O espetáculo da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, encenado no distrito de Fazenda Nova, no Brejo da Madre de Deus, Agreste de Pernambuco, é conhecido por sua grandiosidade. Cenários
ricos em detalhes, iluminação pensada para dar mais realismo, efeitos
sonoros para envolver o público.
A história que emociona tantas pessoas
há mais de 40 anos também é acessível para aqueles que não podem escutar os diálogos, enxergar a movimentação da cena ou percorrer os nove cenários. Esse trabalho de inclusão é feito por voluntários, muitas vezes moradores da região, que entendem a importância do papel que desempenham.
A intérprete tradutora da Língua Brasileira de Sinais (Libras) Jaqueline Martins se reveza com o também voluntário Marcos Ribeiro
para levar aos surdos que viajam até Nova Jerusalém a compreensão dos
sons e diálogos que compõem a Paixão de Cristo. Posicionados sempre
próximos ao palco, eles contam com o apoio de uma lanterna, que ilumina
as mãos de forma que seja possível enxergar os sinais e alternar a
atenção entre a cena e o tradutor.
Filha de surdos, Jaqueline abraça a causa e ressalta a importância
de um trabalho como esse. “Muitos viam o espetáculo, a grandiosidade
dos cenários, mas não compreendiam o que os atores diziam.
O intérprete
escuta os diálogos e vai traduzindo, é natural. A gente que fala
[Libras] no dia a dia, quando se dá conta, as mãos já estão indo e
vindo”, conta a intérprete.
Surdo, o designer Tiago Albuquerque é um daqueles que
já assistira à Paixão, observando principalmente os cenários.
“Visualmente, é um espetáculo muito bonito. Eu vim quando mais novo, mas
agora fica mais claro com os tradutores”, explica.
O ator Alan Godinho
veio de São Paulo para Pernambuco especialmente para ver a Paixão de
Cristo de Nova Jerusalém, com os tradutores de Libras. “É um teatro
muito rico, claro que estou gostando, aproveitando essa oportunidade de
assistir com os tradutores. É famoso no Brasil inteiro. A questão da acessibilidade é muito importante para nós”, ressalta Godinho.
Audiodescrição
Batalhador desde muito jovem, o publicitário Milton Carvalho anda com seu cão-guia por
todos os lugares, inclusive pela Paixão de Cristo. Apaixonado por
cultura, Carvalho não perdeu a oportunidade de ir até Fazenda Nova para
conhecer melhor a peça através do trabalho das audiodescritoras.
“Isso é
algo espetacular, poder ter a dimensão das coisas. Sem a
audiodescrição, eu não conseguiria compreender, ela faz com que o
espetáculo seja para nós, que não podemos vê-lo, tão normal quanto para
qualquer outra pessoa”, afirma o publicitário.
Atuando em diversas áreas, as voluntárias Sílvia
Farias, Liliana Tavares e Thais Lima têm em comum a função de descrever a
montagem, para aqueles que não conseguem ver o que está ali.
“A gente
recebe um DVD e o roteiro do espetáculo. Assistimos e então fazemos o
nosso roteiro de audiodescrição, que contém desde cenários, figurinos,
atores, movimentação em cena e até mesmo o colega que está ao lado”,
explica Liliana.
O procedimento é relativamente simples. Andando em grupos,
elas observam tudo em volta e vão descrevendo. “A gente busca
ambientar, dizer quantas pessoas estão ao redor, se está nublado, se
alguém chegou, como estão vestidos, quem está sorrindo, quem está
chorando”, exemplifica Thaís, ressaltando que não se pode ficar preso ao
script. “O que a gente busca é que eles sejam incluídos, ou seja, rirem
quando todo mundo rir, chorarem quando todo mundo chorar”, diz.
Sílvia lembra ainda que a audiodescrição não incomoda ninguém, já que os pessoas com deficiência visual estão
com fones nos ouvidos e elas falam apenas no microfone.
"Conversar com
eles ao final é muito importante, para saber se conseguimos mesmo passar
as imagens do que estava acontecendo em cena. É a melhor parte o
trabalho”, acredita. “A audiodescrição pode e deve estar presente não só
na área cultural como na jurídica, na empresarial. Eu trabalho com
cultura porque é do que sou mais próxima, conheço mais para poder
falar”, explica Liliana.
Dificuldade de locomoção
A cidade-teatro tem cem mil metros quadrados e nove cenários. Embora não tenha muitos degraus, a locomoção com cadeiras de rodas não é fácil, ainda mais com inclinações muito acentuadas.
Há mais de vinte anos, segundo o presidente da Sociedade Teatral de Fazenda Nova (STFN), Robinson Pacheco, há pessoas para empurrar as cadeiras de roda durante o espetáculo.
Um dos voluntários é o enfermeiro Murilo Silva. Morando em Fazenda Nova, há quatro anos ele mostra a importância da conscientização.
“A gente se sente bem em ajudar o próximo. Incluir as pessoas dentro de
um espetáculo é algo muito importante, todos devem ter as mesmas
oportunidades”, acredita Murilo.
Aos 86 anos, Maria das Vitórias Araújo achava que não poderia mais assistir
ao espetáculo de Nova Jerusalém. “Quando vim da outra vez, ainda era no
meio do mato. Sabia que andava muito. Era muito corrido, eu sabia que
não ia aguentar tantas horas e andar tanto aqui”, admite. “Ia ser muito
complicado trazê-la se não tivesse a ajuda deles para empurrar”,
acredita a filha, Juracir Araújo.
Há cinco anos, as donas de casa Lúcia Nascimento e Daniela Santos trabalham como voluntárias empurrando as cadeiras
através dos cenários.
Embora seja um pouco cansativo, ambas afirmam que
vale a pena. “É tão divertido, você conhece cada dia uma pessoa
diferente, que te dá cada lição de vida. Enquanto a gente está aqui não
sente o cansaço, só depois mesmo”, explica Lúcia.
O serviço de audiodescrição e de tradução em Libras
foi fruto de uma parceria com o governo do estado e oferecido em apenas
um dia desta temporada. A questão, explica o presidente da STFN, não é
por ser caro, mas sim por uma questão de qualidade de serviço.
“Você não tem como ter o teatro com dez mil pessoas e dar a atenção
necessária, o espaço necessário para os grupos”, explica Robinson.
Paixão de Cristo
O espetáculo deste ano fica em cartaz até o sábado (30/03). Com direção de Carlos Reis e Lúcio Lombardi,
o espetáculo que conta os últimos dias de Jesus tem mais de 500 atores e
figurantes.
No elenco, estão os atores globais Marcos Pasquim,
interpretando o rei Herodes; Carol Castro dando vida a Maria Madalena, e
Carlos Casagrande fazendo o papel de Pilatos. Entre os pernambucanos,
José Barbosa faz Jesus pela segunda vez e Luciana Lyra interpreta Maria.
Quem sai do Recife de carro ou de ônibus tem duas
opções: a BR-232 e a PE-90. Para quem vem de outros estados, há as BRs
316, 116, 304, 101, 235, 110 e 104.
Os ingressos estão à venda no
estande da Paixão de Cristo, localizado no 1° andar do Shopping Center Recife,
próximo aos cinemas. Também é possível comprar nas bilheterias da
cidade-teatro e no escritório de Nova Jerusalém, pelo telefone (81)
3732.1129. Os ingressos variam de R$ 60 a R$ 90 e podendo ser pagos em
até 12 vezes no cartão de crédito, se comprados no site oficial.
Fonte: G1
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