Toda criança tem direito à educação. Assim, é dever
do do Estado assegurar a igualdade de condições para o acesso e
permanência na escola, bem como o atendimento educacional especializado –
obrigatório e gratuito na rede regular de ensino público – aos
estudantes que têm algum tipo de deficiência. É o que garante o Estatuto
da Criança e do Adolescente.
Ainda na legislação brasileira, quem se negar ou
fizer cessar a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de
qualquer curso ou grau, público ou privado, devido à deficiência do
estudante está sujeito a punição. O crime é punível com reclusão de 1 a 4
anos.
No entanto, não foi fácil para Mara Bueno, de Cambuí,
Minas Gerais, encontrar uma escola que aceitasse o filho Matheus,
diagnosticado aos 4 anos com a síndrome de Asperger, doença relacionada
ao Transtorno do Espectro Autista (TEA).
As principais características
da síndrome são dificuldade de sociabilização, atos motores repetitivos e
interesses circunscritos intensos que ocupam totalmente o foco da
atenção, segundo Ami Klin, diretor do Programa de Autismo do Centro de
Estudo da Criança da Universidade Yale, em artigo publicado no volume 28
da Revista Brasileira de Psiquiatria .
Mara conta que, ao iniciar a vida escolar, o menino
passou por alguns colégios particulares. As reclamações e notificações
por parte da direção eram frequentes, além de situações de negligência
para com o menino.
“Recebíamos ligações da escola constantemente e
éramos notificados pela direção que nosso filho estaria causando
‘pânico’ nos coleguinhas. Diversas vezes encontramos o Matheus molhado,
com cocô, sem camisa, descalço, ou seja, totalmente à deriva dentro da
escola”, diz a mãe.
Após apresentar o laudo médico do filho para a
instituição, a escola preparou uma sala com alguns brinquedos para a
criança, que lá passava a maior parte do tempo sozinha, de acordo com
Mara. Com a tentativa de inclusão inadequada, novamente o colégio chamou
os pais e pediu que pagassem, além da mensalidade, uma professora
auxiliar.
Assim se iniciou uma nova peregrinação. “Ligamos para
várias escolas e, quando ouviam ‘autismo’, a resposta era ‘não temos
vagas’”, diz a mãe de Matheus.
“A maioria das escolas particulares não
está preparada para atender portadores de quaisquer deficiências. Elas
visam o lucro e não a verdadeira educação”, afirma.
Hoje, com 5 anos, o menino estuda em uma escola da
rede pública, com professor de apoio e psicopedagoga custeados pelo
governo. Segundo Mara, ele tem um bom desempenho e já fez amigos. “A
rede pública nos oferece o que não encontramos na rede particular”,
conta.
Para a mãe do menino, a inclusão deve existir para que, no
futuro, não se discrimine quem tem algum tipo de deficiência. “Inclusão é
conhecimento, paciência e amor, muito amor”, diz.
Portadora da síndrome de Costello, Bianca Oliveira,
de 19 anos, é definida pela mãe Simone Oliveira como “meiga, muito
sociável, grande companheira e amiga que me ensina dia a dia”. Pessoas
com a síndrome apresentam dificuldades na alimentação e na fala, baixa
estatura, dobras profundas nas palmas das mãos e nas plantas dos pés,
além de hisperelasticidade da pele das mãos e dos pés, na definição do
pediatra neozelandês Jack Costello.
Diagnosticada com a doença aos 6 anos de idade, a
menina teve problemas para encontrar uma escola que a aceitasse.
“Pelo
simples fato de dizermos que temos uma criança especial, as barreiras já
surgem naturalmente”, diz Simone.
Bianca passou por mais de cinco escolas, pois a
direção alegava não saber como lidar com a situação da menina, que
requer mais atenção e cuidado.
Em uma dessas instituições, a filha de
Simone chegou a ser convidada a procurar outro lugar para estudar:
alguns pais tiraram seus filhos do colégio porque não queriam que eles
convivessem com Bianca.
Agora, a menina não estuda mais por falta de opções,
mas a mãe conta que, em meio às andanças em busca de instituições de
ensino, muitas crianças se tornaram amigas de sua filha e mantêm contato
com ela até hoje.
“As crianças têm de ser ensinadas que diferenças
existem e nem tudo é maravilhoso. E mesmo que cada vitória seja pequena,
existe uma grandeza pra quem a alcançou”, afirma.
