Durante reunião em Genebra, Organização
das Nações Unidas criticou modelo assistencialista brasileiro e
ressaltou que o País ignora os direitos básicos do cidadão com
deficiência e seu papel na sociedade.
A reportagem foi cedida
especialmente ao blog Vencer Limites pelo jornalista Jamil Chade.
A Organização das Nações Unidas (ONU)
alerta que o governo brasileiro ainda lida com pessoas com deficiência
por meio de políticas assistencialistas, e não na perspectiva de
direitos humanos.
A entidade examina pela primeira vez a situação no
Brasil, indicou que o número de pessoas internadas em instituições ainda
é elevada e que não existem medidas suficientes para que uma pessoa com
deficiência possa viver de forma autônoma.
A avaliação ocorreu dentro
do mecanismo do Comitê dos Direitos de Pessoas com Deficiências, reunido
desde ontem, e que analisa todos os países.
“As políticas e leis no Brasil parecem presas no modelo médico da deficiência”, afirmou Theresia Degener, relatora do Comitê.
“Aparentemente, o modelo de direitos humanos dos deficientes não tem sido adotado até agora”, criticou.
Entre os especialistas, o modelo médico da
deficiência considera a questão como uma doença, ignorando o papel dessa
pessoa na sociedade ou seus direitos.
O modelo é considerado como
ultrapassado e tem base em políticas assistencialistas.
“O Brasil tem mostrado progresso. Mas ainda não é suficiente”, alertou Degerener.
Theresia também alerta para a questão da
tutela e do fato de que poucos grupos de pessoas com deficiência têm
sido consultados na elaboração de leis.
Cobra, ainda, uma campanha de
conscientização da população sobre a questão e desafios enfrentados por
esses cidadãos. Outro problema é o grau de institucionalização.
Theresia admite que existe uma queda no número de pessoas internadas em
instituições. Mas o volume total ainda seria elevado.
“Muitas pessoas ainda estão detidas na base da deficiência e muitos são forçados a viver em instituições ou com membros de suas famílias por que não existem serviços para garantir uma vida independente nem programas de assistência pessoal” declarou.
Cerca de 11 mil pessoas, contando apenas
aquelas com deficiência física, estariam em instituições, segundo a ONU.
A
relatora ainda apontou que tem recebido dezenas de acusações de tortura
em alguns desses centros e o próprio governo admitiu que, entre 2011 e
2014, mais de 31 mil processos foram abertos por violações contra
pessoas com deficiência.
Brasil não garante vida independente a pessoas com deficiência, diz ONU
Pepe
Vargas, ministro de Direitos Humanos e que defendeu a posição do
governo, declarou em Genebra que o Brasil está dando “largos passos para
sair do assistencialismo”.
Ele admite que “muito precisa ser feito para
garantir os direitos” das pessoas com deficiência, mas garante que, nos
próximos anos, o Brasil irá superar o modelo assistencialista.
O
ministro ainda apresentou uma série de leis criadas nos últimos anos
para garantir direitos às pessoas com deficiência, entre eles o acesso a
transporte, habitação, nas comunicações e mesmo na Internet.
Vargas
acredita que existe “uma confusão” por parte da relatora da ONU e
insiste que a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) mudou no Brasil.
“Temos uma lei que prevê uma substituição do modelo”, declarou.
Segundo ele,
não existe mais a situação de manicômios no País e a mudança está
ocorrendo, inclusive para garantir benefícios sociais no Ministério da
Previdência.
Para a perita da ONU Silvia Chang, porém, as informações
recebidas pela entidade indicam que a institucionalização de cidadãos
com deficiência é ainda permitida, sem o consentimento da pessoa.
Críticas
A sociedade civil também
apresentou um informe denunciando problemas no País.
Segundo o
documento, uma pessoa com deficiência no Brasil ainda vive com sérias
dificuldades para ter acesso aos mesmos locais que o restante da
população, seja por falta de infraestrutura adequada ou por falta de
treinamento de professores, motoristas e gestores.
“A falta de acesso
tem sido a maior barreira a ser superada no Brasil”, alertou o informe
apresentado pela Associação Brasileira para Ação por Direitos das
Pessoas com Autismo (Abraça), a Fraternidade Cristã de Pessoas com
Deficiência do Brasil (FCD), o Instituto Baresi e a Rede Brasileira do
Movimento de Vida Independente, entre outras.
Uma lei de 2000
estabelecia até 2010 para que todo o transporte público fosse adaptado.
“Mas muitas empresas ainda não cumprem a lei”, acusaram as entidades.
Ônibus interestaduais e muitas empresas de transporte urbano ainda não
teriam instalado elevadores para cadeiras de roda. Motoristas não foram
instruídos a operar o sistema, quando existe, e não são poucos os casos
de ônibus de linhas urbanas que “aceleram quando uma pessoas com
deficiência está em um ponto”.
Falta de acesso tem sido a maior barreira a ser superada no Brasil
Segundo
as entidades, o governo tem feito esforços para adaptar os aeroportos,
mas o mesmo compromisso não é visto com metrôs, trens e outros
transportes.
Os edifícios públicos teriam de ter sido adaptados até
2009. “Mas muitos ainda não estão”, alerta o documento.
Um dos
peritos da ONU, Stig Langvad, relatou como ele mesmo sofreu para
circular pelo Rio de Janeiro, no ano de 2000.
“Há 15 anos, eu estive no Brasil e não havia ônibus, não havia metrô adequado, não havia hotéis”, contou.
Ele relatou como tentou ir ao estádio do Maracanã e teve de
retornar. Também contou que fez um passeio pelo centro da cidade, mas
não conseguiu entrar em nenhum lugar.
A representação do governo
garantiu que muito mudou desde então. “Se melhorou tanto, porque não me
convida para ver?”, cobrou o perito.
Outros peritos da ONU, como
Munthian Buntan e Damjian Tatic, também cobraram explicações, alertando
que as leis podem existir. Mas não haveria garantias de que elas têm
sido adotadas.
Com mais de 46 milhões de pessoas com
deficiências no Brasil, as ONGs também apontam que nem mesmo as
construtoras têm erguido os novos apartamentos dentro dos padrões
exigidos pela lei para garantir a circulação de cadeiras de roda ou
acesso aos banheiros.
Nos centros de saúde, a questão do acesso é ainda
um obstáculo. Um levantamento apresentado à ONU aponta que, de 241
unidades de saúde avaliadas em sete Estados, 60% delas não estavam
adequadas a receber pessoas com deficiência.
As políticas de emprego
tiveram certos avanços, mas enquanto o Brasil gerou 6,5 milhões de
postos de trabalho entre 2007 e 2010, 42 mil empregos para pessoas com
deficiência foram fechados.
Nas escolas, a falta de assistência
especializada é a barreira. Em 2008, 93 mil estudantes com deficiência
foram inscritos na rede pública. Em 2014, esse número caiu para 61 mil.
Os
peritos da ONU também alertam para a situação das crianças. Para Hyung
Kim, crianças brasileiras com deficiências ainda têm problemas para ter
acesso a escolas.
Para Diana Kingston, os dados recebidos pela ONU
mostram que “muitas crianças ainda vivem em instituições”.
Para o
governo, o acesso à escola avança, mas ainda tem desafios para garantir a
universalização.
Fonte: Diversidade na Rua
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