Ler
no escuro. Quem já tentou sabe que é impossível. Mas foi exatamente a
isso que um francês chamado Louis Braille dedicou a vida. Nascido em
Coupvray, uma pequena aldeia nos arredores de Paris, em 1809, desde cedo
ele mostrou muito interesse pelo trabalho do pai. Seus olhos azuis
brilhavam de admiração ao vê-lo cortar, com extrema perícia, selas e
arreios. Uma tarde, pouco depois de completar 3 anos, o menino começou a
brincar na selaria do pai, cortando pequenas tiras de couro. De
repente, uma sovela, instrumento usado para perfurar o couro,
escapou-lhe da mão e atingiu o seu olho esquerdo. O resultado foi uma
infecção que, seis meses depois, afetaria também o olho direito. Aos 5
anos, o garoto estava completamente cego.
A tragédia não o impediu, porém,
de freqüentar a escola por dois anos e de se tornar ainda um aluno
brilhante. Por essa razão, ele ganhou uma bolsa de estudos do Instituto
Nacional para Jovens Cegos, em Paris, um colégio interno fundado por
Valentin Haüy (1745-1822). Além do currículo normal, Haüy introduzira um
sistema especial de alfabetização, no qual letras de fôrma impressas em
relevo, em papelão, eram reconhecidas pelos contornos. Desde o início
do curso, Baile destacou-se como o melhor aluno da turma e logo começou a
ajudar os colegas. Em 1821, aos 12 anos, conheceu um método inventado
pouco antes por Charles Barbier de la Serre, oficial do Exército
francês.
O método Barbier, também chamado
escrita noturna, era um código de pontos e traços em relevo impressos
também em papelão. Destinava-se a enviar ordens cifradas a sentinelas em
postos avançados. Estes decodificariam a mensagem até no escuro. Mas,
como a idéia não pegou na tropa, Barbier adaptou o método para a leitura
de cegos, com o nome de grafia sonora. O sistema permitia a comunicação
entre os cegos, pois com ele era possível escrever, algo que o método
de Haüy não possibilitava. O de Barbier era fonético: registrava sons e
não letras. Dessa forma, as palavras não podiam ser soletradas. Além
disso, o fato de um grande número de sinais ser usado para uma única
palavra tornava o sistema muito complicado. Apesar dos inconvenientes,
foi adotado como método auxiliar por Haüy.
Pesquisando
a fundo a grafia sonora, Braille percebeu suas limitações e pôs-se a
aperfeiçoá-la. Em 1824, seu método estava pronto. Primeiro, eliminou os
traços, para evitar erros de leitura; em seguida, criou uma célula de
seis pontos, divididos em duas colunas de três pontos cada, que podem
ser combinados de 63 maneiras diferentes. A posição dos pontos na célula
é esta abaixo
As primeiras dez letras do alfabeto (de a a j) são formadas com os pontos 1,2,4 e 5. Precedidos de um sinal específico para indicar algarismos, os pontos adquirem valores numéricos, de 1 a 10 (veja ilustração). As letras de k a f resultam da adição do ponto 3 aos sinais das dez primeiras letras. Quando os pontos 3 e 6 são adicionados simultaneamente às cinco primeiras letras, surgem os símbolos das letras u,v,x,y,z; o w é representado pelos pontos 2,4,5 e 6. Com as combinações restantes, de acordo com o idioma, surgem os sinais de acentuação e pontuação. Em 1826, aos 17 anos, ainda estudante, Braille começou a dar aulas. Embora seu método fizesse sucesso entre os alunos, não podia ensiná-lo na sala de aula, pois ainda não era reconhecido oficialmente. Por isso, Braille dava aulas do revolucionário sistema escondido no quarto, que logo se transformou numa segunda sala de aula. A primeira edição do método foi publicada em 1829. No prefácio do livro, ele reconheceu que tinha se baseado nas idéias de Barbier.
O braile é lido passando-se a
ponta dos dedos sobre os sinais em relevo. Normalmente usa-se a mão
direita, com um ou mais dedos, conforme a habilidade do leitor, enquanto
a mão esquerda pocura o início da outra linha. O braile é subdividido
em três graus: o grau 1 é a forma mais simples, em que se escreve letra
por letra; o grau 2 é a forma abreviada, empregada para conjunções,
preposições e pronomes mais comumente usados, como, por exemplo, mas,
de, você e por que; abreviaturas ainda mais complexas, como para -ista,
-mente e -da-de, formam o grau 3, que exige ótima memória e tato muito
desenvolvido.
Essas abreviações são
necessárias para reduzir o tamanho dos livros e permitir maior rapidez
na leitura. Mesmo assim, os livros são bastante volumosos: o Novo
dicionário da língua portuguesa, edição reduzida, de Aurélio Buarque de
Holanda, tem 35 tomos; o romance Gabriela, cravo e canela, de Jorge
Amado, nove. O braile aplica-se a qualquer língua, sem exceção, e também
à estenografia, à música - Braille, por sinal, era ainda exímio
pianista - e às notações científicas em geral. Isso resulta do
aproveitamento das 63 combinações em códigos especiais, que multiplicam
as suas possibilidades. A escrita é feita mediante o uso da reglete,
também idealizada por Braille: trata-se de uma régua especial, de duas
linhas, com uma série de janelas de seis furos cada, correspondentes às
células braile.
APRENDA A LER COM ALFABETO EM BRAILLE
A
régua desliza sobre uma prancheta onde está o papel, que é pressionado
para formar os pontos em relevo com o punção - uma espécie de estilete.
Com a reglete, escreve-se da direita para a esquerda, com os símbolos
invertidos - algo mais fácil para os deficientes visuais do que se pode
imaginar. A leitura é feita normalmente, da esquerda para a direita, no
verso da folha. Além da reglete, o braile pode ser escrito com uma
máquina especial, de sete teclas - seis para os pontos e uma para o
espacejamento. A máquina foi inventada pelo americano Frank H. Hall, em
1892. Louis Braille morreu de tuberculose em 1852, com apenas 43 anos.
Temia que seu método desaparecesse com ele, mas, finalmente, em 1854 foi
oficializado pelo governo francês.
No ano seguinte, foi apresentado
ao mundo, na Exposição Internacional de Paris, por ordem do imperador
Napoleão III (1808-1873), que programou ainda uma série de concertos de
piano com ex-alunos de Braille. O sucesso foi imediato e o sistema se
espalhou pelo mundo. Em 1952, o governo francês transferiu os restos
mortais de Braille para o Panthéon, em Paris, onde estão sepultados os
heróis nacionais.
No Brasil, o método começou a
ser adotado em 1856, e as duas únicas instituições que imprimem em
braile são a Fundação para o Livro do Cego, de São Paulo, e o Instituto
Benjamin Constant, do Rio de Janeiro: juntas editam cerca de 25 títulos
por mês, num total de 4 mil volumes - aquém das necessidades. Por lei,
são obrigadas a distribuí-los gratuitamente aos 750 mil cegos que se
estima existirem no país.
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