O ex-astronauta Duane Graveline, da Nasa, voltava para
casa, em Merritt Island, na Flórida, depois de uma caminhada numa manhã
de 1999 quando, de repente, percebeu que não conseguia lembrar onde
estava. Graveline, na época com 68 anos, cumprimentou sua mulher, na
frente da casa deles, como se ela fosse uma estranha.
Quando sua memória
voltou, cerca de seis horas depois, ele se perguntou o que poderia ter
provocado aquele surto de amnésia. Só uma coisa lhe veio à mente: poucos
dias antes ele tinha começado a tomar um remédio à base de estatina.
A
substância que baixa os níveis de colesterol, é usada em alguns dos
medicamentos mais prescritos no mundo com esse propósito – e já salvou a
vida de muitos pacientes cardíacos.
Entretanto, recentemente um pequeno
número de usuários tem apresentado inesperados efeitos colaterais no
campo da cognição, como perda de memória, confusão mental e dificuldade
de aprendizagem.
Centenas de pessoas já se
queixaram das estatinas à MedWatch (a base de dados da Administração de
Controle de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos), mas poucos
estudos sobre o tema foram realizados até agora.
Vários especialistas,
no entanto, acreditam que uma pequena parcela dos usuários corre risco.
Ainda assim, é importante alertar o público sobre possíveis efeitos
colaterais da estatina que podem ser confundidos com sintomas de
demência em pacientes idosos.
Não é absurdo
relacionar essas drogas à cognição, já que um quarto de todo o
colesterol do organismo se encontra no cérebro.
Sua textura é
semelhante à da cera, que tem, entre outras funções, ajudar a formar a
estrutura das membranas celulares.
Níveis elevados aumentam o risco de
doenças cardíacas porque as moléculas que transportam o colesterol podem
danificar artérias e bloquear o fluxo sanguíneo.
O colesterol
desempenha papel fundamental na formação de conexões neurais – ligações
vitais que constituem a base da memória e da aprendizagem.
O raciocínio
rápido e a reação imediata também dependem do colesterol, pois essas
moléculas funcionam como “tijolos”, formando o revestimento que isola os
neurônios e acelera a propagação de sinais elétricos.
“Não entendemos
como uma droga que age num percurso tão importante não teria reações
adversas”, comenta Ralph Edwards, ex-diretor do Centro de Monitoramento
de Drogas da Organização Mundial da Saúde (OMS) em Uppsala, na Suécia.
Testes
publicados pelo farmacologista clínico Matthew Muldoon, da Universidade
de Pittsburgh, sugerem relação entre estatina e problemas cognitivos.
Um deles, realizado com 209 participantes com altos níveis de
colesterol, mostrou que pessoas que ingeriram pílulas de placebo tiveram
melhor desempenho em testes de atenção e de tempo de reação medidos
durante seis meses do que os voluntários que tomavam estatina. Eles se
saíram melhor provavelmente em razão da repetição de exercícios, como
geralmente ocorre.
Outro estudo, realizado com 60 usuários de estatina
que relataram problemas de memória, publicado no periódico científico
Reviews of Therapeutics, revelou que mais da metade afirmou que os
sintomas melhoraram quando pararam de ingerir o medicamento.
Muitos
especialistas concordam que para a maioria das pessoas o risco de usar
estatinas é pequeno.
Os efeitos adversos, porém, parecem consideráveis.
Alguns pesquisadores acreditam que as vítimas têm perfil genético que as
predispõe ao risco.
A médica Beatrice A. Golomb, professora da
Universidade da Califórnia, em San Diego, sugere que pacientes com
defeitos nas mitocôndrias (estruturas celulares que produzem energia)
podem formar um grupo de risco.
A estatina impede que o organismo
produza um antioxidante capaz de neutralizar a ação prejudicial dos
radicais livres criados pela atividade mitocondrial.
Se as células do
cérebro, que consomem grandes quantidades de energia, já tiverem
problemas, a terapia com estatinas poderá potencializar danos, causando,
por exemplo, o comprometimento da aprendizagem.
A
teoria de Golomb foi reforçada por um estudo coordenado pela
geneticista Georgirene Vladutiu, da Universidade de Buffalo.
Ela
observou que usuários de estatinas que relataram efeitos colaterais como
dores musculares estão mais propensos a apresentar falhas genéticas
preexistentes relacionadas à produção de energia celular.
Curiosamente,
porém, alguns estudos também sugerem que as estatinas parecem melhorar a
memória de algumas pessoas, diminuindo o risco de demência.
Esse efeito
benéfico surge porque o colesterol está envolvido na produção de
proteínas indicadoras de doenças degenerativas, como Alzheimer e
Parkinson. Ou seja: mesmo que a estatina seja neurologicamente
vantajosa para alguns ela pode ser problemática para outros, visto
que os efeitos colaterais provavelmente surgem devido a variadas reações
bioquímicas.
Como as estatinas têm fórmulas
diferentes, é possível que interfiram em inúmeros processos mentais, e,
como os usuários têm diferentes predisposições genéticas, a simples
troca de medicamento pode ajudar aqueles que estão recebendo sinais de
alerta, como esquecer nomes de pessoas conhecidas e até próximas com
muita frequência.
Em um estudo de 2009 publicado no periódico
Pharmacotherapy, Golomb e Marcella A. Evans, aluna de pós-graduação da
Universidade da Califórnia em Irvine, analisaram as características de
171 usuários de estatina que relataram prejuízos à cognição.
As
descobertas parecem indicar que pessoas que utilizam estatina mais
potentes correm risco maior do que as que tomam drogas mais fracas.
Graveline,
hoje com 84 anos, tem certeza de que seu remédio provocou o surto de
amnésia.
Embora tenha parado imediatamente de tomar a medicação, seu
médico – que não acredita nesta tese – convenceu-o, meses depois, a
fazer nova tentativa.
Após oito semanas de tratamento Graveline sofreu
um novo surto de amnésia e abandonou completamente a estatina. Até
hoje o ex-astronauta, que controla o colesterol com dieta, garante que
nunca se sentiu tão bem.
Mas ele também sabe que para muitas pessoas os
benefícios que a estatina proporciona superam os riscos.
“Não estou
pedindo que essa substância seja banida, apenas sugiro que os
médicos estejam cientes de seus efeitos colaterais sobre o cérebro.”
Reportagem: Melinda Wenner
Fonte: Mente e Cerebro
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