Doenças como a deficiência intelectual e os transtornos do espectro autista
podem ter como causa alterações na mesma via molecular.
O resultado de
pesquisa foi divulgado no artigo “Molecular Convergence of
Neurodevelopmental Disorders”, publicado em outubro com destaque no American Journal of Human Genetics
e abre possibilidade de novas abordagens para a forma como entendemos
essas enfermidades conhecidas como doenças de neurodesenvolvimento.
“Ao se definir completamente a principal via molecular pela qual essas
síndromes ocorrem, uma opção viável é posteriormente focar o tratamento
nessa via”, disse Elizabeth Suchi Chen, professora do Departamento de
Morfologia e Genética da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Com a pós-doutoranda Carolina de Oliveira Gigek, da mesma instituição,
Chen divide a autoria principal do artigo. A professora contou com apoio
da FAPESP na modalidade Bolsa de Pesquisa no Exterior para realizar a investigação na McGill University, em Montreal, no Canadá.
Essas doenças são relacionadas a alterações moleculares
das células neuronais, que formam o sistema nervoso e o cérebro humano,
no momento em que o embrião está se desenvolvendo.
Para estudar esses
efeitos, as pesquisadoras trabalharam com células neuronais fetais de
linhagem comercial, produzidas para fins de pesquisa por empresas
especializadas.
A equipe também utilizou linhagens de células desenvolvidas no próprio
laboratório. Fibroblastos, células da pele, foram reprogramados para se
transformar em células precursoras neuronais. Esse trabalho foi
executado pela equipe do professor Carl Ernst, do Departamento de
Psiquiatria da universidade canadense, que também assina o artigo.
A diferenciação em neurônios teve de ser reproduzida em laboratório e
parte das células investigadas teve reduzida a expressão de dois genes
específicos, o TCF4 e o EHMT1.
“Nos pacientes com doenças agrupadas como
síndrome do neurodesenvolvimento, é observada a redução de cerca de 50%
da expressão desses genes; por isso, modificamos as linhagens para
apresentarem redução semelhante”, disse Gigek.
Após a diferenciação, as células com redução de expressão foram
comparadas ao grupo controle, que não sofreu modificações nos genes,
para se analisar quais modificações moleculares haviam ocorrido. Para
isso, a equipe lançou mão de tecnologia de sequenciamento de última
geração.
“O objetivo foi saber quais alterações moleculares seriam decorrentes
da redução da expressão desses genes nas células neuronais”, disse Chen.
A descoberta foi que, alterados separadamente, esses genes provocaram
alterações moleculares semelhantes nessas células. Isso levou à
conclusão de que, isoladamente, tanto o TCF4 como o EHMT1 podem gerar
alterações moleculares que levam a doenças do neurodesenvolvimento
similares. Além disso, observou-se que uma mesma modificação celular
pode provocar diferentes enfermidades desse tipo.
De acordo com Chen, até a pesquisa, o que se sabia era que diversas
alterações em diferentes genes estavam associadas a doenças do
neurodesenvolvimento.
“No entanto, observamos que a redução da expressão
nesses dois genes levou a uma convergência de alterações moleculares”,
disse.
Diferenciação celular prematura
Outra descoberta importante do trabalho foi a relação entre a redução
de expressão dos genes estudados nas células neuronais e o fato de elas
iniciarem mais precocemente o seu processo de diferenciação.
“As células alteradas parecem apresentar uma diferenciação prematura em
relação ao desenvolvimento celular normal, o que poderia ser uma causa
do problema”, disse Gigek.
A diferenciação celular é o processo em que a
célula-tronco adquire as características que definirão sua função no
organismo.
O gatilho dessa diferenciação precoce da célula, todavia, não pôde ser
confirmado na pesquisa. As pesquisadoras desconfiam que alguns RNAs e
microRNAs possam estar envolvidos.
“Com base na função do gene, isso
pode ser sugerido; porém, serão necessárias outras pesquisas para que a
causa seja levantada”, disse a pós-doutoranda.
Os microRNAs associados ao desenvolvimento celular, de acordo com Chen, são um foco interessante para um futuro estudo.
As pesquisadoras explicam que, caso sejam comprovadas a relação deles
com a diferenciação prematura e as consequentes doenças de
neurodesenvolvimento, poderão ser abertas alternativas de terapias
moleculares.
“Caso o problema seja provocado pela superexpressão do RNA, por
exemplo, poderiam ser ministrados inibidores para que a célula não seja
estimulada a se diferenciar cedo”, exemplificou Gigek. Ela ressaltou, no
entanto, que tal terapia ainda dependerá de muito trabalho de pesquisa.
Agora, as pesquisadoras pretendem validar os resultados em outras
linhagens de células neuronais, para confirmar os resultados. Também é
preciso saber se as alterações moleculares no desenvolvimento humano
comportam-se da mesma maneira que as culturas estudadas isoladamente nos
modelos.
“Por isso, é preciso ainda muito trabalho de pesquisa para
confirmar as descobertas, mas o avanço obtido foi considerável”, disse
Chen.
Fonte: EBC
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