25 de jul. de 2012

A Lei Rouanet, a Lei de Gérson e o descaso com a pesquisa científica no Brasil

É muito cruel o que ocorre no Brasil em relação à questão da saúde pública e à pesquisa científica.
A área de saúde brasileira continua recebendo percentual menor de recursos do governo federal comparado à maioria dos países desenvolvidos. Até mesmo em países da América do Sul, como a Argentina, há um grande número de investimentos nessa área.
Um exemplo de como o governo dá pouca importância à saúde, foi a proibição pelo governador do Estado de São Paulo do Projeto de Lei (PL) 648/2011, que dispõe sobre a constituição de Centros de Referência em Doenças Raras no Estado de São Paulo, que iria beneficiar milhares de pessoas com essas doenças. Essa foi uma atitude implacável, pois há no Brasil 13 milhões de brasileiros com alguma doença rara, que tinham a expectativa de que esse projeto fosse aprovado.
Esse ano, na Europa, serão aplicados 7 bilhões de euros que serão destinados a projetos sobre envelhecimento, tecnologias médicas e doenças raras. Nos EUA, a Casa Branca investe 32 bilhões de dólares nos Institutos Nacionais de Saúde considerada a maior instituição pública de pesquisa médica mundial. Enquanto no Brasil, a situação é lastimável para pessoas doentes, com síndrome ou problemas genéticos raros. Percebe-se que não há boa vontade política, no sentido de investir em pesquisas científicas para cura de muitas doenças. Há um consenso dos pesquisadores brasileiros, no que diz respeito aos entraves que os impedem de aplicar seus conhecimentos. Veja este depoimento da geneticista Lygia da Veiga Pereira, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP):
“… Muito pior do que a questão orçamentária é a limitação da burocracia, principalmente na importação de materiais. A gente vive uma situação meio kafkiana em que tem verba do governo, mas uma boa fatia desse dinheiro que o governo nos dá ele pega de volta sob a forma de impostos sobre todos os reagentes importados que a gente precisa. Na minha área, 90% do que a gente usa é importado. Quando se compra um material para pesquisa aqui do Brasil, em reais, eles custam três vezes mais do que se comprássemos lá fora. Mas, o pior ponto é mesmo a dificuldade que o próprio governo cria para esse material chegar até a gente. Nos EUA, se preciso de um reagente, no dia seguinte o produto está na minha mesa. Aqui, perde-se de 30 a 60 dias. Então, além de pagarmos mais caro, ficamos um tempo de braços cruzados. E o que acontece? Em 30, 60 dias, um grupo nos EUA consegue testar cinco hipóteses diferentes. Enquanto isso, a gente está aqui ainda tentando testar aquela primeira…”. Confira a entrevista completa.

Outros pesquisadores de prestígio acusam: a burocracia e as altas taxas de importação estão estrangulando a ciência do Brasil. “Parece que é tão difícil, ou mais, importar uma medicação ou um material de laboratório, do que um carro. O que é um absurdo”, reclama Mayana Zatz, geneticista da USP. Confira o depoimento da Dra. Zatz na íntegra.
Mas, enquanto o governo brasileiro cobra altos impostos sobre os reagentes necessários para a pesquisa científica causando atraso nos resultados e comprometendo o trabalho de nossos pesquisadores, ele é extremamente generoso com outros setores da sociedade, como por exemplo, é o caso do neto do ex-automobilista Emerson Fittipaldi, que recebeu R$ 1 milhão do governo brasileiro para sua carreira de piloto nos EUA. Todos sabem que cidadãos brasileiros que têm acesso a esse tipo de esporte são de famílias que possuem um elevado poder aquisitivo.
Na cultura, temos diversas pessoas beneficiadas pela Lei Rouanet. O objetivo dessa lei era “educar empresas privadas e cidadãos a investirem em cultura”. No entanto a lei tomou outro rumo e como no Brasil ainda prevalece a “Lei de Gérson”, a lei em questão funciona da seguinte forma: uma determinada empresa devia R$ 100,00 em impostos para o governo, mas como escolheu um projeto aprovado pela lei Rouanet, ela destina R$ 6,00 para o projeto e R$ 94,00 para o governo em impostos. Ou seja, não tirou um único centavo do bolso. Ela vai pagar os mesmos 100 reais que devia com a diferença que ela pode escolher o que foi feito com os impostos. Coisa que eu e você não podemos fazer! Além disso a empresa em questão terá propaganda de graça como “patrocinadora” do projeto. Foi assim que aconteceu com o Banco Bradesco, quando patrocinou a primeira vinda do Cirque de Soleil ao Brasil. Na verdade, o Bradesco não gastou nada, pois o dinheiro veio do governo, ou seja, dinheiro público!  Outro exemplo é a cantora Ivete Sangalo que se beneficiou da mesma lei e conseguiu captar quase 2 milhões de reais para fazer 6 shows em algumas capitais brasileira. Há também o caso da Maria Bethânia, Vanessa da Mata e por aí vai… Ou seja, nós somos os verdadeiros patrocinadores porque o dinheiro é nosso, e ironicamente, não temos acesso a esses projetos culturais porque são caríssimos.
Não temos nada contra o investimento do governo nessas áreas. Entretanto, o que não podemos aceitar é que áreas como a saúde pública, ciência e tecnologia sejam renegadas a segundo plano para beneficiar projetos de uma minoria que não tem nenhuma necessidade de auxílio. Enquanto esses projetos são privilegiados, pesquisadores brasileiros, preocupados com a saúde pública, são obrigados a pagar impostos altíssimos nas importações de produtos, e sofrem por causa da burocracia que atrasa o desenvolvimento das pesquisas. E o mais cruel dessa situação é que por falta de diagnóstico médico, milhares de pessoas que dependem da descoberta de novos tratamentos para cura de suas doenças morrem.

Fonte: vidamaislivre.com.br  - Colunista Vera Garcia

 * Texto escrito em parceria com Mauricio Coppini

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