1 de abr. de 2014

Nem Lei Pelé pode assegurar amparo futuro a Laís Souza

Laís Souza, em cadeira de rodas, ao lado de pessoas da equipe médica


A lenta recuperação da ex-ginasta e esquiadora Laís Souza, que sofreu um sério acidente de esqui no final de janeiro, enquanto treinava para participar das Olimpíadas de inverno de Sochi, deixa inúmeras dúvidas a respeito de seu futuro, especialmente se irá recuperar o movimento dos membros inferiores e superiores. 


Mas se uma campanha para arrecadação de fundos pela internet, criada pelo COB (Comitê Olímpico Brasileiro), pode dar alguma segurança a Laís em relação ao futuro, legalmente é bom que ela e sua família se preparem para colher derrotas na Justiça, caso desejem pleitear alguma indenização por uma possível invalidez permanente.
 
O maior obstáculo para isso encontra-se na própria legislação esportiva. A Lei Pelé, que entrou em vigor em 1998 e teve com o principal conquista a abolição do passe no futebol, reconhece como atividade profissional apenas a dos jogadores de futebol. 


De acordo com o advogado Heraldo Panhoca, um dos autores do texto original da lei, na reforma de 2011 foi retirado um artigo que daria aos atletas olímpicos o mesmo respaldo concedido aos jogadores de futebol.


“O artigo 94, que modificou os artigos 28 e 45, tirando a obrigatoriedade dos clubes e entidades para considerar os atletas olímpicos também como profissionais, infelizmente impede que os atletas tenham seus direitos trabalhistas respeitados. 


Houve um lobby muito grande na época da mudança e a verdade é que ninguém está preocupado com o atleta brasileiro”, afirmou Panhoca, reforçando que, para a Lei Pelé, o único atleta profissional no Brasil é o jogador de futebol.
 
Sem direito a receber uma aposentadoria por invalidez do INSS, em razão do não reconhecimento da profissão de atleta olímpico, Laís Souza também teria problemas caso decidisse entrar com um processo contra algum clube ou entidade na Justiça do Trabalho. 


“A nova regulamentação da Lei Pelé deixa claro que ela é voltada para os atletas de futebol. Dificilmente um juiz daria ganho para uma causa como a dela, infelizmente”, analisou o advogado Marcos Motta, que participou do grupo que fez a revisão da Lei Pelé em 2011.
 
De acordo com Motta, a principal motivação para não incluir os atletas olímpicos na Lei Pelé foi a diferença de realidade entre o futebol e as demais modalidades. 


“Diversas entidades esportivas não teriam condições de arcar com os valores de uma causa como essa da Laís, por exemplo. Algumas destas confederações simplesmente quebrariam”, afirmou.


 A alternativa para os atletas, na opinião de Motta, seria ampliar o uso de seguros de vida mais abrangentes, como já existem em modalidades esportivas na Europa. "Isso ainda não é uma cultura bem aceita no Brasil", disse o jurista.


Esta visão não é compartilhada, porém, pelo advogado Alberto Murray, que durante muitos anos foi integrante da Assembleia Geral do COB (Comitê Olímpico Brasileiro) e atualmente é opositor e crítico declarado da gestão de Carlos Nuzman no comando do esporte olímpico brasileiro. 


 “Eu acho que existe, sim, vínculo empregatício entre os atletas e os clubes. Há subordinação hierárquica, dependência financeira, exclusividade, ou seja, todas as características da relação empregatícia. 


Na Justiça do Trabalho, o que vale para caracterizar a relação empregatícia é o que se vê na prática, não o que os clubes fazem em teoria”, disse Murray, que é neto de Sylvio de Magalhães Padilha, ex-presidente do COB.
 
“Não adianta os clubes dizerem que seus atletas não são profissionalizados se na prática os tratarem como empregados. E aí, sim, estão sujeitos a pagar todas as verbas e contribuições trabalhistas e previdenciárias, inclusive o INSS da Laís. 


No caso dela, há de se ver como é a relação dela com o seu clube, se é que ela está vinculada a algum”, explicou o jurista.


Mas em um ponto todos os advogados que foram ouvidos pelo concordam: os atletas olímpicos precisam lutar para mudar a lei e terão sua profissão reconhecida por lei. 


“Eles precisam fazer um trabalho político muito intenso para que exista uma mudança na lei. Do jeito que está hoje, eles realmente não têm como pleitear direitos trabalhistas”, afirmou Marcos Motta. 


“Acho que deveria haver uma alteração da Lei Pelé de forma a obrigar a profissionalização de todos os atleta, de todas as modalidades. Eles, na prática, já são profissionais, e a legislação está defasada em face do fato social”, afirmou Alberto Murray.



Foto: Jackson Memorial Hospital/Divulgação
 
Fonte: Esporte IG


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