A deficiência visual de Márcia Gomes, 44 anos, não é um obstáculo para ela fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em Brasília.
A contadora teve de se aposentar por causa da cegueira, após mais de 18
anos de profissão, e agora pretende voltar às salas de aula como
estudante de psicologia.
Ela é uma das quase 161 mil pessoas que fizeram
prova no último final de semana em Brasília.
Com 5 anos, já tinha mais de dez graus de miopia. Há seis anos, a
retina do olho direito sofreu deslocamento. No olho esquerdo, Márcia só
tem 10% de visão quando usa os óculos.
Para conseguir estudar, a mulher
conta com a ajuda de um dos filhos, que também fará a prova.
“Algumas matérias são mais visuais, como geometria, então preciso do
meu filho. Ele me explica física ou geometria, quando envolve questões
de ângulos, por exemplo”, afirma Márcia. “Um incentiva o outro”, diz
Marcos Gomes, 18 anos. Ele já faz ensino técnico em tecnologia e
pretende ingressar em uma faculdade de direito pelo Enem.
Para a prova, Márcia pediu a ajuda de um ledor e uma pessoa para marcar
o gabarito. Ela também tinha direito a uma hora a mais de exame, mas se
esqueceu de solicitar durante a inscrição. “Minha prova é um cartaz”,
brinca a estudante. “Pedi para ampliar a letra no tamanho 48.”
Durante o Enem, o candidato com deficiência visual fica em uma sala
isolado, com um fiscal, um ledor e um responsável por gravar a
realização da prova, a fim de evitar fraudes.
Esta é a primeira vez que a carioca, radicada em Brasília há cinco
anos, fará o Enem. Ela diz estar preparada após uma rotina séria de
estudos, de três horas por dia, para o exame.
“Estou aplicada. Passei o
ano todo estudando e me aprofundei nas áreas de português, literatura e
redação, para compensar minha lacuna em exatas”, afirma.
O interesse por psicologia surgiu durante a adaptação ao novo estilo de
vida. Ela teve de aprender a estudar por meio de audioaulas e programas
que leem o que está escrito no computador.
“Trabalhar com contabilidade
é inviável para quem não tem visão. Já a psicologia chegou porque é a
área que mais ajuda a resgatar o emocional. Por mais que o emocional
seja muito forte, ele sempre será abalado com a chegada da deficiência”,
diz Márcia.
A estudante não se preocupa em voltar à estaca zero. Para ela, o
importante não é pensar em idade, e sim em “atitude”.
“A gente não pode
pensar em desistir porque se desistir, para no tempo. No nosso caso, a
gente se isola, não tem inclusão”, diz. “Nasci antes e [renasci] depois
da cegueira.”
Biblioteca braille
A sugestão de fazer o Enem foi dada pelos 13 funcionários da Biblioteca
Braille, em Taguatinga. O centro cultural, que funciona em parceria com
as secretarias de Cultura e Educação do Distrito Federal, recebe cerca
de 20 deficientes visuais por dia.
No local, são ofertadas aulas de
consciência corporal, informática, braille e leitura, das 8h às 17h.
Um dos usuários da biblioteca é o estudante de psicologia Nivaldo
Santos, 64 anos. No ano passado, ele concluiu o ensino médio e ingressou
em uma faculdade particular do DF. Agora o antigo mecânico de automóvel
quer fazer o Enem pela segunda vez para conseguir bolsa integral no
curso.
“Depois do meu acidente, quando eu tinha 27 anos, fiquei o tempo todo
parado. Pensava que não queria mais nada da vida. Aí me chamaram para
esta biblioteca e isso mudou minha vida. Voltei mais ou menos à mesma
rotina de antes”, diz Santos, que frequenta a Biblioteca Braille há nove
anos.
A funcionária do centro Ana Denise de Sousa diz ser é “um orgulho
presenciar a superação dos amigos”. Segundo a servidora, a limitação
visual “dá garra que um vidente não tem”.
“Aprendo com eles de que não
existe limites porque eles lidam com as limitações que têm e mesmo assim
correm atrás dos sonhos.”
Fonte: G1
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