Apesar da alta tecnologia envolvida nos aparelhos auditivos
convencionais e aparelhos implantados, ainda são vários os desafios
enfrentados na reabilitação auditiva infantil.
De acordo com a
Organização Mundial da Saúde, há 32 milhões de crianças com idade
inferior aos 15 anos que possuem uma perda auditiva.
As causas da deficiência auditiva podem
ser hereditárias, passar dos pais para os filhos, adquiridas durante a
gravidez, ou no pós-natal.
Alguns fatores ambientais também podem causar
a deficiência auditiva, como infecções, drogas e traumatismos
cranianos.
Além de interferir no desenvolvimento
infantil, sobretudo no que diz respeito à linguagem, as dificuldades na
reabilitação auditiva podem trazer problemas na aquisição de
conhecimento e no desenvolvimento de habilidades auditivas pela criança.
Para aprofundar o tema, o Portal
Deficiência Auditiva conversou com a fonoaudióloga Andrea Cristina de
Oliveira Eichner, formada em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP), especializada em Audiologia Educacional
pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e sócia
diretora do Centro de Estudos e Reabilitação em Fonoaudiologia (CER
Fono).
Nesta entrevista, Andrea explica como
perceber se uma criança está sofrendo de perda auditiva; de que maneira
os tipos, graus e configurações das perdas auditivas na infância são
configurados; quais os principais problemas enfrentados pela criança na
reabilitação da sua audição; a importância do papel dos pais e
cuidadores para o sucesso do procedimento e a necessidade de incluir a
escola em todo o processo.
Andrea também toca num assunto polêmico da
questão: muitos pacientes têm dificuldade de ingressar em uma terapia de
reabilitação fonoaudiológica para desenvolvimento adequado de fala e
linguagem. Leia, a seguir:
Como perceber se uma criança está sofrendo ou tem perda auditiva?
Para crianças com perdas auditivas
sensório neurais severas e profundas congênitas, chama a atenção, logo
nos primeiros meses de vida, a ausência de respostas de qualquer
natureza para sons ambientais e vozes familiares.
Geralmente, elas não
se assustam ou acordam em presença de sons fortes, por exemplo um
cachorro latindo, uma porta que bate, fogos de artifício etc, assim como
não se acalmam ao ouvir a voz da mãe ou de outras pessoas familiares,
não procuram ou localizam a fonte sonora, quando motoramente já teriam
condição para isto, e não desenvolvem linguagem como o esperado
(espera-se que por volta de um ano a criança já compreenda ao menos 10
palavras que fazem parte de seu cotidiano e aos 15 meses, ou seja, 1
anos e 3 meses), já sejam capazes de produzir ao menos uma palavra com
significado.
Para perdas auditivas moderadas ou
leves, sensório neurais ou condutivas, o comportamento da criança é o
aspecto que mais chama a atenção.
Muitas das crianças com esta
característica de perda parecem desatentas e tornam-se agitadas pois
tentam buscar no ambiente, informações complementares a informação
auditiva que chega de forma deficitária.
Alguns pais queixam-se da
assistematicidade de resposta (ora a criança responde e atende
prontamente a ordens e solicitações, ora não).
Outro comportamento comum
para esta população é pedir para repetir por diversas vezes a
informação ou perguntarem com frequência/; que? Hã? O que você disse?
Trocas articulatórias (trocas de letras
na fala) ou um desenvolvimento de fala tardio também podem estar
relacionados a perdas com estas características, assim como um pobre
desenvolvimento de linguagem, quando comparado a outras crianças da
mesma faixa etária e mesma classe sociocultural.
Queixas escolares, como dificuldade de
aprendizado, também são comuns em pacientes com perdas auditivas mais
amenas. Os mesmos comportamentos podem ser observados em crianças com
perdas auditivas unilaterais.
É possível classificar os tipos de perda auditiva na infância?
Assim como em pacientes adultos, as
perdas auditivas na infância serão classificadas de acordo com o tipo,
grau e configuração.
O tipo de perda auditiva indica como ocorre a
passagem do som pelas vias auditivas, desde a sua entrada até o córtex.
