Em busca de vencer mais um obstáculo, um grupo de pessoas com deficiência auditiva de Sorocaba (SP) deram início a uma campanha que tomou proporções nacionais.
Os surdos querem que o Departamento Estadual de Trânsito (Detran)
forneçam condições para que a Carteira Nacional de Habilitação (CNH)
não seja apenas um sonho.
Pela avaliação de Alexandre Henrique Elias,
que é professor pós-graduado em Língua Brasileira de Sinais (Libras) e
membro da Integra
– que há mais de 20 anos atua com os surdos em Sorocaba – mais de 20
pessoas do município tentaram tirar a CNH.
“Estimamos que 80% dos que
tentam desistem por não conseguirem completar o processo de habilitação
por falta de acessibilidade”, destaca.
“Me sinto um palhaço. Se meus irmãos podem conseguir, por qual razão eu
não posso?”, questiona o assistente de logística Jonas Gonçalves
Maciel, de 22 anos.
Há dois anos ele luta para concluir o processo de
habilitação, mas sempre é impedido pelo mesmo obstáculo: a falta de um
intérprete de libras durante a prova teórica do Detran, que é realizada
antes da autorização para as aulas práticas de direção ser emitida.
A libras é considerada como a segunda língua oficial do Brasil. Como
qualquer idioma, a libras possui uma gramática própria, que vai além da
gesticulação.
“É como quando aprendemos inglês, conhecemos as palavras,
mas sem a compreensão da aplicação destas palavras não é possível
entender o idioma”, explica o professor Alexandre.
É por esta razão que,
apesar de serem alfabetizados, a língua portuguesa não pode ser
compreendida completamente pelo surdo, sem a interpretação em libras.
A cada tentativa, as pessoas com deficiência auditiva pagam o valor
integral do processo de habilitação. Ou seja, no caso de Cassio que há
dois anos se prepara para enfrentar a quinta tentativa, o valor gasto é
superior a R$ 7 mil. Sua mãe, a diarista Maria Gonçalves Santos Maciel,
de 53 anos, conta que dói ver a tristeza do filho.
“Quando fazemos a
inscrição e o pagamento, não nos avisam que na prova não haverá
intérprete e que não podemos levar um particular, isso é muito
revoltante”, destaca.
E a mesma revolta é compartilhada pela funcionária pública Claudete
Oliveira de Melo, 55 anos, que testemunhou as inúmeras tentativas do
filho em se habilitar durante cinco anos.
“Hoje meu filho tem 30 anos, é
oficial mecânico, e desistiu de tirar a CNH de tanto ser reprovado na
prova teórica”, conta. Para ela, a pior parte é ver a sensação de
fracasso no rosto do filho. “Como mãe dói ver a tristeza de um filho, de
ver que nenhum deles recebe assistência para vencer este obstáculo.”
O diretor da Associação das Auto Escolas de Sorocaba, Roberto Alarcon,
confirma que no ato da matrícula, os surdos não são informados da falta
de intérprete na prova.
“Não estamos enganando o candidato, a ideia é
não desestimular a pessoa com deficiência auditiva a tirar a CNH, que é
algo que todo mundo quer. Temos que mostrar o lado bom e não enchê-los
de problemas”, diz.
Roberto explica que o Detran não permite intérpretes
particulares nas provas, para evitar que os alunos colem. “Existem
planos para que haja um intérprete oficial durante as provas, mas não há
prazo para esta alteração”.
Enquanto isso, o problema continua e para o advogado Alexandre Franco
de Camargo, responsável pela Comissão dos Direitos dos Deficientes da
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Sorocaba, a situação é
inaceitável.
Diretrizes orçamentárias são destinadas para garantir
acessibilidades a todos pelo governo, então a pergunta é: para onde está
indo todo este investimento?”, questiona o advogado com base na Lei no
7.853, de 24 de outubro de 1989, sobre a Política Nacional para a
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência.
“No Brasil estuda-se a língua estrangeira, mas não uma língua que é
nossa, que é o segundo idioma oficial. Olha o absurdo em que este país
chega”, complementa, explicando que o Detran deveria ter um intérprete
oficial e que todas as autoescolas deveriam ser preparadas para receber
todos os tipos de deficientes. Alexandre orienta os que se sentirem
lesados a procurarem um advogado para buscar orientação.
Na internet a campanha para que o Detran disponibilize intérpretes está
ganhando força. Dezenas de pessoas compartilharam fotos segurando
cartazes com a frase ‘Detran sem livras= surdos sem acessibilidade’.
“É
uma vergonha esse país não ter acessibilidade nenhuma, ou cada vez
menos, para os que precisam de uma atenção maior”, diz o músico Raphael
Mena, que também compartilhou sua foto com o cartaz.
A campanha é liderada pelo professor Alexandre Henrique Elias, que é
pedagogo pós-graduado em Educação Especial, em Libras e Educação de
Surdos, além, de intérprete e coordenador do curso de Libras na
instituição Integra – Surdos e mestre de Comunicação e Cultura.
“Estamos
muito felizes com a adesão das pessoas. São milhares de mensagem que
chegaram de todas as partes do país, isso mostra que o que estamos
fazendo em Sorocaba reflete o problema dos surdos de um país inteiro,
que luta pela liberdade, mas que continuam dependentes”, conclui.
Por meio de nota, o Detran de São Paulo explica que 53 unidades de
atendimento no Estado aplicam prova teórica de forma eletrônica, ou
seja, no computador.
“Gradativamente, todas as unidades passarão a
contar com a prova eletrônica, em substituição ao caderno de questões e
gabarito”, destaca a nota.
O Detran afirma que em Sorocaba a prova é
aplicada de forma impressa, mas que há um teste adaptado para candidatos
com deficiência auditiva, aplicado na Escola Pública de Trânsito do
Departamento, com o acompanhamento de um servidor habilitado na Língua
Brasileira de Sinais.
Fonte: G1
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