9 de set. de 2014

À espera de novo tratamento, Lais Souza fala da batalha para voltar a andar

Foto de Lais Souza em sua cadeira de rodas
Lais Souza sempre soube o que queria. No seu aniversário de 4 anos pediu de presente para a mãe, dona Odete, para fazer um teste na academia de ginástica ao lado de onde o irmão mais velho fazia judô. 


“Via as menininhas pulando, fazendo coreografia”, disse numa entrevista exclusiva à coluna Direto de Miami. “Acabei passando e não parei mais de treinar.”


Foram muitas conquistas, mas também muitos acidentes e cirurgias e, hoje, aos 25 anos e tetraplégica, ela acaba de passar por mais uma prova: logo será uma das primeiras pacientes a participar de novos tratamentos no The Miami Project to Cure Paralysis, um grande centro voltado para a cura da paralisia na Universidade de Miami, onde espera também iniciar uma parceria - uma colaboração, como o primeiro passo para realizar seu desejo de ajudar pessoas na sua mesma condição.


Os detalhes serão apresentados nesta sexta-feira, 5, numa coletiva à imprensa no Miami Project com a equipe médica, inclusive Antonio Marttos, médico do Comitê Olímpico Brasileiro, cirurgião e diretor do centro de telemedicina e trauma do Hospital Jackson Memorial. 


Foi lá que Lais ficou quatro meses internada depois do acidente de esqui que sofreu em Utah, nos Estados Unidos, no início do ano, quando se preparava para os Jogos Olímpicos de Inverno na Rússia.


“Lais está em protocolo de tratamentos experimentais em terapia celular”, Marttos afirmou à coluna.


Segundo ele, na fase aguda, casos similares ao dela, diagnosticado como uma lesão muito séria entre a terceira e quarta vértebras, têm 50% de mortalidade. Mas Lais vem superando todas as expectativas e ele está bem otimista com seu progresso.


A primeira impressão, diz o cirurgião, era que ela usaria “sonda e respirador para o resto da vida”, o que não aconteceu.


“Tudo até agora foram conquistas”, diz Antonio Marttos, orgulhoso de sua paciente. “Enquanto tiver uma chance de recuperar alguns movimentos, ela vai continuar lutando. É uma ex-atleta preparada, usando seu lado psicológico, celebrando cada vitória. Estamos num momento de muita esperança nos tratamentos de terapia celular, uma fase promissora.”


Para Lais, o desafio de curto prazo é mexer os braços, mas ela está confiante de que vai voltar a andar e determinada a fazer o que for preciso, por quanto tempo for necessário, para que isso aconteça.


Mas, no momento, ela mexe só os ombros e ainda não tem movimento nos braços nem nas pernas. “Só mexe a língua”, brinca a xará Laís Badaró, 28, que veio a Miami ajudar sua grande amiga. “Ela não para de conversar.”


Elas se conhecem há dez anos e se tratavam como irmãs, mas agora se consideram gêmeas. É que Badaró faz aniversário em 27 de janeiro, mesmo dia do acidente de esqui que deixou sua amiga em uma cadeira de rodas.


“A gente brinca que, além do nome, agora a gente compartilha também a data de nascimento”, diz Laís Badaró.


E é justamente desse apoio tão forte da família e de amigos, do consulado-geral do Brasil em Miami, dos médicos e de campanhas na internet pela sua melhora que a ginasta vem tirando coragem.


“Não imaginava receber tanto carinho”, afirma ela. “Às vezes, olho no Instagram o pessoal fazendo estrelinha, mandando recado, mandando um beijo. Isso me traz motivação.”


Mas o dia a dia não é fácil. “Eu não me adaptei ainda a essa vida. É meio parada. Eu tenho que ficar sentada”, diz Lais, que não se refere somente à cadeira de rodas, mas à dependência.


Ela saiu de casa com menos de 11 anos para treinar e, desde então, sempre foi muito independente. 


“Eu sinto muita falta das mãos, de tocar, sentir, pôr a mão no rosto, coçar meu nariz. E falo: ‘Mãe me deixa sozinha. Uma vez por mês eu tenho que chorar’”, diz. “Eu consigo entender tudo que aconteceu, mas é difícil de engolir, é bem difícil.”


O mais complicado é não ter mais autonomia. “Tenho que falar tudo para a minha mãe, e isso me deixa um pouco acanhada”, diz. “Sempre morei sozinha.”

Rotina


Lais acorda às 8h. Com ajuda, troca de roupa e vai ao banheiro, o que demora umas duas horas. Lá pelas 10h, ela vai para a primeira sessão de terapia do dia. Volta, almoça a comidinha da mãe e tem mais uma sessão de terapia, em casa.


Depois tem aula de inglês, uma sessão de psicanálise por Skype com sua terapeuta no Brasil ou algum outro compromisso. Na maioria das vezes, passeia a pé ou de metrô com as ajudantes, parentes e amigos que estiverem na casa, pois não tem um carro adaptado.


“Estou conhecendo um mundo novo, que é o mundo das rodas”, diz. “Acho que as pessoas não têm muito conhecimento da dificuldade que é, por exemplo, para um cadeirante ter que tomar um banho ou passar para cama, trocar de roupa.”


Lais gosta de assistir a vídeos de seu tempo de ginasta, quando ela e outras integrantes da seleção surpreenderam o Brasil com um dos melhores desempenhos do País no esporte.


O momento mais marcante, Lais diz, foi quando a colega Daiane dos Santos ganhou a medalha de ouro no campeonato mundial de 2003 após executar pela primeira vez na história o movimento “duplo twist carpado”.


“A gente estava treinando muito e estava sendo muito exaustivo, mas acho que até hoje essa foi a melhor equipe, o melhor resultado da ginástica.”


Ela mantém contato com Daiane e outras ex-companheiras, mas admite que, desde o acidente, está “bem bicho do mato”.


Ela quer voltar ao Brasil, mas no momento certo. “Tenho muitas saudades. Mas as condições que tenho hoje acho que Miami, nos Estados Unidos, trazem essa possibilidade de você ter uma vida mais normal numa cadeira”, diz Lais, que atualmente tem o sonho de criar uma fundação para ajudar pessoas que enfrentam a mesma lesão.

Paciência


Sua primeira palavra de apoio e conforto para alguém na mesma condição seria “paciência”.


“Cada dia você vai melhorar, as coisas sempre melhoram. Há três meses, eu estava com uma febre que não passava nunca, não sabia se ia viver ou morrer”, diz. 


“Mas o tempo foi passando e fui me recuperando e, com meu esforço, fui conseguindo dar os primeiros passos para que eu melhorasse. Então, acho que a palavra de conforto que falaria para uma pessoa com mesmo problema é isso: paciência.”


E, na vida pessoal, sonha em constituir uma família?


“Penso, claro. É possível. Eu penso em ter uma Laisinha. Só não sei se ela vai fazer esporte”, brinca. 


Para fazer uma doação e ajudar a Lais Souza, visite o link: https://mottiro.com/show_causes/ajude?tribe=euapoioalais.


Para mais informações sobre o The Miami Project to Cure Paralysis, visite: http://www.miamiproject.miami.edu.


Fonte: Estadão


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