Pesquisadores do Laboratório do Sono do Instituto do Coração (Incor)
do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP)
desenvolveram uma técnica de tratamento pioneira que, se praticada
diariamente e com orientação de fonoaudiológo, reduz a frequência e a
altura do ronco até ele se tornar quase imperceptível, em alguns casos.
A
nova técnica é efetiva também no tratamento da apneia do sono de grau
leve e moderado, diminuindo o número de engasgos durante a noite.
O
estudo brasileiro foi publicado na revista acadêmica CHEST e seus
resultados surpreenderam a comunidade médica e a imprensa internacional.
Segundo estimativas, cerca de 54% da população adulta sofre de
ronco: com grande prevalência em obesos, idosos e mulheres na
pós-menopausa.
E, a depender das estatísticas, os brasileiros vão roncar
cada vez mais, já que dois dos fatores que levam ao ronco continuam a
crescer no País: a obesidade atinge 18% da população, e a progressão da
idade continua a avançar (em 2030, 13% dos brasileiros terão mais de 65
anos).
O prejuízo não é apenas das horas de sono ou do estigma social. O
ronco pode ser um dos sinais de um problema ainda mais grave: a apneia
obstrutiva do sono, fator de risco importante para as doenças
cardiovasculares.
“Até hoje não havia registro científico de um tratamento que
combinasse eficácia nos resultados e facilidade para a adesão do
paciente à terapia. Acreditamos que a técnica brasileira está tendo essa
repercussão por unir essas duas características”, diz o doutor Geraldo
Lorenzi Filho, pneumologista e diretor do Laboratório do Sono que
orientou a pesquisa de desenvolvimento da técnica antironco do Incor.
Os tratamentos existentes para o ronco são muitos e incluem desde
cirurgias para desobstrução das vias aéreas superiores, implantes no
palato, dispositivos intra-orais até orientações para perda de peso e
mudança postural. O grande problema da maior parte dos estudos até hoje é
que o ronco não foi medido de forma objetiva.
Exercícios
A técnica Incor de tratamento do ronco consiste numa série de seis
exercícios para fortalecer os músculos envolvidos direta ou
indiretamente na produção do ronco e na apneia obstrutiva do sono.
Com
duração de oito minutos, os exercícios são realizados três vezes ao dia
e, para facilitar ainda mais a adesão do paciente ao tratamento, sempre
incorporados às atividades rotineiras (como se alimentar, escovar os
dentes ou no percurso para o trabalho, por exemplo).
“Embora seja de fácil execução e não tenha qualquer contraindicação,
os exercícios devem ser prescritos, orientados e acompanhados por
profissionais especializados”, reforça a fonoaudióloga Vanessa Ieto,
autora do estudo que resultou na nova técnica.
Essa medida é necessária para que os desvios na execução dos
exercícios sejam diagnosticados e corrigidos ao longo do tratamento.
“Ao
fazer o movimento errado, seja por um milímetro, serão trabalhados
músculos que nada têm a ver com a cessação do ronco”, explica a
especialista do Incor.
De forma simplificada, os seis exercícios que compõem o tratamento
antirronco do Incor são:
- Empurrar a língua contra o céu da boca e deslizá-la para trás;
- Sugar a língua para cima, pressionando-a por completo contra o céu da boca;
- Forçar a parte posterior da língua contra o “chão” da boca, mantendo a sua ponta em contato com os dentes incisivos inferiores;
- Elevar a parte de trás do céu da boca e a úvula (conhecida popularmente como “campainha”) enquanto diz a vogal “A”;
- Posicionar o dedo na parte interna da bochecha entre os dentes e pressionar a bochecha para fora (cada lado da boca);
- Durante a alimentação, manter uma mastigação bilateral alternada e deglutição usando a língua no palato.
A pesquisa
A técnica do Incor foi testada num grupo de 39 pacientes adultos (de 20 a
65 anos), de ambos os sexos, com queixas de ronco.
Ela é uma evolução
(porque mais simplificada e, portanto, de melhor adesão do paciente), de
outra técnica também inédita desenvolvida pelo Laboratório de Sono do
Incor, para tratamento da apneia do sono de grau moderado, que foi a
tese da fonoaudióloga Katia Guimarães.
Segundo o doutor Lorenzi Filho, a simplificação da técnica original
para o tratamento também do ronco só foi possível porque agora se
consegue medir o ronco objetivamente, graças a outra tecnologia inédita
desenvolvida pela parceria do Incor com o Instituto de Física (IF) da
USP.
