13 de nov. de 2014

Estudante com deficiência visual faz Enem com ajuda do filho no DF

Foto de Márcia e seu filho em frente ao computador
A deficiência visual de Márcia Gomes, 44 anos, não é um obstáculo para ela fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em Brasília


A contadora teve de se aposentar por causa da cegueira, após mais de 18 anos de profissão, e agora pretende voltar às salas de aula como estudante de psicologia. 


Ela é uma das quase 161 mil pessoas que fizeram prova no último final de semana em Brasília.


Com 5 anos, já tinha mais de dez graus de miopia. Há seis anos, a retina do olho direito sofreu deslocamento. No olho esquerdo, Márcia só tem 10% de visão quando usa os óculos. 


Para conseguir estudar, a mulher conta com a ajuda de um dos filhos, que também fará a prova.


“Algumas matérias são mais visuais, como geometria, então preciso do meu filho. Ele me explica física ou geometria, quando envolve questões de ângulos, por exemplo”, afirma Márcia. “Um incentiva o outro”, diz Marcos Gomes, 18 anos. Ele já faz ensino técnico em tecnologia e pretende ingressar em uma faculdade de direito pelo Enem.


Para a prova, Márcia pediu a ajuda de um ledor e uma pessoa para marcar o gabarito. Ela também tinha direito a uma hora a mais de exame, mas se esqueceu de solicitar durante a inscrição. “Minha prova é um cartaz”, brinca a estudante. “Pedi para ampliar a letra no tamanho 48.”


Durante o Enem, o candidato com deficiência visual fica em uma sala isolado, com um fiscal, um ledor e um responsável por gravar a realização da prova, a fim de evitar fraudes.


Esta é a primeira vez que a carioca, radicada em Brasília há cinco anos, fará o Enem. Ela diz estar preparada após uma rotina séria de estudos, de três horas por dia, para o exame. 


“Estou aplicada. Passei o ano todo estudando e me aprofundei nas áreas de português, literatura e redação, para compensar minha lacuna em exatas”, afirma.


O interesse por psicologia surgiu durante a adaptação ao novo estilo de vida. Ela teve de aprender a estudar por meio de audioaulas e programas que leem o que está escrito no computador. 


“Trabalhar com contabilidade é inviável para quem não tem visão. Já a psicologia chegou porque é a área que mais ajuda a resgatar o emocional. Por mais que o emocional seja muito forte, ele sempre será abalado com a chegada da deficiência”, diz Márcia.


A estudante não se preocupa em voltar à estaca zero. Para ela, o importante não é pensar em idade, e sim em “atitude”. 


“A gente não pode pensar em desistir porque se desistir, para no tempo. No nosso caso, a gente se isola, não tem inclusão”, diz. “Nasci antes e [renasci] depois da cegueira.”
 

Biblioteca braille


A sugestão de fazer o Enem foi dada pelos 13 funcionários da Biblioteca Braille, em Taguatinga. O centro cultural, que funciona em parceria com as secretarias de Cultura e Educação do Distrito Federal, recebe cerca de 20 deficientes visuais por dia. 


No local, são ofertadas aulas de consciência corporal, informática, braille e leitura, das 8h às 17h.


Um dos usuários da biblioteca é o estudante de psicologia Nivaldo Santos, 64 anos. No ano passado, ele concluiu o ensino médio e ingressou em uma faculdade particular do DF. Agora o antigo mecânico de automóvel quer fazer o Enem pela segunda vez para conseguir bolsa integral no curso.


“Depois do meu acidente, quando eu tinha 27 anos, fiquei o tempo todo parado. Pensava que não queria mais nada da vida. Aí me chamaram para esta biblioteca e isso mudou minha vida. Voltei mais ou menos à mesma rotina de antes”, diz Santos, que frequenta a Biblioteca Braille há nove anos.


A funcionária do centro Ana Denise de Sousa diz ser é “um orgulho presenciar a superação dos amigos”. Segundo a servidora, a limitação visual “dá garra que um vidente não tem”. 


“Aprendo com eles de que não existe limites porque eles lidam com as limitações que têm e mesmo assim correm atrás dos sonhos.”


Fonte: G1


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