Quando o som encontra algum obstáculo à sua passagem, por problemas de
orelha externa e/ou orelha média, temos as chamadas perdas auditivas
condutivas (ex: otites); quando a dificuldade está na transdução/
transformação da energia acústica em energia elétrica por lesão na
orelha interna, temos as perdas neurossensoriais ou sensório neurais
(ex: presbiacusia).
As perdas auditivas centrais, por sua vez, surgem
quando há problemas em algum ponto das vias auditivas centrais (Ex:
neurinoma) As perdas auditivas condutivas e neurossensoriais podem
aparecer associadas. Neste caso, são denominadas como perdas auditivas
mistas.
O grau da perda auditiva indica a sua severidade, podendo ser
classificada como leve, moderada, severa ou profunda.
A configuração nos
diz em que região frequencial existe maior comprometimento (ex: perda
auditiva descendente refere-se a um maior comprometimento na região de
frequências agudas)
As perdas auditivas também podem ser
classificadas como unilaterais, quando acometem apenas uma orelha ou
bilaterais, quando acometem as duas orelhas
Como a perda auditiva pode interferir no desenvolvimento da criança?
A perda auditiva pode trazer uma série
de problemas para o desenvolvimento infantil, estando a maior parte
deles relacionados ao desenvolvimento de fala e linguagem.
Podem ocorrer
atrasos na aquisição ou no processo de desenvolvimento de linguagem,
trocas fonêmicas/ articulatórias.
O impacto causado pela perda auditiva
na infância dependerá de uma serie de fatores, tais como grau e
configuração da perda auditiva, tipo de perda, idade do diagnóstico e
intervenção (para perdas congênitas) ou idade do aparecimento desta
perda, no caso de perdas adquiridas, uso de correção adequado,
realização de acompanhamento fonoaudiológico, presença de outras
patologias associadas, entre outros.
PROCESSO DE REABILITAÇÃO AUDITIVA
A partir de qual idade é possível fazer a reabilitação da perda auditiva?
A reabilitação da perda auditiva deve
ser realizada o mais precocemente possível.
Com a realização da triagem
auditiva neonatal, o diagnóstico de perdas auditivas congênitas, mesmo
de grau leve, tem-se realizado nos primeiros meses de vida.
Desde este
momento é possível a introdução do bebê e da família em um processo de
reabilitação auditiva, sendo que este terá como objetivo inicial a
seleção e adaptação do dispositivo auditivo mais adequado para a criança
e a orientação dos familiares sobre estimulação auditiva e de
linguagem, assim como o acompanhamento do desenvolvimento das
habilidades auditivas e de fala e linguagem.
Qual é o maior desafio encontrado para a reabilitação da criança com perda auditiva?
Ainda encontramos muitos desafios para a
reabilitação de crianças com perdas auditivas, apesar do grande
desenvolvimento tecnológico observado tanto em relação aos aparelhos
auditivos convencionais como aos aparelhos implantados (aparelhos
auditivos ancorados ao osso, implantes cocleares, próteses auditivas
implantáveis e semi-implantáveis).
A triagem auditiva neonatal universal
foi implementada, porém o segmento das crianças que falham nesta
triagem ainda ocorre de maneira deficitária, o que dificulta o
diagnóstico precoce.
A escassez de serviços de reabilitação auditiva com
profissionais aptos para o atendimento desta população também dificulta
o processo.
Os dispositivos auditivos (aparelhos convencionais e
implantes cocleares) tornaram-se mais acessíveis com a implementação e
ampliação dos serviços de atenção auditiva, porém, muitos pacientes
continuam com dificuldade de ingressar em uma terapia de reabilitação
fonoaudiológica para desenvolvimento adequado de fala e linguagem.
O
pouco conhecimento do impacto causado ao desenvolvimento infantil, nos
casos de perdas leves e moderadas, sejam elas condutivas ou
neurossensoriais, assim como nas perdas unilaterais também têm-se
mostrado um entrave para a intervenção precoce nestes casos.