O aparelho de registro contínuo do ronco grava os sons
concomitantemente à polissonografia e, por meio de um software, analisa e
registra a intensidade e a frequência do ronco.
“Antes disso, não
tínhamos como medir o ronco de forma objetiva e, portanto, era-nos
impossível avaliar também a sua melhora por meio dos exercícios”.
Por meio do exame de polissonografia e do registro contínuo do ronco,
os participantes do estudo foram diagnosticados em três grupos: ronco
primário ou aquele associado à apneia obstrutiva do sono de grau leve ou
moderado.
Depois disso, eles foram divididos em dois grupos: um que fazia os
exercícios do Incor e o outro que foi submetido somente a exercícios
respiratórios e uso de dilatador nasal.
Além disso, a percepção do ronco
foi avaliada pelo paciente e pelo seu parceiro de quarto, por meio da
aplicação de questionário.
O Grupo Controle não apresentou variação no ronco. Em contrapartida, o
da Terapia obteve melhora significativa, segundo a percepção dos
companheiros de quarto dos roncadores.
A realização de novos exames registrou que houve diminuição da
frequência do ronco em 36% e de 60% em sua potência, que representa o
barulho total do ronco durante a noite.
Outro benefício não menos
importante para o Grupo Terapia foi uma relevante, embora
suave,diminuição da circunferência do pescoço, a conhecida “papada”.
Além do peso, da idade e, no caso das mulheres, o período
pós-menopausa, existem outros fatores que levam ao ronco primário ou à
piora daquele associado à apneia obstrutiva do sono, como explica
Lorenzi Filho.
“Dormir de barriga para cima é uma delas, porque a língua cai para
trás e obstrui a faringe; o consumo de álcool e de sedativos é outra,
uma vez que eles relaxam a musculatura dessa região, favorecendo sua
vibração ou colapso”.
Além de se esmerar nos exercícios antironco, os
roncadores têm que maneirar na bebida alcoólica, para não deixarem seu
companheiro de quarto insone.
Ronco e apneia
A apneia obstrutiva do sono é caracterizada pela obstrução parcial
(hipopneia) e/ou total das vias aéreas (apneia) recorrente durante a
noite (nesse último caso, ocorre a parada da respiração por pelo menos
dez segundos nos adultos). O ronco está presente em 70% a 95% dos casos
de apneia.
A gravidade da apneia obstrutiva do sono é determinada pelo número de
ocorrências de paradas da respiração por hora de sono: leve (5 a 15
paradas por hora), moderada (15 a 30) e grave (mais do que 30 eventos ou
engasgos por hora de sono).
“Existem pacientes que possuem dois ou três eventos de apneia por
minuto”, comenta a fonoaudióloga Vanessa.
Para esses casos,
caracterizados como graves, o tratamento indicado é o uso do aparelho
CPAP (Continuos Positive Airway Pressure/pressão positiva contínua na
via aérea.
A diminuição do fluxo de ar para os pulmões e as paradas
respiratórias resultam numa menor oxigenação do sangue e em alterações
no sistema nervoso autônomo (simpático) que, somadas, acionam uma
cascata de alterações no metabolismo.
Estão firmadas, assim, as bases
para o surgimento e/ou agravamento da hipertensão, da aterosclerose e da
obesidade, todos eles fatores de risco isolados para as doenças
cardiovasculares, as que mais matam no mundo. Quando conjugados, eles
aumentam ainda mais o risco de infarto, AVC e arritmias.
De acordo com estudo realizado na cidade de São Paulo pelo Instituto
do Sono, um a cada três adultos tem algum grau de apneia obstrutiva do
sono.
Grande parte dessas pessoas segue sem diagnóstico e, portanto, sem
tratamento, o que aumenta enormemente o risco das doenças cardíacas.
“A
presença do ronco pode ser um termômetro para que mais pessoas procurem
o médico, seja diagnosticadas e tratadas”, alerta o Dr. Lorenzi Filho.
Os sintomas mais comuns da apneia são o ronco e a sonolência
excessiva diurna. Em casos mais graves, pode ocorrer ainda sensação de
sufocamento, ao acordar nas interrupções mais prolongadas da respiração.
O sono interrompido provoca cansaço, dificuldade de concentração,
irritabilidade, depressão, redução da libido, impotência sexual e
cefaléia.
Fonte:Agência USP de Notícias
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