Uma pequena plateia assiste a um DVD de Chico Buarque
enquanto Vanessa Rodrigues corta azulejos com um alicate e encaixa as
peças milimétricas em uma base de madeira talhada em forma de arara.
“Não tem enrolação, sou pá-pum”, diz, sem desviar os olhos do mosaico
apoiado na mesa. “Preciso tirar uma foto minha trabalhando para mostrar
aos meus amigos que eu sei fazer isso, sim.”
Vanessa faz parte do grupo
de 84 alunos da Associação para o Desenvolvimento, Educação e Recuperação do Excepcional (Adere) organização que atende adultos e idosos com deficiência intelectual.
“Quando participamos de feiras e exposições, as pessoas não acreditam
que eles são capazes de fazer produtos tão bonitos”, afirma Sueli
Fernandes, psicóloga da entidade há 17 anos.
Ainda não são 8 horas da manhã quando os aprendizes começam a chegar à
instituição, no Brooklin. Durante as nove horas que ficam ali, eles
participam de grupos terapêuticos, têm aulas de educação física, cantam no coral, frequentam as aulas de teatro
e passam parte da tarde nas oficinas de arte.
Cada um tem seu ofício
preferido. Uns gostam mais de colar, outros costuram com tecidos e os
mais minuciosos fazem porta-retratos, caixinhas e abajures.
“Aqui nós
sabemos que eles são capazes”, diz Soeni Domingos Sandreschi,
coordenadora institucional da entidade. “É importante abrir as portas do
mundo, conviver com outras pessoas e estar envolvido em uma atividade
com significado.”
A regra é não desperdiçar nada. Além do material doado
por empresas, os próprios aprendizes trazem de casa tudo o que é
possível reciclar e transformar em arte.
A venda das peças responde por mais de um terço da renda da
instituição. O resto do orçamento depende das doações de empresas por
meio do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
(Fumcad) e da contribuição das 11 famílias que podem pagar uma
mensalidade.
O dinheiro sustenta 31 funcionários, entre professores,
psicólogos, cozinheiras e os dois marceneiros que finalizam as peças.
Nos últimos 40 anos, 550 adultos e idosos passaram pela Adere. O
aprendiz Gilvan Vieira é um deles. Ele conseguiu emprego como auxiliar
em um depósito. Desde então, contribui com o orçamento dos pais, que têm
outros dois filhos com deficiência intelectual. “Não indicamos nossos
aprendizes para cumprir cotas nas empresas, mas sim porque eles sabem
fazer o trabalho”, diz a psicóloga Sueli Fernandes.
A Adere foi criada por um grupo de pais que procurava um lugar onde
seus filhos excepcionais pudessem passar o dia, conviver com outras
pessoas e aprender coisas novas. Com síndrome de Down,
Elsy Abs Musa frequenta a casa desde que as portas foram abertas, em
setembro de 1972.
Apesar de ser a aluna mais antiga, ela não é a mais
velha. Esse posto pertence a Maria Conceição Gianattásio, de 65 anos.
Outros dez colegas na instituição chegaram à terceira idade – uma
condição que, entre portadores de deficiência intelectual, não é
de¬terminada pelo ano de nascimento, e sim por sintomas como o
esquecimento, o cansaço e a diminuição da capacidade. O aprendiz mais
jovem tem 16 anos e acabou de descobrir a instituição.
Por enquanto, não
fala com ninguém. “Às vezes eles chegam depois de anos sem conviver com
outras pessoas”, diz Sueli. “Aqui eles se desenvolvem, fazem amigos. Só
tem briga quando o assunto é namorada ou futebol.”
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