Depois de ter feito algo semelhante aos mais impensáveis filmes de ficção cientifica, o atleta paraolímpico
que foi protagonista de um experimento na abertura da Copa do Mundo do
Brasil ainda tenta se adaptar à rotina na pequena cidade de Gália (SP) após ter sido escolhido para usar o exoesqueleto desenvolvido por um consórcio de pesquisadores, liderado pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis.
Segundo Juliano Alves Pinto, de 29 anos, depois de um turbilhão de
emoções e dúvidas de ter participado de um projeto além muito além do
tempo exibido na abertura do Mundial na Arena Corinthians, os moradores
do município com pouco mais de 7 mil habitantes o receberam na
sexta-feira (13) com aplausos e com direito à carreata.
“Quando eu
cheguei em Gália foi uma festa. Muita gente veio me dar parabéns nas
ruas e dizer que estava orgulhoso. Tirei muitas fotos e participei até
de uma carreata. A reação deles era exatamente o que eu esperava: de
orgulho e apoio”, relembra o jovem.
Na última quinta-feira (12), Juliano deu um “chute simbólico” na
Brazuca, a bola do Mundial, vestindo o equipamento criado pelo projeto
“Walk Again” ou “Andar de Novo”.
Segundo os cientistas, a máquina
transforma o pensamento em controles mecânicos, recuperando movimentos
do corpo que foram paralisados por lesão medular.
Em entrevista ao G1 neste domingo (15), por telefone, o jovem conta que
treinava para vestir o exoesqueleto há pelo menos sete meses, apesar de
ter sido informado que seria o escolhido Julianopara realizar o
experimento poucos dias antes do evento.
Paciente da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD)
desde 2007, em São Paulo, quando perdeu o movimento das pernas em um
acidente de carro, Juliano afirma que soube da seleção por uma das
médicas do projeto.
No começo do ano, ele recebeu um convite para
participar da seleção do projeto. Dez candidatos participaram do
processo e três restaram como finalista. Depois de uma análise de peso,
altura e grau de deficiência, o jovem de Gália foi escolhido entre os
participantes.
“Fui informado que tinha sido escolhido poucos dias antes do evento ser
realizado. A minha médica que também faz parte do projeto me contou na
reunião e foi um momento que eu não sei explicar em palavras. A minha
felicidade era saber que eu representaria toda a minha classe de
deficientes físicos em um experimento com que pode revolucionar a nossa
condição”, relembra Juliano que deixou a profissão de vendedor após o
acidente.
Dúvidas e medo
Juliano sofreu um acidente de carro em 2006 quando saia de uma festa em
Avaí (SP) acompanhado do irmão. Segundo informações da polícia na
época, o veículo onde ele estava capotou na Rodovia Comandante João
Ribeiro de Barros (SP-294) perto da entrada da cidade. Com o impacto,
ele sofreu uma grave lesão medular, perdeu o movimento das pernas e o
irmão que tinha 27 anos.
De acordo com o atleta, os médicos foram enfáticos ao afirmar que ele
não voltaria mais a andar, por isso, considera extraordinária a
possibilidade de voltar a ficar em pé através de uma máquina.
“São sete
anos e meio de lesão medular, não tendo o movimento dos membros
inferiores. O exoesqueleto fez isso de novo para a gente, trazendo os
movimentos que perdemos.”, explica o voluntário.
No entanto, por ter ficado tanto tempo sem dar um único passo, Juliano
lembra que sentiu dúvidas se conseguiria realizar o procedimento com
sucesso.
“Senti dúvidas por minha causa. Pensei várias vezes em desistir
por medo de não conseguir fazer o pontapé com sucesso. Já faz anos que
eu estou na cadeira de rodas, então pensei que não ia conseguir
acompanhar os meus colegas. Mas resolvi intensificar o treino e dar o
melhor de mim. Graças a Deus deu certo”, conta o jovem que viajava mais
de cinco horas de Gália até São Paulo para treinar uma vez por semana,
durante várias horas no dia.
tempo para um trabalho em equipe
Devido ao experimento exigir uma concentração muito grande, Juliano lembra que controlar a tensão foi um fator determinante para que o experimento fosse realizado com sucesso.
“Estar na abertura já era algo
grande por si só, imagine então ter que fazer algo extremamente
complicado aos olhos do mundo todo. Quando eu consegui foi algo
incrível. Na hora foi muito difícil manter o controle e achei que a
tensão fosse me derrubar, mas consegui manter a calma foi só sucesso”,
relembra.
Segundo o jovem, que hoje é paratleta e se dedica à modalidade de
corrida de cadeira de rodas na Associação Mariliense de Esportes
Inclusivos (Amei), em Marília, cidade vizinha a Gália, todos os
candidatos que participaram da seleção e são pacientes da AACD estavam
presentes na abertura.
“Não é porque eu fui escolhido que eles não
teriam que estar lá. A gente se ajudou durante todo esse tempo. A
vitória de um era a vitória de todos. Eles me apoiaram do começo ao fim,
foi indescritível”, relembra.
Só quem carrega a cadeira sabe a importância de “sair desse corpo” e dar um simples chute, quanto mais andar. É marvilhoso."
Juliano Pinto
Para Juliano, apesar do pouquíssimo tempo de exibição na TV, a
importância do projeto não tem hora determinada, e sim um começo.
“Creio
que a cadeira é uma extensão do corpo daqueles que passam por essa
deficiência. Para muitas pessoas, dar um passo é uma coisa natural e
imperceptível. Só quem carrega a cadeira sabe a importância de “sair
desse corpo” e dar um simples chute, quanto mais andar. Esse projeto é
além do tempo. É maravilhoso e sem preço”, diz.
O atleta diz ainda que não sabe dizer o que aconteceu para que o tempo
de exibição fosse tão reduzido pela organização do Mundial, mas afirma
que gostaria de mais tempo para divulgar a tecnologia brasileira e que
trocaria a cadeira pelo sonho de voltar a andar pelo projeto de
Nicolelis.
“O projeto não acabou e o que fizemos na Copa foi,
literalmente, o passo inicial. O exoesqueleto vai passar por diversos
aperfeiçoamentos até ser colocado realmente em teste ou até mesmo
disponibilizado para os portadores de deficiência física. Mas sim, sem
dúvida nenhuma, eu trocaria a cadeira por ela. imagina voltar a andar é o
nosso maior sonho”, finaliza.
Fonte: Tribuna Hoje
Nenhum comentário:
Postar um comentário