A deficiência visual não impede que a capixaba Adrielle Helmer de Souza leve uma vida independente.
Muito pelo contrário, a própria vida a tornou uma mulher que outras pessoas passaram a depender. Aos 21 anos, ela é mãe de um menino de quatro anos, com deficiência auditiva, e de dois bebês gêmeos, de 11 meses, que também nasceram com deficiência visual. Morando no alto do bairro Jesus de Nazaré, em Vitória (ES), ainda faz parte da atarefada rotina ter que subir e descer o morro com os dois filhos mais novos no colo.
Adrielle nasceu sem conseguir ver nada, apenas vultos, mas aos oito anos teve a oportunidade de fazer uma cirurgia. Hoje, ela consegue enxergar 20% em um dos olhos.
"Nasci com catarata congênita, que é genética. Meus bebês também nasceram assim e eles enxergam parcialmente, só não sei falar quanto porque são muito novinhos. Ano que vem eles vão operar, colocar lentes, e vão conseguir ver melhor do que eu vejo. Já meu filho mais velho pegou meningite no hospital, depois que nasceu, e acabou perdendo a audição", explicou a mãe.
Apesar de não ter um emprego, a rotina de Adrielle é cheia de tarefas. Acorda às 5h para dar tempo de arrumar os três filhos para a escola. Os mais novos ficam na creche do bairro e o mais velho vai para uma escola bilingue, com educação especial para pessoas com deficiência auditiva, no bairro Ilha do Príncipe. "Preciso encarar o ônibus todos os dias. Muitas vezes é difícil enxergar o nome no ônibus, mas sempre tem alguém no ponto que me ajuda. Para aprender a andar nos coletivos tive que enfrentar o medo sozinha, mas deu certo. Depois de deixar o Matheus na escola, vou para o Instituto Braille para tomar café da manhã, que é oferecido de graça. De lá, saio para resolver outras pendências", relatou.
Entre os afazeres da tarde estão levar os filhos para a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) e também para o Hospital das Clínicas, todas as terças e quintas-feiras. Já no fim de semana, prefere ficar em casa, pela dificuldade de descer e subir o morro e uma escadaria com as crianças. "Eu até tenho um carrinho de gêmeos, que ganhei, mas o morro é muito empinado e não tenho força para controlá-lo na descida. Outro problema é que não tenho dinheiro para fazer as vontades dos meu filhos, então prefiro ficar em casa a vê-los me pedindo as coisas que não posso dar", explicou.
Estudos
Na adolescência, a capixaba não conseguiu concluir os estudos por conta das dificuldades da época. Já mais velha, ela conseguiu retornar para o ensino médio em uma escola do bairro que oferece supletivo, que inclusive aplica provas com as letras aumentadas, para pessoas como Adrielle. Em casa, ela consegue tempo para estudar apenas à noite, lendo as apostilas com uma lente de aumento.
O dia dela só termina por volta de 0h, quando termina todas as atividades. "Quero terminar os estudos e começar a trabalhar. Meu sonho é ser jornalista. Assim que conseguir um emprego, vou juntar dinheiro para comprar uma casa na parte de baixo do meu bairro, pois não aguento mais subir morros", falou.
Além disso, ela também precisou aprender o básico da comunicação em libras, para poder se comunicar com o filho mais velho. Agora, o próximo plano de Adrielle é começar aulas de braille no mês de abril, oferecidas gratuitamente no Instituto Luiz Braille. Apesar de conseguir ler as letras expandidas, esse outro tipo de leitura é sinônimo de menos esforço visual para a dona de casa.
Tarefas de casa
Apesar das dificuldades para conseguir um emprego, que incluem cuidar dos filhos e a própria deficiência, Adrielle não pode fugir das atividades em casa. Ela mora com o irmão, mas alega que ele não a ajuda. "Meu irmão não trabalha, tudo sou eu que faço, eu sustento a casa. Todo mês recebo um salário mínimo por causa do Matheus e R$ 200 do pai dos meus gêmeos, isso é tudo. A limpeza da casa também é por minha conta", contou.
A residência que mora foi deixada de herança pelo pai, que faleceu em 2011, para os três filhos, mas a irmã de Adrielle não vive no local. A capixaba contou que o pai era seu braço direito e maior incentivador. "Nunca tive exemplo de mãe, ela nos abandonou quando eu era criança, portanto meu pai era tudo para mim. Sempre tivemos tudo com muita dificuldade, como é hoje. Estou sempre precisando de doações de roupas e fraldas", disse.
Os cuidados com as crianças, desde o banho até a preparação das refeições, são de responsabilidade da mãe. "As pessoas sempre me param para falar que sou irresponsável, que fico andando para cima e para baixo com meus filhos sem conseguir ver direito o que está na minha frente. Mas o que eu posso fazer? Ficar parada em casa enquanto a vida passa? Não posso, não tem outro jeito. Têm horas que penso em chutar tudo para o alto, mas então olho para os meu filhos e penso 'eles precisam de mim'", explicou.
Fonte: G1
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