Quando nasceu, João Santiago foi dado como morto. Só respirou depois de
três minutos, quando se entendeu que a rigidez dos membros era
resultado de uma paralisia cerebral.
Sua mãe sabia que
ali começava uma jornada que exigiria coragem do caçula de três filhos,
mas não imaginou que ele fosse tomar tanto gosto por superar desafios,
especialmente os que aparecem na forma de código fonte na tela do
computador.
Aos 23 anos, João foi um dos participantes de uma Maratona de Negócios promovida pelo Sebrae na Campus Party 2015.
Ele saiu de Fortaleza e acampou com a mãe na São Paulo Expo
durante os cinco dias do evento, para competir com o aplicativo que
criou para ajudar pessoas que, assim como ele, usam cadeira de rodas.
O
app Dá para ir? é colaborativo e fornece informações sobre a acessibilidade de diferentes estabelecimentos, além de listas com as regiões mais acessíveis de diversas cidades brasileiras.
A ideia surgiu quando João foi convidado por amigos para ir a um bar e
ficou receoso por não saber se o local era acessível. Estudante de
Ciências da Computação, aprendeu a programar aos oito anos de idade
estudando sozinho pela internet. Não parou mais. Nem quando os dedos das
suas mãos enrijeceram.
Ele chegou na Campus Party com o aplicativo construído com os códigos
que criou apenas com o dedo indicador da mão esquerda.
“Gosto muito de
programar porque é um desafio a cada projeto. É muito bom ver o que eu
criei na tela do computador”, explica, com o sorriso aberto que pontua
cada frase e se esparrama pelo corpo em uma gargalhada ofegante.
João chamou a atenção dos organizadores da Maratona de Negócios e de
Juliana Glasser, da desenvolvedora de software Carambola, que foi
designada pelo Sebrae para ser mentora de João e ajudá-lo em seu
projeto.
Encantada com a história do garoto, ela fez sua equipe passar a
madrugada de quarta para quinta-feira ajudando João a colocar o app no
ar.
Os dois não se desgrudaram mais. Desde então, Juliana criou um site e
página nas redes sociais para o app, e se tornou a intérprete oficial de
João, que tem dificuldade na fala.
Quando ele se expressa, a língua se embola no céu da boca enquanto o
corpo acompanha em um movimento retorcido o som abafado de cada palavra.
A deficiência física, no entanto, não afeta sua capacidade mental. Em
Fortaleza, ele faz trabalhos como desenvolvedor freelancer e dá aulas em
um grupo de estudo na faculdade, mas nunca conseguiu um trabalho porque
nas entrevistas sua fala e aparência incomodam.
“As pessoas acham que eu sou retardado por falar diferente”, diz. “Eu
tento relevar porque eu sei que eles são limitados e eu tenho um
entendimento melhor do que o deles”, diz com um sorriso.
Emocionada com a determinação do pupilo, Juliana ofereceu a ele um
estágio como desenvolvedor na sua startup. Apesar da distância – ela
está em São Paulo e ele em Fortaleza – ela diz que ele não terá problema
em se integrar com a equipe pela internet.
“Fiquei encantada porque eu
gosto de gente forte, e ele sabe muito bem o que quer”, diz Juliana.
“Agora ele vai ter a experiência de trabalhar com outras pessoas e
melhorar seu conhecimento.”
Terapia
A mãe de João, Eliza Santiago, conta que em junho o filho amanheceu
diferente. Não lembrava do pai, dos irmãos e nem da filha, de seis anos.
“Ele só lembrava de mim. Nenhum médico sabe explicar até agora o que
aconteceu”, diz. Ele não esqueceu, porém, da paixão por computação. Com a
ajuda dos amigos e da família, relembrou aos poucos a linguagem dos
códigos.
“Gosto de programar porque me relaxa e me ajuda a esquecer dos
problemas que, assim como todo mundo, eu tenho”, explica.
A repercussão positiva do aplicativo Dá pra ir? na Campus Party trouxe
um sopro de ar fresco para a vida de João, que agora quer criar apps
para ajudar pessoas com outras deficiências. Como exemplo, cita a ideia
de criar uma plataforma para indicar restaurantes com cardápios em
braile a cegos.
“Quero ser empreendedor. Tenho muitas ideias de
aplicativos e sei que consigo fazer tudo que eu quiser, porque sou igual
a todo mundo.”
Como funciona o Dá pra ir?
O aplicativo Dá pra ir? está disponível apenas para o sistema Android. O
app foi lançado em uma versão de testes e o link para download está
disponível no site oficial da iniciativa e na Google Play Store.
No ar desde a última quinta-feira, o aplicativo depende da colaboração
dos usuários para enriquecer suabase de dados, que usa informações do
Google Maps e do Foursquare para localizar estabelecimentos de todo o
País.
A primeira aba do aplicativo permite buscar estabelecimentos e avaliar a
sua acessibilidade em diferentes quesitos, como se possui rampas e
calçadas rebaixadas, banheiros adaptados, espaço livre para circulação,
piso tátil, corrimão nas escadas e chão com irregularidades.
Em uma segunda aba fica o mapa da acessibilidade, que mostra em quais
lugares nas regiões próximas ao usuário se encontram estabelecimentos
acessíveis para visitar.
No teste feito pelo Start, o aplicativo ainda apresentou alguns bugs e
conta com uma base de estabelecimentos cadastrados pequena, a maioria
deles em Fortaleza, região que João conhece em detalhes.
O criador do
app e a sua mentora Juliana no entanto, afirmam que estão trabalhando no
aprimoramento do aplicativo e pedem para que mais pessoas testem e
colaborem com o sistema para ampliar as informações do seu banco de
dados.
Texto Original: Estadão
Fonte: Vida Mais Livre
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