Boa noite a todos,
Apesar deste blog ser direcionado há pessoas com algum tipo de deficiência, hoje resolvi quebrar a regra e postar uma entrevista do meu Ex-professor de Psicologia Social sobre a falta de acessibilidade de pessoas que trabalham como gari em nossa sociedade.
"Lembre-se que de todas as deficiências a pior é o preconceito seja ele qual for"
Tenha uma boa leitura e deixe seu comentário!!!!!!
"Psicólogo varreu as ruas da USP para concluir sua tese de mestrado da
"invisibilidade pública". Ele comprovou que, em geral, as pessoas
enxergam apenas a função social do outro. Quem não está bem posicionado
sob esse critério, vira mera sombra social."
O psicólogo social Fernando Braga da Costa vestiu uniforme e
trabalhou um mês como gari, varrendo ruas da Universidade de São Paulo.
Ali,constatou que, ao olhar da maioria, os trabalhadores braçais são
"seres invisíveis, sem nome".
Em sua tese de mestrado, pela USP, conseguiu comprovar a existência da "invisibilidade pública", ou seja, uma percepção humana totalmente prejudicada e condicionada à divisão social do trabalho, onde enxerga-se somente a função e não a pessoa.
Braga trabalhava apenas meio período como gari, não recebia o salário
de R$ 400 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a maior
lição de sua vida: "Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi
como gari, pode significar um sopro de vida, um sinal da própria
existência", explica o pesquisador.
O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e não
como um ser humano. "Professores que me abraçavam nos corredores da USP
passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme.
Às vezes,
esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me
ignorando, como se tivessem encostado em um poste, ou em um orelhão",
diz.
No primeiro dia de trabalho paramos pro café. Eles colocaram uma
garrafa térmica sobre uma plataforma de concreto. Só que não tinha
caneca. Havia um clima estranho no ar, eu era um sujeito vindo de outra
classe, varrendo rua com eles. Os garis mal conversavam comigo, alguns se
aproximavam para ensinar o serviço.
Um deles foi até o latão de lixo pegou duas latinhas de refrigerante
cortou as latinhas pela metade e serviu o café ali, na latinha suja e
grudenta. E como a gente estava num grupo grande, esperei que eles se
servissem primeiro.
Eu nunca apreciei o sabor do café. Mas, intuitivamente, senti que deveria tomá-lo, e claro, não livre de sensações ruins. Afinal, o cara tirou as latinhas de refrigerante de dentro de uma lixeira, que tem sujeira, tem formiga, tem barata, tem de tudo.
Eu nunca apreciei o sabor do café. Mas, intuitivamente, senti que deveria tomá-lo, e claro, não livre de sensações ruins. Afinal, o cara tirou as latinhas de refrigerante de dentro de uma lixeira, que tem sujeira, tem formiga, tem barata, tem de tudo.
No momento em que empunhei a caneca improvisada, parece que todo
mundo parou para assistir à cena, como se perguntasse: "E aí, o jovem
rico vai se sujeitar a beber nessa caneca?" E eu bebi. Imediatamente a
ansiedade parece que evaporou. Eles passaram a conversar comigo, a
contar piada, brincar.
O que você sentiu na pele, trabalhando como gari?
Uma vez, um dos garis me convidou pra almoçar no bandejão central. Aí eu entrei no Instituto de Psicologia para pegar dinheiro, passei pelo andar térreo, subi escada, passei pelo segundo andar, passei na biblioteca, desci a escada, passei em frente ao centro acadêmico, passei em frente a lanchonete, tinha muita gente conhecida. Eu fiz todo esse trajeto e ninguém em absoluto me viu.
Eu tive uma sensação muito ruim. O meu corpo tremia como se eu não o dominasse, uma angustia, e a tampa da cabeça era como se ardesse, como se eu tivesse sido sugado. Fui almoçar, não senti o gosto da comida e voltei para o trabalho atordoado.
E depois de um mês trabalhando como gari? Isso mudou?
Fui me habituando a isso, assim como eles vão se habituando também a situações pouco saudáveis. Então, quando eu via um professor se aproximando - professor meu - até parava de varrer, porque ele ia passar por mim, podia trocar uma idéia, mas o pessoal passava como se tivesse passando por um poste, uma árvore, um orelhão.
E quando você volta para casa, para seu mundo real?
Eu choro. É muito triste, porque, a partir do instante em que você está inserido nessa condição psicossocial, não se esquece jamais. Acredito que essa experiência me deixou curado da minha doença burguesa. Esses homens hoje são meus amigos. Conheço a família deles, freqüento a casa deles nas periferias. Mudei. Nunca deixo de cumprimentar um trabalhador. Faço questão de o trabalhador saber que eu sei que ele existe. Eles são considerados como se fossem pior do que um animal doméstico, que sempre é chamado pelo nome. São tratados como se fossem uma "COISA".
Fonte:Plínio Delphino, Diário de São Paulo
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