Para Ricardo Monezi, psicobiólogo e pesquisador do
Instituto de Medicina Comportamental da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp), a inclusão beneficia tanto o estudante com deficiência
como as outras crianças. O convívio com uma realidade diferente faz com
que os pequenos respeitem e acolham os colegas especiais.
Segundo Monezzi, quanto mais cedo essa parceria se
iniciar, melhor é para o desenvolvimento da criança. A partir dos 2 anos
de idade, quando o pequeno já se comunica melhor com o mundo, esta
inserção será melhor aproveitada.
“O ideal é que o contato se inicie
partir do momento em que a criança tem um pouco mais de compreensão.
Você está ensinando uma questão social”, diz.
O especialista ressalta que a educação inclusiva é
uma necessidade e considera que cada caso deve ser analisado antes da
inserção do aluno com necessidades especiais no ambiente escolar.
Dessa
forma, com um conhecimento prévio, o ensino é adaptado de maneira
adequada e os profissionais que acompanham a criança podem entender
melhor a situação. “É um passo muito forte para uma sociedade inclusiva
do amanhã”, afirma.
Inclusão na prática
Com a implantação de programas de inclusão
sistemática desde 1978, o Colégio Pauliceia, situado no Brooklin, em São
Paulo, tem matriculados cerca de 20% de alunos com algum tipo de
deficiência, de um total de 610 estudantes.
Segundo a diretora Carmen
Lydia Trunci de Marco, a escola faz uma avaliação de repertório
acadêmico, social e psicológico do estudante antes dele iniciar as
aulas.
“Nesse processo pedagógico, há vários momentos de conversa, de
reflexão. O trabalho envolve todo mundo e é fantástico para todos os
alunos”, conta.
Assim, a escola promove uma intervenção
comportamental precoce com alunos de 2 a 17 anos.
De acordo com Carmen, o
ser humano deve ser exposto às mais diversas situações de diferença,
desde os primeiros anos de vida, para que ele consiga administrar seu
comportamento e respeitar as diferenças.
“Muitos alunos se interessam
pela área de psicologia, educação por isso”, afirma.
Hoje, no colégio, a aceitação dos pais em relação à
convivência dos filhos com crianças deficientes é boa.
“Algumas famílias
estão conosco porque acreditam que suas crianças têm de crescer e
conviver desde pequenas com o diferente”, diz Carmen. “Quanto mais
novinha [a criança], o trabalho frutifica mais”, completa.
No entanto, a situação nem sempre foi assim. A
diretora afirma já ter tido muitos problemas durante a trajetória do
projeto devido à intolerância de mães e pais.
“O preconceito geralmente
não vem da criança, mas da família. A escola deve se mostrar aberta e
explicitar aos pais a importância da convivência e da experiência de
aprendizado deles e dos filhos”, acredita Monezzi.
Terezinha Rodrigues, cuidadora de crianças com
deficiência na Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora
Sebastiana Cobra, em São José dos Campos, trabalha há dois anos com
alunos tetraplégicos, portadores de síndrome de Down e também com
autistas.
Segundo ela, as escolas e os professores da rede de ensino
público não estão preparados para receber alunos com algum tipo de
deficiência, mesmo que a legislação vigente garanta os direitos desses
estudantes.
Hoje, a cuidadora é responsável por uma criança de 8
anos com TEA e por um garoto de 14 anos com tetraplegia.
“Ele está
sempre sorrindo, de bem com a vida, é um amor”, conta. Como o estudante
não sabe ler, escrever e até mesmo falar, Terezinha teve de aprender
como lidar e entender suas necessidades. “Ele se comunica comigo através
do olhar”, diz.
Segundo ela, a interação dos colegas de sala e da
escola toda com os alunos especiais é ótima e alguns coleguinhas de sala
até auxiliam as crianças nas atividades escolares, de artes,
informática e educação física.
Para a cuidadora, o que falta para que a inclusão se
efetive é a formação de professores especializados em ensino inclusivo, a
fim de que os profissionais consigam lidar tanto pedagogicamente como
emocionalmente com alunos especiais.
Em relação à estrutura das escolas,
Terezinha reitera que reformas são necessárias para que os alunos
possam ser acolhidos de maneira adequada.
Fonte: Inclusive
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