30 de jun. de 2014

Falta de intérpretes dificulta o acesso de pessoas com deficiência auditiva à CNH

Foto de uma CNH


Toda vez que precisa sair com urgência de casa, seja para ir ao médico, à farmácia ou realizar qualquer atividade cotidiana, Cássio Oliveira Melo, 32 anos, com deficiência auditiva, precisa acionar a mãe, a aposentada Claudete de Oliveira Melo, para levá-lo de um local ao outro. 


Não que ele queira depender dela, mas a busca pela autonomia esbarra na dificuldade em obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), devido à ausência de intérpretes durante as provas teóricas exigidas pelo Departamento de Trânsito (Detran)


Mesmo após cinco tentativas, Cássio não conseguiu ser aprovado no exame, pois a estrutura da Língua Brasileira de Sinais (Libras), que ele usa para se comunicar, é diferente daquela da Língua Portuguesa, na qual a prova escrita é aplicada.


"Eu quero ter minha independência, mas não tenho escolha", explica Cássio. Ele, cuja esposa também é tem deficiência auditiva, está prestes a ser pai e se preocupa agora em depender ainda mais da ajuda de familiares, com a chegada do filho. 


"Quando o bebê nascer, se ele ficar doente, para levá-lo ao hospital eu vou ter que ligar para alguém ou chamar um táxi." 


Conforme conta, entre 2001 e 2010, foram cinco reprovas na prova teórica. "Além das dificuldades que desanimam o candidato com deficiência que quer dirigir, há também um prejuízo financeiro, já que a cada prova é preciso desembolsar R$170.


" E as dificuldades, lembrou, começam desde o curso de formação de condutores. "Não são todas as autoescolas que possuem intérpretes, a maioria apenas autoriza que o aluno leve alguém que traduza a aula para ele."


No caso das pessoas surdas, a prova teórica é aplicada juntamente com os candidatos ouvintes. Além de não terem acesso às orientações para o exame, que são faladas, os surdos não conseguem interpretar totalmente o exame escrito. 


"Se ele ler a palavra condutor na questão, por exemplo, ele não vai saber o significado, pois o sinal que ele conhece está associado à palavra motorista", explica o intérprete de Libras Alexandre Elias. 


Segundo ele, o surdo alfabetizado consegue ler, mas não interpretar a estrutura da frase do que está escrito. "A decodificação ocorre de forma diferente para quem se comunica em Libras." 


Alexandre, que criou uma campanha nas redes sociais denominada de Libras no Detran, defende os direitos das pessoas com deficiência auditiva. "Eles estão sendo lesados social e financeiramente."
 

Lei
 

Por lei, todos os órgãos públicos são obrigados a disponibilizar um intérprete de Libras, porém segundo o Detran-SP, não existe regulamentação federal para a aplicação de prova teórica adaptada para pessoas com deficiência auditiva. 


Apesar disso, informou, via sua assessoria de imprensa, que até o fim deste ano será implantado o banco de dados de questões da prova teórica adaptadas para os surdos, nas unidades com exame eletrônico. 


A iniciativa acontece em Brasília, por exemplo, onde as provas são aplicadas em vídeo para os deficientes auditivos. 


De acordo com o órgão, 53 unidades paulistas do Detran realizam a prova no computador e a mudança será gradativa em todo o Estado.


Em Sorocaba, porém, a prova teórica para CNH é realizada no papel e, segundo o órgão, nesse caso, o candidato surdo pode solicitar a prova adaptada aplicada por um intérprete de Libras, caso reprove na prova padrão, sem custos adicionais. 


Essa prova adaptada estaria disponível desde fevereiro na cidade, porém o auxiliar de logística Jonas Gonçalves Maciel, 22 anos, rebateu a informação. Conforme conta, a quarta e última tentativa de realizar o teste teórico aconteceu em maio. 


"Não havia intérprete do Detran e o delegado também não autorizou que ele entrasse com o intérprete próprio, como fez na autoescola", lembra a mãe, a diarista Maria Gonçalves Santos Maciel.
 
 
Alexandre apontou que o compromisso de disponibilizar um funcionário habilitado em Libras para a aplicação das provas aconteceu somente na última sexta-feira (20), em reunião com a direção da Circunscrição Regional de Trânsito (Ciretran). 
 
 
Funcionários do atendimento telefônico do Detran-SP não souberam dar informações sobre os procedimentos para solicitar a prova adaptada. 
 
 
Segundo nota do órgão, para isso,o candidato precisa se dirigir à unidade do Detran na qual fez o primeiro teste.
 
  A repercussão que a questão ganhou, devido à divulgação nas redes sociais, fez com que aumentassem as esperanças do jovem Rafael Xavier Pires em obter a carteira de motorista. 


Ele completou 18 anos em janeiro e, diante das dificuldades encontradas, não iniciou o processo para obter a habilitação. 


"Um grupo de amigos com deficiência auditiva baixa se dispôs a frequentar a autoescola com ele, para traduzir as aulas em Libras, mas de nada adianta a ajuda se na hora da prova ele não tiver as condições justas de ser avaliado", comenta a irmã, Camila Xavier Pires. 


Caso as mudanças prometidas ocorram, "em breve ele poderá usar o carro para trabalhar, estudar e, acima de tudo, não depender de ninguém", acredita.


Fonte: Cruzeiro do Sul

 
 
 

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