Ajudar a construir um mundo onde a diversidade é apenas diferença e não
motivo para preconceito – é o que se espera dos educadores.
Para
auxiliá-los nesse processo, o fisioterapeuta Cristiano Refosco, 36 anos,
reescreveu clássicas histórias infantis trocando os protagonistas por personagens com algum tipo de deficiência.
A coleção Era uma Vez um Conto de Fadas Inclusivo, de 2012, já tem 11 volumes, com títulos como A Branca Cega de Neve, Cinderela sem Pé e A Bela Amolecida.
O projeto agora virou uma exposição no Pátio Ivo Rizzo, no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre, e o sonho do autor de tornar o diferente algo natural tem se espalhado por escolas tradicionais.
Foi com criatividade que os alunos de cinco e seis anos da Escolinha
Caracol, do bairro Bela Vista, imaginaram soluções para um João sem
braço que tinha a árdua missão de escalar o pé de feijão.
Antes de
começar a narração, a professora Adriana Verardi, 46 anos, a Drica,
pediu à turma de 20 crianças sentadas em círculo para juntarem as mãos
atrás do corpo.
– Vamos ver como o João se sentia sem os braços? – propôs.
Dois minutos depois, a loirinha de óculos cor-de-rosa quis saber:
– Ai, profe, dá para se coçar?
– Pode – respondeu Drica – mas antes vamos ver como o João faria se
tivesse coceira? E para subir no pé de feijão? Como ele fazia?
– De cabeça para baixo – arriscou o colega de blusa azul marinho, puxando um coro de soluções.
Abanar com o pé, desenhar com a boca e escalar o pé de feijão a
mordidas foram algumas das sugestões para essa reinvenção de uma
história tão conhecida.
João sem Braço e o Pé de Feijão é o oitavo
exemplar da coleção trabalhado por Adriana com o Jardim B.
Ela confessou
que, quando a escola veio com a proposta de inserir os títulos em aula,
foi tomada por um frio na barriga. “Será que eu vou ter todas as
respostas para as dúvidas deles?”, “ Como eles vão reagir?”, temeu. Mas
se surpreendeu com a reação dos alunos:
– Como é lúdico, eles sempre apresentaram soluções óbvias e simples
para lidar com o diferente. Surpreende a facilidade que eles têm para
comentar o assunto. A gente vê que o preconceito está muito mais na
cabeça do adulto do que na da criança.
Após a leitura, veio a proposta de uma dinâmica de grupo.
– E se vocês tivessem um coleguinha que não enxergasse, como seria? – indagou Drica.
– A gente ia dar a mão para ele – disse uma guria de maria chiquinha, convidada a encenar com outro colega de olhos cerrados.
– E se ele não escutar? – continuou a professora.
– Aí, a gente faz mímica – simplificou o colega.
E entre um desenrolar e outro de soluções simples, a professora lembrou
da aula anterior, quando uma menina ruiva definiu o que fariam se um
colega com deficiência fosse matriculado na turma.
– A gente ia seguir ele. E não ele seguir a gente.
Fisioterapeuta dedicado há 14 anos ao tratamento de crianças com
deficiência, o santa-mariense Cristiano Refosco sempre teve os contos de
fada como aliados para amenizar o sofrimento dos pacientes durante os
exercícios:
– Alguns alongamentos são mais doloridos, e contar histórias foi um
jeito de distrair as crianças. Juntei minha convivência com elas ao
gosto de escrever desde muito cedo para estrear na literatura.
O primeiro título nasceu durante uma corrida no Parcão. O
fisioterapeuta visualizou a imagem da chapeuzinho vermelho em uma
cadeira de rodas e foi construindo as narrativas.
– Sabia que poderia aproximar as pessoas, pois quando estava atendendo
meus pacientes, observava que os irmãos ou primos que iam junto pegavam a
cadeira de rodas ou as muletas, que em tese as pessoas querem ver bem
longe, e brincavam com elas – lembra.
O autor dá palestras em escolas sobre o tema e confecciona mais sete
histórias, ainda sem prazo para lançamento. Emociona-se quando as
crianças fazem conexões da vida real com as tramas:
– Acho legal quando se começa a perceber a deficiência do outro e
tratar como algo normal. As crianças são boas nisso. Tem gente que não
gosta, acha os títulos dos livros muito diretos, mas sei que é assim que
eles preferem ser identificados. Nenhum deles reclamou.
Mas como se estabelece o preconceito se, quando criança, lida-se bem
com as diferenças? José Leon Crochík, coordenador do Laboratório de
Estudos sobre o Preconceito da Universidade de São Paulo (USP), valoriza
iniciativas que buscam abordar de forma natural tudo aquilo que,
costumeiramente, é alvo de estranheza:
– O que deveria ser estranho é nosso comportamento preconceituoso e não
sua ausência nas crianças, pois, de fato, se formos educados desde cedo
a perceber as diferenças como algo pertencente à vida, sem nenhum
comentário adicional, não teríamos por que esperar dos futuros adultos
um comportamento muito distinto.
Fonte: ClicRBS
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