‘No início meu mundo caiu. O buraco não tinha fim. Depois, decidi
ajudar meu filho a superar as dificuldades e a evoluir. Hoje, ele é
feliz. Eu sou feliz”.
O depoimento é da fisioterapeuta Tarita Inoue
Garcia, 34 anos, mãe de Lucas, de 4, diagnosticado como autista.
Como ela, centenas de outras mães, cujos filhos têm doenças raras,
bombardearam a depressão com uma poderosa arma: a internet, que
possibilitou a troca de informações e de experiências e estimulou o
debate na construção de políticas públicas.
Sobretudo, gerou uma rede de apoio mútuo, onde dores e alegrias podem
ser divididas entre pessoas na mesma situação de vida. Seja YouTube,
Facebook, Instagram, Twitter, site, blog, WhatsApp ou e-mail, as novas mídias permitiram
a difusão de informações sobre sintomas, tratamentos e especialistas em
transtornos como o autismo, asperger, down, déficit de atenção,
hiperatividade e alergias específicas, entre outros, dos quais pouco ou
nada se ouvia falar até então.
Além disso, as modernas plataformas, como tablet e
smartphone, tornaram possível o acesso imediato — e em pontos remotos —
ao universo dessas mídias.
Campanhas bem-sucedidas, como a Põe no
Rótulo, planejada para que as indústrias descriminem as substâncias
contidas nos alimentos, ganharam corpo na internet e angariaram o apoio
maciço do público em geral.
“O movimento começou a crescer. De repente, dezenas de artistas famosos
estavam participando e virou uma grande campanha. Hoje, temos 824 mães
no Facebook e nosso Instagram está com movimento de cinco mil pessoas”,
acentua a advogada Cecília Cury, 34 anos, idealizadora da campanha e mãe
de Rafael, de dois 2 anos e 6 meses, que tem alergia a leite e a soja.
Um documentário sobre uma mãe que lutava desesperadamente com o governo
para obter medicamento à base de maconha para a filha de 5 anos,
lançado no YouTube em março, já obteve 126 mil visualizações.
A
personagem do filme ‘Ilegal’ é a paisagista Katiele Fischer, 33 anos,
mãe de Anny, que desde os 3 anos tinha até 80 crises convulsivas por
semana.
Pela internet, Katiele descobriu um medicamento para controlar as
convulsões: o Canabidiol, ou CBD, um dos 60 componentes ativos da
Cannabis sativa.
Passou a importá-lo ilegalmente para salvar a vida da
filha. Em abril, após exibição do curta, a Justiça Federal em Brasília
determinou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) entregasse à Katiele o Canabidiol.
A fisioterapeuta Tarita Inoue Garcia percebeu que o filho Lucas estava
com quase 2 anos e apresentava atrasos no desenvolvimento.
“Uma
psicóloga foi a primeira que disse que meu filho tinha comportamentos
autistas. O meu mundo caiu”, recorda a fisioterapeuta. Foi na internet
que ela descobriu um especialista em autismo. A doença foi confirmada
recentemente.
Como seria natural, logo no início de todo o processo Tarita caiu em depressão. “Recebi muita força do Mães Amigas e Uma voz para o autismo.
Foi fundamental para eu ficar de pé no início. Hoje, mantenho um grupo
no Yahoo com 100 pessoas que trocam informações e experiências, além de
apoio emocional. Um ajuda o outro nos dias difíceis, que não são poucos,
dividindo dores e alegrias”, afirma.
O filho caçula de Rosana Leh, 47 anos, tem 17 anos e foi diagnosticado tardiamente aos 9 com asperger —
que a grosso modo é uma espécie de autismo em nível mais leve.
“Sempre
encarei a questão como uma condição de vida, e não como um problema.
Einstein tinha asperger. Thomas Edson tinha asperger. Na minha opinião, é
um transtorno neurológico, não uma doença”, define.
Em busca de informações, a mãe descobriu uma comunidade no Orkut que
conversava sobre asperger, frequentada por familiares e também por quem
sofria do transtorno. Eram jovens que enfrentavam depressão, dizendo que
os pais não aceitavam a aquela realidade na vida deles.
“Acabei assumindo o papel de consoladora. Tomei como missão divulgar
informações sobre o asperger e dar apoio emocional a pais e pessoas que
têm o transtorno neurológico. Principalmente para quem acaba de receber o
diagnóstico”, ressalta Rosane Leh.
Segundo ela, a troca de informações
ajuda mães a terem o diagnóstico precocemente. “Eu poderia ter iniciado
o tratamento do Mateus muito antes, não fosse levar tanto tempo para
descobrir a doença”, pondera Rosane.
A atriz Isabel Fillardis tornou-se exemplo para todo o país ao expor,
da forma mais natural possível, que seu segundo filho, Jamal, agora com
10 anos, era portador da rara Síndrome de West.
