14 de mai. de 2014

Mães usam a internet para lutar pela vida dos filhos

Foto da atriz Isabel Fillardis com seus filhos


‘No início meu mundo caiu. O buraco não tinha fim. Depois, decidi ajudar meu filho a superar as dificuldades e a evoluir. Hoje, ele é feliz. Eu sou feliz”. 


O depoimento é da fisioterapeuta Tarita Inoue Garcia, 34 anos, mãe de Lucas, de 4, diagnosticado como autista. 


Como ela, centenas de outras mães, cujos filhos têm doenças raras, bombardearam a depressão com uma poderosa arma: a internet, que possibilitou a troca de informações e de experiências e estimulou o debate na construção de políticas públicas.


Sobretudo, gerou uma rede de apoio mútuo, onde dores e alegrias podem ser divididas entre pessoas na mesma situação de vida. Seja YouTube, Facebook, Instagram, Twitter, site, blog, WhatsApp ou e-mail, as novas mídias permitiram a difusão de informações sobre sintomas, tratamentos e especialistas em transtornos como o autismo, asperger, down, déficit de atenção, hiperatividade e alergias específicas, entre outros, dos quais pouco ou nada se ouvia falar até então.


Além disso, as modernas plataformas, como tablet e smartphone, tornaram possível o acesso imediato — e em pontos remotos — ao universo dessas mídias. 


Campanhas bem-sucedidas, como a Põe no Rótulo, planejada para que as indústrias descriminem as substâncias contidas nos alimentos, ganharam corpo na internet e angariaram o apoio maciço do público em geral.


“O movimento começou a crescer. De repente, dezenas de artistas famosos estavam participando e virou uma grande campanha. Hoje, temos 824 mães no Facebook e nosso Instagram está com movimento de cinco mil pessoas”, acentua a advogada Cecília Cury, 34 anos, idealizadora da campanha e mãe de Rafael, de dois 2 anos e 6 meses, que tem alergia a leite e a soja.


Um documentário sobre uma mãe que lutava desesperadamente com o governo para obter medicamento à base de maconha para a filha de 5 anos, lançado no YouTube em março, já obteve 126 mil visualizações. 


A personagem do filme ‘Ilegal’ é a paisagista Katiele Fischer, 33 anos, mãe de Anny, que desde os 3 anos tinha até 80 crises convulsivas por semana.


Pela internet, Katiele descobriu um medicamento para controlar as convulsões: o Canabidiol, ou CBD, um dos 60 componentes ativos da Cannabis sativa. 


Passou a importá-lo ilegalmente para salvar a vida da filha. Em abril, após exibição do curta, a Justiça Federal em Brasília determinou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) entregasse à Katiele o Canabidiol.


A fisioterapeuta Tarita Inoue Garcia percebeu que o filho Lucas estava com quase 2 anos e apresentava atrasos no desenvolvimento. 


“Uma psicóloga foi a primeira que disse que meu filho tinha comportamentos autistas. O meu mundo caiu”, recorda a fisioterapeuta. Foi na internet que ela descobriu um especialista em autismo. A doença foi confirmada recentemente.


Como seria natural, logo no início de todo o processo Tarita caiu em depressão. “Recebi muita força do Mães Amigas e Uma voz para o autismo.


Foi fundamental para eu ficar de pé no início. Hoje, mantenho um grupo no Yahoo com 100 pessoas que trocam informações e experiências, além de apoio emocional. Um ajuda o outro nos dias difíceis, que não são poucos, dividindo dores e alegrias”, afirma.


O filho caçula de Rosana Leh, 47 anos, tem 17 anos e foi diagnosticado tardiamente aos 9 com asperger — que a grosso modo é uma espécie de autismo em nível mais leve. 


“Sempre encarei a questão como uma condição de vida, e não como um problema. Einstein tinha asperger. Thomas Edson tinha asperger. Na minha opinião, é um transtorno neurológico, não uma doença”, define.


Em busca de informações, a mãe descobriu uma comunidade no Orkut que conversava sobre asperger, frequentada por familiares e também por quem sofria do transtorno. Eram jovens que enfrentavam depressão, dizendo que os pais não aceitavam a aquela realidade na vida deles.


“Acabei assumindo o papel de consoladora. Tomei como missão divulgar informações sobre o asperger e dar apoio emocional a pais e pessoas que têm o transtorno neurológico. Principalmente para quem acaba de receber o diagnóstico”, ressalta Rosane Leh.  


Segundo ela, a troca de informações ajuda mães a terem o diagnóstico precocemente. “Eu poderia ter iniciado o tratamento do Mateus muito antes, não fosse levar tanto tempo para descobrir a doença”, pondera Rosane.


