Em João Pessoa (PB), são poucos os casos registrados de abuso sexual contra crianças e jovens com deficiência.
Foi identificada apenas uma notificação na Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Violência e Juventude e duas no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas).
A pedagoga e pesquisadora Rosângela Régia da Silva também tentou
conseguir números sobre o abuso sexual contra crianças e adolescentes
com deficiência. Encontrou apenas relatos de pessoas que não puderam, ou
não quiseram denunciar o crime às autoridades.
Segundo ela, as famílias têm vergonha de relatar o que aconteceu. Ela
cita o exemplo de uma adolescente de 14 anos, que tem paralisia
cerebral, vive numa cadeira de rodas e engravidou depois de ter sido
abusada sexualmente.
A família tinha dúvidas se o agressor teria sido
algum dos funcionários que trabalhava na casa. Rosângela conta que os
pais da jovem são médicos, não denunciaram e realizaram um aborto.
A pesquisadora disse que muitos agentes públicos nem registram se a
vítima tem ou não algum tipo de deficiência. Em conversa com u
m
delegado, ela chegou a questionar se ele costumava perguntar se a vítima
do abuso sexual tinha deficiência, e ele respondeu que pouco importava.
“Mas se a pessoa for vulnerável, o crime é duplamente [qualificado].
Nem o delegado tinha pensado sobre isso", lembrou Rosângela.
Testemunhas ameaçadas
A subnotificação dos casos tem, entre outras razões, ameaças às
testemunhas. "De certa forma, as pessoas eram coibidas a não dizer nada,
a concordar com abusos de pais com filhos ou filhas, ou pais que
engravidavam as próprias filhas", relata uma ex-funcionária do Centro de Referência de Assistência Social (Cras), que não quis se identificar.
A delegada-adjunta de repressão aos crimes contra a violência e
juventude de João Pessoa, Andrea Melo de Lima, diz que nem a polícia tem
condições de garantir proteção ao denunciante.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Exploração Sexual da Câmara
fez uma diligência à Paraíba. Os resultados da viagem, ocorrida em
junho deste ano, podem ajudar a explicar os poucos casos registrados no
estado.
“Segundo os dados oferecidos pelo juiz da Vara de Infância e Juventude
da Paraíba, de 200 casos que chegaram pelo Disque 100, só 14 tiveram
atendimento no Creas. O que nós estamos percebendo é um nível de
atendimento absolutamente precário, então você consolida a vitimização”,
lamenta a presidente da CPI, deputada Erika Kokay (PT-DF).
Os dados não são apenas de crianças com deficiência, mas refletem a
enorme distância entre a denúncia e registro na rede de proteção, na
avaliação da parlamentar.
Atendimento pós-denúncia
As deficiências aparecem também no atendimento após a denúncia. A
enfermeira Beth Alcoforado trabalha em uma das duas maternidades de João
Pessoa que atendem vítimas de violência sexual e contou que uma
adolescente com deficiência abusada pelo pai perdeu o direito de
interromper a gravidez porque foi levada ao hospital tarde demais.
Ela sugere a criação de medidas para facilitar a comunicação entre os
órgãos da rede de proteção. A primeira providência deve ser a
identificação dos componentes da rede de atendimento. Em seguida,
deve-se abrir um protocolo no qual as unidades estabeleçam comunicação
direta, para agilizar a assistência jurídica, social e de saúde.
Tabu x educação sexual
A educação sexual para pessoas com deficiência também é fundamental
para aumentar a proteção, sem tirar o direito a vivenciar sua
sexualidade. Esse trabalho está sendo iniciado na Fundação de Apoio ao Deficiente da Paraíba (Funad). As oficinas são oferecidas aos pais dos usuários e funcionários da instituição, para aprenderem a reconhecer sinais de abuso.
A diretora da Funad, Simone Jordão, defende a qualificação das pessoas
que trabalham com crianças e adolescentes com deficiência. “A gente tem
que resgatar a capacidade de escuta dos profissionais."
Fonte: Agência Câmara de Notícias
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