Reinaldo Tomé de Oliveira percebeu sua vida mudando totalmente quando perdeu a capacidade de enxergar, aos 18 anos.
Já mais velho, com deficiência visual e vice-presidente do Instituto Luiz Braille do Espírito Santo (Ilbes), em Vitória (ES), ele agora convive com o medo diário da entidade ser fechada.
Localizada em chamado "terreno de marinha", desde 1994 o pagamento anual da “taxa de ocupação” não é feito, o que resulta, atualmente, em uma dívida de R$ 282 mil com a União,
segundo o Reinaldo.
Além disso, a estrutura da instituição filantrópica
precisa ser totalmente reformada para melhor atender os frequentadores,
mas o local sobrevive apenas de doações, que não são suficientes para
todas as necessidades.
Conforme decreto do governo federal, são considerados
terrenos de marinha os situados em uma faixa da costa brasileira de 33
metros, contados para o lado da terra a partir de onde chega a maré
alta, mas tendo como referência as marés de 1831, época em que foi
criado o conceito de terreno de marinha.
O vice-presidente do instituto, Reinaldo Tomé de
Oliveira, que também tem deficiência visual, explicou que como a
certidão da entidade está negativa, possíveis convênios que poderiam
ajudar a suprir a dívida são negados. “Uma antiga gestão parou de pagar a
taxa e essa dívida foi ignorada pelas seguintes. Quando assumi, recebi
uma intimação e me informei sobre situação. Se não conseguirmos negociar
para que esse débito seja perdoado, as portas irão fechar”, explicou.
No dia 10 de março, a entidade realizará o "Festival de Sorvete" e precisa de doações para que o evento seja rentável. "Desde já, convidamos os moradores da Grande Vitória a
prestigiarem. Além disso, no edifício funciona um bazar de roupas, que
sempre está precisando de doações e clientes. Pessoas que também queiram
doar brindes para rifas podem entrar em contato", diz o vice.
O que está sendo feito
Uma tentativa de ajuda partiu do deputado estadual José Esmeraldo (PR),
que preside a Comissão Especial para analisar questões relacionadas à
cobrança das taxas sobre terrenos de marinha, da Assembleia Legislativa (Ales).
Nesta terça-feira (19), ele encaminhou à Secretaria do Patrimônio da
União (SPU), através do superintendente regional Magno Pires, um ofício
solicitando a suspensão da cobrança. "Seria um desastre se o Braille
acabasse. É inadmissível que ele feche em função de uma dívida desse
tipo, sendo que é uma referência no estado", explicou.
Apesar da tentativa, o superintendente explicou que a gestão agora está com a Procuradoria de Fazenda Nacional (PFN),
já que a dívida foi ajuizada, ou seja, o prazo para pagamento já foi
esgotado. "Houve inadimplência entre os anos de 1994 e 2004, quando as
gestões deixaram de pagar a taxa de marinha. A partir de 2005, os
lançamentos foram suspensos para a área de Bento Ferreira, onde o
instituto está localizado, mas mesmo assim a dívida de 10 anos
permaneceu. A única orientação que o SPU pode fazer e já fez foi para
eles fazerem um pedido para obter a sessão gratuita mediante aforamento,
por se tratar de uma entidade de natureza social, mas mesmo assim a
atual dívida ainda permanecerá", explicou Magno Pires. A PFN foi
procurada, mas ainda não se manifestou sobre o caso.
Quem depende do instituto
Muitos frequentadores e pais de crianças que dependem do instituto,
para aprender a viver em um mundo ainda cheio de preconceitos, estão
preocupados com a situação. Para Maria Aparecida Melo, mãe de Andrew
Melo, de dois anos, o filho teve um grande avanço após começar a
frequentar o local. “Todos os dias aprendo algo novo com o Andrew, como
cuidar dele, como me portar em cada caso. O instituto se tornou uma
família para ele, pois passou a conviver com semelhantes.
Só quando se está em uma situação como esta que percebe-se as
dificuldades, que são muitas. As autoridades tinham que se preocupar
mais com essas pessoas”, disse.