A atriz Isabel Fillardis tornou-se exemplo para todo o país ao expor, da forma mais natural possível, que seu segundo filho, Jamal, agora com 10 anos, era portador da rara Síndrome de West. 


Em 2006, fundou a ONG A Força do Bem, com o objetivo de ajudar na inclusão de portadores de necessidades especiais.


Utilizando a internet como ferramenta principal de acesso, Isabel elaborou um site, por meio do qual realiza o primeiro censo de mapeamento das pessoas com deficiência no Brasil, visando auxiliar quem não está recebendo cuidados. Uma iniciativa pioneira que, na verdade, 
deveria ser uma política pública.
 

“O lançamento do cadastro nacional visava a informação, porque havia muita dificuldade de se conseguir dados sobre as doenças e acesso a hospitais. Paralelamente, tínhamos como objetivo dar conforto para quem estava começando a vivenciar o problema”, explica.


Segundo a atriz, sem a internet e as novas mídias, esse trabalho seria quase impossível. Por meio do site da Força do Bem, Isabel passou a ser uma espécie de conselheira virtual. 


“Ajudamos no encaminhamento para diagnóstico e tratamento em hospital, mas o conforto psicológico é essencial, principalmente para os pais. Procuro mostrar ao casal que um filho com necessidade especial precisa de apoio para ter qualidade de vida”, ensina a atriz, que é mãe de mais duas crianças: Analuz, de 13 anos, e o bebê Kalel, de apenas 4 meses.


No fim do ano passado, o cineasta Yuri Amorim, 26 anos, lançou o longa ‘Um dia especial’ no Festival Internacional Assim Vivemos, organizado no Brasil. A película retrata a rotina e os desafios enfrentados por dez mães de filhos com doenças neurológicas.


“Uma pesquisa internacional constatou grande incidência de depressão em mães com filhos com necessidades especiais. O Instituto Educarte decidiu montar uma oficina com um grupo de mulheres, criando estratégias para o enfrentamento da situação”, explica Yuri, que pretende futuramente exibir o filme na internet. 


Uma das mães retratadas no filme, Sônia Pajtak, 54 anos, funcionária de uma clínica especializada em doenças neurológicas, afirma que após lançamento várias mulheres entraram em contato para integrar o grupo.


Idealizadora da campanha Põe no Rótulo, deflagrada com sucesso absoluto pela internet, a advogada Cecília Cury conta que o filho Rafael foi diagnosticado com alergia a leite e a soja quando tinha apenas 1 mês e meio de vida. Cecília passou a integrar um grupo no Facebook específico sobre pessoas com alergia a alimentos, que hoje conecta 824 mães.


“Em 2012, fizemos uma hashtag de um grupo de crianças segurando um cartaz onde se lia Põe no Rótulo. O movimento cresceu e muitos artistas estavam participando. Virou uma grande campanha. A internet possibilitou isso”, ressalta. A advogada agora está discutindo com a Anvisa a rotulagem dos alimentos.


“Todos têm o direito de saber exatamente o que estão comendo e a nossa campanha fez isso: extrapolou o âmbito de quem é alérgico e ganhou a população em geral. Queremos que todos os alimentos tenham a informação em local bem visível sobre substâncias que podem causar alergias”, defende. 


Como os alimentos para alérgicos são caros e vendidos em poucos lugares, Cecília já tem um novo projeto. “Pretendemos abrir uma campanha para que o governo dê benefícios fiscais a produtores, de forma a baratear o produto”, afirma.


Uma das mulheres mais bem informadas no Brasil, quando se trata de autismo, é a relações públicas Marie Dorion, 40 anos, fundadora do blog ‘Uma voz para o autismo’, organizado quando ela ainda morava nos Estados Unidos e que tem 250 visitações por dia. Seus dois filhos — Pedro, 10 anos, e Luís, de 9 — são autistas e o diagnóstico foi dado quando ela acabara de mudar para a América do Norte, em 2006. 


“A primeira coisa que fiz foi ir para a internet e procurar brasileiros que morassem nos Estados Unidos e tivessem filhos autistas”, conta.


Marie mergulhou de cabeça: fez vários cursos sobre o assunto, pesquisas e mais pesquisas. 


“Em 2009 criei o blog. Eu precisava dar um pouco do que recebi. E comecei a ajudar brasileiros no Brasil” conta. 


Em 2010, Marie retornou ao país. Segundo ela, paralelamente à troca de informações e de experiências com o dia a dia dos filhos, sobretudo e o apoio emocional, são fundamentais.


“Sem a internet e as novas mídias, nada disso seria possível. Hoje, mantenho o blog e participo de quatro grupos na internet: dois de mães em geral e dois do tema específico”, contabiliza Marie. Ela ainda percorre o Brasil fazendo palestras e cursos sobre o assunto.


Fonte: O Dia


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