É possível enumerar os fatores de sucesso para a reabilitação da perda auditiva numa criança? Quais?
É possível enumerar alguns dos fatores
que contribuem para o sucesso da reabilitação auditiva, dentre estes
estão: o diagnóstico precoce; seleção e adaptação do dispositivo
auditivo mais adequado (aparelho auditivo ou implante coclear) para o
paciente, realização de terapia fonoaudiológica; orientação familiar;
adesão ao tratamento, orientação da equipe escolar (caso a criança já
frequente escola).
Por quê é importante começar a reabilitação de perda auditiva o mais cedo possível?
O adequado acesso à informação auditiva
favorecerá o adequado desenvolvimento de fala e linguagem oral, assim
como facilitará a aquisição de conhecimento e desenvolvimento de
habilidades auditivas. Quando realizado precocemente, será favorecido
pelo “período crítico do desenvolvimento”.
De que maneira se dá a reabilitação?
Existem diversas abordagens terapêuticas
para a reabilitação auditiva. Para que o paciente seja adequadamente
reabilitado é necessário: diagnóstico (pode ser realizado através de
medidas objetivas, como os exames eletrofisiológicos e/ou
comportamentais); seleção e adaptação adequada do dispositivo auditivo
(aparelho auditivo ou implante coclear), terapia de estimulação
auditiva, de fala e linguagem, orientação familiar.
A duração da reabilitação dependerá de
uma série de fatores, como tempo para a realização do diagnóstico,
adequada seleção e adaptação do dispositivo auditivo, necessidade de
substituição do dispositivo, tempo diário de uso do equipamento, adesão
ao tratamento, envolvimento familiar, presença de outros
comprometimentos (visual, intelectual etc), não sendo possível predizer o
tempo de reabilitação.
Há diferenças na reabilitação com aparelhos auditivos e na reabilitação do IC? Quais e por quê isso acontece?
Os aparelhos auditivos convencionais e
os implantes cocleares processam a informação de maneira diferente.
Nos
aparelhos convencionais, o paciente recebe informação acústica (som) e
este será transformado em energia elétrica pelo próprio sistema
auditivo.
Nos implantes cocleares, a transdução da informação sonora em
informação elétrica é realizada pelo equipamento.
Apesar desta diferença
no processamento da informação acústica, o processo de reabilitação
oral de pacientes usuários de prótese e usuários de implante coclear é
realizado da mesma maneira, sendo necessário, apenas, que o reabilitador
conheça as especificidades de cada sistema.
Como a família deve proceder durante a fase de descoberta da perda e a reabilitação?
A família de uma criança diagnosticada
com perda auditiva poderá passar por uma série de processos até atingir a
aceitação, como luto, negação da perda auditiva etc.
Neste momento, é
importante que a família se sinta amparada pela equipe que a atende e
tenha liberdade para conversar com os profissionais sobre seus medos,
desejos, expectativas, frustrações. Este vínculo facilitará o processo e
garantirá a adesão da família ao tratamento.
É importante inserir a escola neste contexto?
É fundamental a inclusão da escola no
processo de reabilitação do paciente. A equipe escolar deve ser
orientada quanto ao uso de estratégias de comunicação, uso de sistemas
auxiliares (como o sistema de FM), necessidade de adaptações etc, assim
como oferecerá ao terapeuta uma série de informações importantes sobre o
uso da linguagem deste paciente com seus pares da mesma faixa etária,
sobre o funcionamento do dispositivo auditivo em diferentes situações de
escuta (em presença de ruído competitivo, em ambientes com sinal de
fala degradados, como uma quadra em que haja a presença de eco).
É uma
troca enriquecedora tanto para a escola como para o terapeuta. O uso
exclusivo de dispositivos auditivos nem sempre é suficiente para
garantir a compreensão de fala em ambientes de escuta desfavoráveis.
Neste caso, o uso de sistemas auxiliares, como o sistema de FM, pode
ajudar, pois melhora a relação entre voz e ruído ambiental, elimina
dificuldades causadas pela distância e posicionamento entre aluno e
professor na sala de aula.
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Fonte: Diversidade na Rua
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