Adrielle Helme de Souza tem deficiência visual e é mãe de três filhos, sendo que os dois mais novos, gêmeos de 11 meses, têm baixa visão. Com a ameaça do instituto ser fechado, ela teme que os filhos não se desenvolvam da
forma correta. “Vai ficar muito difícil, porque em uma creche normal,
há um profissional da prefeitura que vai uma vez por semana para atender
crianças com deficiência, mas isso não é o suficiente.
Elas precisam de alguém ao lado delas, dando suporte, ensinando, o que é
oferecido na entidade”, disse.
O Instituto Braille
O Instituto Luiz Braille do Espírito Santo (Ilbes) existe há 60 anos,
localizado no bairro Bento Ferreira, em Vitória. Contando com oito
funcionários remunerados, cerca de 20 trabalhadores voluntários também
ajudam a manter o local aberto. Segundo Reinaldo, o dinheiro que mantém a
entidade vem de sócios contribuintes, donativos e vendas do bazar, que
também passou a funcionar a partir de doações de roupas. Atualmente, há
350 pessoas com deficiência inscritas e, diariamente, são atendidas 70
pessoas. Três refeições são oferecidas gratuitamente todos os dias.
Entre as atividades e serviços prestados
estão os educativos e esportivos, além de trabalhos de socialização.
“Há a estimulação precoce e também ensinamos os frequentadores a andar
de bengala. A partir dos sete anos, começam a aprender o braille e a usar o computador, através de programas especializados.
Também ensinamos os pais que enxergam, para que possam instruir os
filhos em casa”, explicou a instrutora de braille Elizabeth Mutz.
Além disso, há atendimento feito por assistente social, e oftamologista
e cardiologista gratuitos, que atendem com frequência no instituto. O
ponto negativo é que não há atendimento psicológico. Já o destaque é
para o esporte. “Vários campeões foram formados no instituto, que
venceram competições nacionais e até mundiais, considerando os esportes
powerlifting, que é levantamento de peso, goalball, que tem objetivo de
arremessar uma bola sonora com as mãos no gol do adversário, atletismo,
futebol, futebol para baixa visão, judô e xadrez”, contou a responsável
pela área esportiva da entidade, Edith Rodrigues.
Foi no Ilbes que Heyke Nascimento Carvalho, de três anos, aprendeu a
andar. "Meu filho tinha medo de andar sozinho, de ir no colo de outras
pessoas, e hoje ele já sabe muitas coisas. Posso dizer que ele é um menino feliz", contou a mãe, Eliana Nascimento de Castro.
Estrutura precária
Reinaldo explicou que a sede do instituto foi inaugurada em 1972 e,
desde então, poucas alterações na estrutura do imóvel puderam ser
feitas. O resultado disso atualmente são muitas telhas e janelas
quebradas, infiltração e um terceiro andar completamente sem uso.
“Também precisamos de mais computadores e mais jogos educativos
especializados. Temos uma grande área que não é utilizada por falta de
verbas, para construção de uma quadra, por exemplo. Somos o único local
do estado que faz esse atendimento especializado, e pessoas de norte a
sul do Espírito Santo, até mesmo pessoas da Bahia, recorrem a nós. Todos
eles contam com a gente”, disse o vice-presidente.
A jogadora de goalball, Neuzimar Clemente, é frequentadora no instituto, onde começou a se destacar no esporte.
Com a falta de patrocínio no Espírito Santo, tomou a decisão de ir para
o Rio de Janeiro, jogando hoje na seleção brasileira. O ritmo é pesado:
treino na capital carioca durante a semana, e sábado e domingo de volta
ao estado para ficar com os filhos.
“Sempre que posso, venho para o instituto, em busca de um patrocínio
para voltar a jogar pelo Espírito Santo, mas ainda não surgiu. Nessas
minhas conquistas, já fui para duas paralimpíadas, em Pequim e Londres,
fora os pan-americanos”, contou a jogadora, orgulhosa.
Instituto Luiz Braille do Espírito Santo
Endereço: Avenida Marechal Mascarenhas de Moraes, 2430 - Bento Ferreira, Vitória (ES) - 29052-120
Telefone: (27) 3227-1430