O ator Ariel Goldenberg, de 32 anos, espera que o premiado “Colegas”, que estreou nesta sexta-feira (1º) no cinema, contando as aventuras de três jovens com síndrome de Down que fogem de uma instituição assistencial, chame a atenção para a inclusão das pessoas com deficiência intelectual
na sociedade, a começar pela escola.
“Queremos que as pessoas olhem
para as pessoas com deficiência com outros olhos”, diz Ariel, que ficou famoso nas redes sociais após a divulgação do sonho de receber uma visita do ator norte-americano Sean Penn.
A presença cada vez maior de alunos com deficiência intelectual no sistema educacional convencional está obrigando as escolas a adaptarem seus conceitos pedagógicos.
Segundo o Censo Escolar, entre 2005 e 2011, as
matrículas de crianças e jovens com algum tipo de deficiência
(intelectual, visual, motora e auditiva) em escolas regulares
cresceu 112% e chegou a 558 mil. O Censo Escolar não diz quantas destas
matrículas são de alunos com síndrome de Down, outra deficiência
intelectual ou autismo.
O Censo do IBGE,
porém, aponta que, em 2010, 37% das crianças com deficiência
intelectual na idade escolar obrigatória por lei (5 a 14 anos) estavam
foram da escola, número muito superior à média nacional, de 4,2%.
Outro indicador do aumento da inclusão: as matrículas das crianças com deficiência
em escolas especializadas e as classes exclusivas nas escolas comuns
caiu 48% de 2005 para 2011, quando foram registradas 193 mil matrículas.
Apesar de a inclusão de crianças e jovens com algum tipo de deficiência nas escolas regulares ter aumentado
nos últimos anos, são grandes os desafios de preparar os professores
para mantê-las na sala de aula com os demais colegas, e de receber as crianças que ainda estão excluídas.
O modelo de só transmitir o conhecimento do currículo básico já não é mais suficiente. Segundo a professora Maria Teresa Eglér Mantoan, coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade (Leped) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
a inclusão aparece para mostrar que todas as pessoas são diferentes,
algo que a escola não quer conceber.
“O senso comum nos faz pensar muito
mais na identidade do que na diferença, porque é muito mais fácil. Mas a
diferença se apresenta, e você tem que lidar.”
Segundo ela, o mais importante para uma criança com
deficiência não é aprender o mesmo conteúdo que as outras, mas ter a
possibilidade de aprender a colaborar, ter autonomia, governar a si
próprio, ter livre expressão de ideias e ver o esforço pelo que consegue
criar ser recompensado e reconhecido.
“A escola é a
instituição responsável por introduzir a criança na vida pública. E você
não pode dizer que esse aqui vai ser introduzido na vida pública e esse
não”, diz a educadora.
Escola regular ou especial?
Na década de 1980, quando o ator Ariel era menino,
prevalecia o conceito de que crianças como ele deveriam estar em
instituições exclusivas para dar assistência à suas necessidades, e não
em uma escola regular.
Ariel chegou a fazer o maternal em uma escola
comum, mas foi matriculado aos cinco anos na Associação para o Desenvolvimento Integral do Down (Adid), onde seus “colegas” também tinham a mesma síndrome que ele.
“Apesar de ser politicamente correta a inclusão, acho que às vezes os
pais focam tanto na inclusão que esquecem o incluído. Achei que era
melhor ele estudar em uma escola que estivesse no ritmo dele”, explica a
artista plástica Corinne Goldenberg, mãe de Ariel, que se preocupava
com o possível sofrimento de ver o filho ficar para trás em relação aos
demais alunos. “O que o Ariel aprendeu, ele aprendeu na escola
especial.”
Naquela época, era comum que as escolas recusassem a matrícula de alunos com deficiência. Foi o que aconteceu com Rita Pokk,
“colega” de Ariel no filme e esposa do ator na vida real. “Bateram a
porta na cara da minha mãe um monte de vezes”, relembra Rita, hoje com
32 anos.
Ela conseguiu ser matriculada em uma escola particular aos 12
anos, depois de muito esforço da mãe. Para que a filha, já maior de
idade, pudesse frequentar a quinta série no supletivo, a mãe precisou se
matricular, fazer as provas e assistir às provas com a filha.
Na sétima
série, Rita percebeu que o currículo estava avançado demais para ela, e
trocou a escola regular pela Adid para fazer amigos. Lá, ela fez teatro e conheceu Ariel.
Hoje, a ONU e o governo brasileiro defendem que o lugar de todas as crianças é a escola convencional.
O modelo aplicado pela rede pública de ensino é estruturado de forma a
manter os alunos com deficiência na sala comum, mas com atividades de
apoio individualizadas no contraturno, já que o aluno com deficiência
intelectual tem outro ritmo de aprendizado, que, em geral, não
corresponde ao que a escola está acostumada a esperar.
Edna dos Santos
Azevedo, mãe da aluna Lettícia, de 7 anos, diz que a filha matriculada
na Emef Celso Leite Ribeiro Filho, na região central de São Paulo, exige mais atenção e paciência para aprender.
'Tem de se sentir igual'
Edna, no entanto, nunca cogitou matricular a menina em uma escola
especial. “A evolução da Lettícia em uma instituição só para alunos com
deficiência teria sido mínima, ela é muito esperta.” Para a mãe, a
convivência com as outras crianças só traz vantagens.
Ela diz que a
filha nunca sofreu preconceito ou bullying por parte dos colegas. Pelo
contrário, é querida pelos amigos, que se oferecem para ajudá-la em
várias situações e se preocupam quando ela falta à escola.
