31 de ago. de 2015

Escritor com síndrome rara conhece o mundo através dos pais e de livros

Foto de Ricardo deitado em sua cama


Sem um diagnóstico preciso, médicos definiram dois anos como expectativa de vida para um escritor nascido em Belo Horizonte. 


Contrariando essa previsão, Ricardo Luiz de Bastos, conhecido como Rick, completou 46 anos. Ele possui a síndrome de Langer-Giedion, uma alteração genética rara. 


Na cama desde 1997, Ricardo conta com o apoio da família, da internet e dos livros para conhecer o mundo.


“As principais características da síndrome são dismorfismos faciais e crescimento ósseo exagerado em alguns locais do corpo, como ossos longos, escápulas e costelas”, explicou a doutora Melissa Machado Viana, especialista em genética médica.

“Pode ocorrer também perda auditiva, com atraso na fala, e deficiência intelectual”, acrescentou.


De acordo com a médica, a síndrome é tão rara que não há um cálculo da incidência da doença no mundo. 


“Fazendo um levantamento dos casos publicados em artigos científicos, acredito que existam, no máximo, 100 casos publicados até o momento”, disse a geneticista.

Poucos minutos de conversa com Rick mostram uma pessoa otimista e inteligente. 


Escritor e leitor voraz, ele chega a ler 50 títulos por ano e possui um livro publicado de maneira independente. “As nuvens”, de 2007, reúne reflexões do autor sobre o que ele vê da janela do quarto: o céu. 


O aniversariante atualiza um blog e já teve um poema selecionado para uma antologia.


Para o casal Ithiel de Bastos, 80, e Denize Mileita Mileu de Bastos, 77, a chegada do filho foi uma benção. 


“Nós achamos que Deus deu esse presente para nós, nós precisávamos disso. Ele é a força nossa, o vigor nosso, a mola mestra das nossas vidas”, disse o aposentado.

Rick possui um irmão mais velho, Ithiel de Bastos Júnior, que é pai de Gabriel, 16, “o xodó do tio”, comentou Denize.


“Rick veio ao mundo para lutar, quebrar barreiras e vencer”, definiu a mãe.
  
De acordo com os pais, o diagnóstico da síndrome veio tarde porque o estudo da genética ainda estava numa fase inicial. 


Para eles, ainda hoje é difícil estabelecer o desenvolvimento da doença, pois nem todos que a possuem manifestam as mesmas características.


Desde jovem, Ricardo sofria fraturas, quebrando vários ossos de uma só vez. Ele é formado no ensino médio e, segundo os pais, sempre se esforçou bastante para estudar, mesmo quando teve grande parte do corpo engessada. A última queda, há 18 anos, foi responsável por deixá-lo na cama.


Além do acompanhamento de profissionais, como nutrólogo, fisioterapeuta e dentista, a rotina de Rick é preenchida por livros, filmes e acesso a redes sociais. 


“Internet para mim é tudo! Converso com as pessoas, meus amigos, leio as notícias... Eu saio dessa vida do dia a dia e passo para um patamar que vai além dos meus limites. São coisas que eu poderia fazer se eu pudesse andar”, explicou.


Com relação à literatura, Ricardo de Bastos gosta de histórias motivacionais e textos religiosos.  


A roda da vida”, de Elisabeth Kübler-Ross, e “Uma vida sem limites”, de Nick Vujicic, são obras que marcaram a trajetória do leitor.


Ele também admira jovens escritores nacionais, como Maurício Gomyde, Lu Piras e Samanta Holtz. 


“As histórias e o jeito poético e reflexivo com que os autores prendem a minha atenção e deixam o meu mundo mais alegre e divertido foram razões que despertaram o meu gosto pela literatura”, disse Ricardo.


Como ele não pode sair do quarto, os pais frequentam eventos literários para conhecer escritores, pegar autógrafos e participar de rodas de discussão. 


“Fazemos isso por amor. Já somos até conhecidos. Às vezes, quando eu chego, já dizem: ‘Olha lá a mãe do Rick!", comentou Denize. 


“Eu sinto que parte de mim está lá com eles”, completou Ricardo.


Sobre o futuro, Rick deseja que um dia a tecnologia se desenvolva a ponto de ajudá-lo a melhorar. 


“Para eu voltar a ser pelo menos um pouquinho independente”, respondeu. 


Através de fotos, relatos, filmes, músicas e livros, Ricardo conhece a vida.  


“É o mundo em que eu queria viver”, definiu.


No Facebook, Rick Bastos criou a página “LGS Community”, usada para reunir outros casos da síndrome de Langer-Giedion espalhados pelo mundo. 


“Fiz essa comunidade justamente para buscar pessoas que tenham a síndrome e poder, de alguma maneira, ajudá-las”, explicou o escritor.




 

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