
Agora, Carlos quer desenvolver um projeto para que a filha, cadeirante,
possa andar. "É segredo, ainda, mas é uma ideia fabulosa."
Texto Original: Folha de São Paulo
Fonte: Vida Mais Livre.
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