A professora de snowboard Charlie Elmore sofreu um acidente na neve há quatro anos e teve traumatismo craniano. Desde então, ela vem aprendendo a viver e pensar novamente. Leia seu depoimento:
"Um dia, depois de dez anos como instrutora de snowboard em Vervier, na
Suíça, acordei em uma UTI após ser colocada em coma induzido.
Depois de
um salto de 11 metros, eu aterrissei mal. Os médicos me colocaram em
coma para proteger meu cérebro e evitar que ele inchasse ainda mais.
Ninguém sabia se eu acordaria nem como o acidente me afetaria se eu
acordasse.
Eu não sei se eu estava tentando fazer algo impressionante (na hora do
acidente), mas lembro que minha saída foi meio estranha. Quando
aterrissei, joguei minha cabeça para trás e depois disso, não lembro
mais de nada. Eu tive traumatismo cranioencefálico, mesmo usando
capacete.
Eu passei os últimos quatro anos reaprendendo coisas que as pessoas nem
dão atenção – e eu mesmo não dava antes do meu acidente. Coisas como
andar, comer e falar. Minha vida desde então tem sido aceitar a viver
com uma deficiência invisível.
É estranho eu não me lembrar de algo que teve um impacto tão grande na minha vida.
E só me lembro de alguns momentos das seis semanas que passei na cama
do hospital. Me lembro dos meus pais do meu lado e eu perguntando a eles
em meio a lágrimas 'vou poder fazer snowboard de novo?'.
Depois de uma reabilitação intensa, consegui voltar para as montanhas
em menos de um ano. Nos últimos três invernos, trabalhei como voluntária
em escolas suíças que oferecem aulas de snowboard adaptadas – eu adoro
fazer isso. Eu acho incrível passar meu tempo com pessoas com
deficiências que querem voltar a praticar o esporte.
Agora, acho que tudo na vida tem de ser apreciado, já que isso faz você
ser o que é. Problemas como o meu podem te trazer novidades e revelar
novos talentos – aceitar, adaptar, abarcar... eu sempre digo isso.
Mas
apesar de eu já ter dito que amava todos os efeitos que o acidente teve
em mim, hoje eu posso dizer que minha perspectiva mudou um pouco.
Os efeitos do meu acidente, em alguns momentos, foram horríveis e
fizeram me sentir isolada, triste, incapaz e quebrada.
Eu perdi alguns
amigos porque algumas pessoas não estão dispostas a oferecer o tipo de
paciência necessária para ajudar uma pessoas que sofreu traumatismo
craniano.
Foi só nos últimos meses que eu percebi isso, já que agora
estou em um relacionamento no qual eu sou amada e cuidada.
Eu experimentei novas emoções e estou me redescobrindo. Minha rotina
diária começa com o planejamento que faço na noite anterior.
Eu sento com o meu namorado e olho para o que é preciso ser feito no
negócio que cofundei para apoiar atletas nos Jogos Paralímpicos e o
Invictus Games (competição britânica para militares ou veteranos
feridos).
É uma marca de roupas inspirada no capuz que eu usava no
momento do acidente e que os paramédicos tiveram de cortar – e que
depois eu costurei de volta.
Esse tipo de pré-planejamento me ajuda a garantir que eu tenha menos
sobre o que me preocupar durante o dia e isso torna as coisas mais
normais.
Depois do café da manhã, faço exercícios, o que é ótimo porque
meu namorado é um esquiador profissional, então tenho acesso a um ótimo
treinamento.
E depois de ajudar com aulas de esqui, eu termino meu dia com uma
comida boa, relaxamento, tempo online para me comunicar com a minha
família e meus amigos, planejamento para o dia seguinte e, depois, cama.
Recentemente, eu voltei ao Hospital Northwick Park, onde fiquei
internada depois do acidente. Enquanto eu estava lá, conheci Hannah
Wick, de 30 anos, que começou a reabilitação há nove meses.
Ela ficou
parcialmente paralisada e teve danos cerebrais ao cair enquanto estava
fazendo compras. Ela foi ajudada por uma pessoa que a encontrou caída na
calçada, com o crânio fraturado.
Ela tem problemas de mobilidade e dificuldade para controlar o lado
esquerdo do seu corpo, além de problemas da fala.
Quando eu a conheci,
ela ficava repetindo "obrigado" no final de cada frase. Ela tinha uma
boa noção de como havia mudado. 'Eu quero falar como estou pensando',
ela me disse.
Antes do acidente, ela era responsável pela área de compras de uma
grande loja de departamentos de Londres.
Conhecer Hannah me trouxe a dura
lembrança de como podem ser amplas as consequências de um trauma
cerebral, sejam físicas ou mentais. Ela me disse que eu pareço ótima e
'como uma pessoa normal'.
Algumas pessoas, inconscientemente, me dizem que pareço normal. Mas,
quanto mais eu quero aceitar o que se passa dentro de mim, mais difícil
fica fazer comparações com esse rótulo de 'normalidade'.
Eu estou desafiando esse rótulo para que eu consiga viver a vida e ser
feliz comigo mesma do jeito que sou. Mas ao mesmo tempo em que não
deixei que isso me definisse, vejo isso como um momento definidor."
Fontes: G1 / Vida Mais Livre
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