Em 2006, fundou a ONG A Força do Bem, com o objetivo de ajudar na inclusão de portadores de necessidades especiais.
Utilizando a internet como ferramenta principal de acesso, Isabel
elaborou um site, por meio do qual realiza o primeiro censo de
mapeamento das pessoas com deficiência no Brasil, visando auxiliar quem
não está recebendo cuidados. Uma iniciativa pioneira que, na verdade,
deveria ser uma política pública.
“O lançamento do cadastro nacional visava a informação, porque havia
muita dificuldade de se conseguir dados sobre as doenças e acesso a
hospitais. Paralelamente, tínhamos como objetivo dar conforto para quem
estava começando a vivenciar o problema”, explica.
Segundo a atriz, sem a internet e as novas mídias, esse trabalho seria
quase impossível. Por meio do site da Força do Bem, Isabel passou a ser
uma espécie de conselheira virtual.
“Ajudamos no encaminhamento para
diagnóstico e tratamento em hospital, mas o conforto psicológico é
essencial, principalmente para os pais. Procuro mostrar ao casal que um
filho com necessidade especial precisa de apoio para ter qualidade de
vida”, ensina a atriz, que é mãe de mais duas crianças: Analuz, de 13
anos, e o bebê Kalel, de apenas 4 meses.
No fim do ano passado, o cineasta Yuri Amorim, 26 anos, lançou o longa ‘Um dia especial’ no Festival Internacional Assim Vivemos, organizado no Brasil. A película retrata a rotina e os desafios enfrentados por dez mães de filhos com doenças neurológicas.
“Uma pesquisa internacional constatou grande incidência de depressão em
mães com filhos com necessidades especiais. O Instituto Educarte
decidiu montar uma oficina com um grupo de mulheres, criando estratégias
para o enfrentamento da situação”, explica Yuri, que pretende
futuramente exibir o filme na internet.
Uma das mães retratadas no
filme, Sônia Pajtak, 54 anos, funcionária de uma clínica especializada
em doenças neurológicas, afirma que após lançamento várias mulheres
entraram em contato para integrar o grupo.
Idealizadora da campanha Põe no Rótulo, deflagrada com sucesso absoluto
pela internet, a advogada Cecília Cury conta que o filho Rafael foi
diagnosticado com alergia a leite e a soja quando tinha apenas 1 mês e
meio de vida. Cecília passou a integrar um grupo no Facebook específico
sobre pessoas com alergia a alimentos, que hoje conecta 824 mães.
“Em 2012, fizemos uma hashtag de um grupo de crianças segurando um
cartaz onde se lia Põe no Rótulo. O movimento cresceu e muitos artistas
estavam participando. Virou uma grande campanha. A internet possibilitou
isso”, ressalta. A advogada agora está discutindo com a Anvisa a
rotulagem dos alimentos.
“Todos têm o direito de saber exatamente o que estão comendo e a nossa
campanha fez isso: extrapolou o âmbito de quem é alérgico e ganhou a
população em geral. Queremos que todos os alimentos tenham a informação
em local bem visível sobre substâncias que podem causar alergias”,
defende.
Como os alimentos para alérgicos são caros e vendidos em poucos
lugares, Cecília já tem um novo projeto. “Pretendemos abrir uma
campanha para que o governo dê benefícios fiscais a produtores, de forma
a baratear o produto”, afirma.
Uma das mulheres mais bem informadas no Brasil, quando se trata de
autismo, é a relações públicas Marie Dorion, 40 anos, fundadora do blog
‘Uma voz para o autismo’, organizado quando ela ainda morava nos Estados
Unidos e que tem 250 visitações por dia. Seus dois filhos — Pedro, 10
anos, e Luís, de 9 — são autistas e o diagnóstico foi dado quando ela
acabara de mudar para a América do Norte, em 2006.
“A primeira coisa que
fiz foi ir para a internet e procurar brasileiros que morassem nos
Estados Unidos e tivessem filhos autistas”, conta.
Marie mergulhou de cabeça: fez vários cursos sobre o assunto, pesquisas
e mais pesquisas.
“Em 2009 criei o blog. Eu precisava dar um pouco do
que recebi. E comecei a ajudar brasileiros no Brasil” conta.
Em 2010,
Marie retornou ao país. Segundo ela, paralelamente à troca de
informações e de experiências com o dia a dia dos filhos, sobretudo e o
apoio emocional, são fundamentais.
“Sem a internet e as novas mídias, nada disso seria possível. Hoje,
mantenho o blog e participo de quatro grupos na internet: dois de mães
em geral e dois do tema específico”, contabiliza Marie. Ela ainda
percorre o Brasil fazendo palestras e cursos sobre o assunto.
Fonte: O Dia
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