A garota reconhece todas as letras do alfabeto, lê e escreve algumas
palavras e aprendeu a falar as cores em inglês. Na aula, a professora
Maria Luiza de Oliveira Marques diz que Lettícia participa das
atividades e interage na hora da leitura. “Ela é bem resolvida e
independente”, diz a professora.
A deficiência não é
motivo para que Lettícia seja poupada de alguma regra na escola.
“Lettícia tem de se sentir igual, se a cobrança não for igual, não há
inclusão”, diz a vice-diretora da Celso Leite Ribeiro, Leni Aparecida
Villa.
Além da escola, Lettícia faz atividades na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de São Paulo para
estimular raciocínio e coordenação motora. Com anos de experiência no
trato com crianças e jovens com deficiência intelectual, Valquíria
Barbosa, gerente de serviço sócio-assistencial da Apae de São Paulo,
afirma que a criança com deficiência exige aulas mais lúdicas,
repetições e um currículo flexível. Na ausência desses itens, a
verdadeira inclusão fica comprometida.
Para Valquíria, a escola especial teve sentido em uma época em que não
havia informação e não se sabia quais caminhos seguir, agora não mais.
“A pedagogia evoluiu, novos caminhos foram descobertos”, diz a
especialista, reafirmando que, para ela, a escola regular é a melhor alternativa.
“É claro que a família tem receio de como a criança vai ser recebida no
ambiente, da preocupação de quem serão seus amigos, de como vai se
relacionar. Mas crianças não têm preconceito, elas aceitam os colegas. O
adulto, sim, precisa saber lidar com isso.”
‘Aprendeu mais com o iPad do que na escola’
O preparo dos adultos, no caso, os professores, no entanto, ainda não
chegou a todas as escolas, como já prevê a legislação. Adriana Moral
Ramos, coordenadora do Centro Terapêutico Educacional Lumi, especializado em pessoas com autismo e localizado no bairro do Butantã,
Zona Oeste da capital paulista, afirma que a maior parte dos alunos que
chegam até ela vem justamente de más experiências em escolas regulares.
“Os pais escolhem a escola convencional para se aproveitarem do
currículo regular, mas depois optam pela especializada para [a criança]
não sofrer bullying. No caso do autismo, ainda existe muito
preconceito, as escolas acham que, com os problemas de comportamento, o
aluno vai desestruturar a sala de aula.”
Depois de ver o filho Lenin retido com crianças mais novas em uma escolinha particular no
bairro onde mora, e nas mãos de professores sem formação para atender
às suas necessidades, o designer Eduardo Ferreira dos Santos, de 30
anos, decidiu colocá-lo em mãos mais experientes. “Ele aprendeu muito
mais sozinho com o iPad em casa do que na escola”, afirmou Santos.
Neste ano, o designer matriculou o filho de cinco anos no Centro Lumi.
Para pagar a mensalidade de R$ 1.485, Santos publicou um pedido na
internet para receber doações de amigos.
Em algumas semanas, conseguiu
levantar cerca de R$ 8 mil, mas vai necessitar de R$ 19 mil para manter o
filho na escola especial durante um ano. Agora, o designer tenta
encontrar uma empresa disposta a pagar a mensalidade do menino e deduzir
o gasto do imposto de renda.
Lenin vai ao Lumi pela manhã, e à tarde tem aula em uma escola municipal que conta com uma Sala de Apoio e Acompanhamento à Inclusão (Saai)
e uma professora especializada. Durante o período de adaptação, ela
permanece na sala de aula com 29 alunos, três deles com deficiência.
Orçamento apertado
Nem toda família, no entanto, consegue pagar um atendimento especial
para o filho. “Já corri atrás, mas dizem que a mensalidade da escola
especial é acima de R$ 800”, diz Maria Lenice Ribeiro dos Santos, mãe do
menino Hércules, de 12 anos, diagnosticado com autismo.
Ela não
trabalha para cuidar dos três filhos, com quem mora em um apartamento de
dois quartos em um conjunto habitacional no Rio Pequeno, na Zona Oeste de São Paulo. A família recebe um salário mínimo do governo como benefício garantido por lei à pessoa com deficiência.
Hércules está no sexto ano da Emef Pedro Nava, perto de onde mora. Ele
chegou à escola no meio do ano passado, depois que a família mudou de
bairro. O menino sabe reconhecer as letras e copiar palavras, mas não
consegue ler.
Na última segunda-feira (25/02), sua primeira aula foi de
português e, enquanto a professora explicava um exercício sobre
substantivos aos demais alunos, Hércules fazia uma tarefa de
alfabetização acompanhado de uma professora exclusiva.
“Ele faz atividades de acordo com a habilidade dele,
mas dentro do tema trabalhado na sala de aula, para ele se sentir
incluído”, explica a professora especializada em inclusão da escola,
Márcia Aparecida dos Santos de Oliveira Fausto. Hércules faz atividades
na sala especial da escola das 9h às 10h e estuda na sala regular das
13h30 às 15h. “A ideia é que ele vá aumentando o tempo em que fica na
escola”, afirmou a mãe.
A dificuldade de Hércules na aula de português reflete outro dado do IBGE:
47,1% da população com algum tipo de deficiência intelectual acima de
cinco anos de idade era analfabeta em 2010. Nos casos de pessoas com
deficiência visual, auditiva e motora, o índice de analfabetismo caiu
para 16,8%, 24,2% e 28,3% respectivamente. A média brasileira, porém,
foi de 10,5%, segundo o Censo de 2010.
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