David Santos Sousa, 21, estava pedalando na madrugada do domingo, 10 de março, quando foi atropelado por um carro na avenida Paulista.
Ele iria limpar os vidros externos de um prédio comercial. O motorista
que o atropelou, Alex Siwek, também 21, estudante de psicologia, voltava
embriagado de uma balada. Fugiu sem prestar ajuda e ainda jogou o braço
decepado do ciclista, que ficara preso no carro, em um córrego da zona
sul de São Paulo.
Enquanto um aguarda julgamento em liberdade, o outro tenta voltar à rotina que tinha, usando um braço biônico doado.
Eu não aguento mais dar entrevistas. Também não gosto de ser
reconhecido na rua. Sempre acontece, tem gente que pede para tirar foto
comigo. Aonde eu vou me param para conversar. Mas eu não sou
celebridade, sabe? Só quero ter uma vida normal.
Desde o acidente que sofri, em março, estou tentando voltar à rotina
que tinha. Na hora em que caí no chão na avenida Paulista, naquela
madrugada, eu percebi o que tinha acontecido. Eu tinha perdido o braço.
Fiquei quase um mês no hospital. Tive muita dor.
No começo, eu sentia o braço que perdi. Mas desde que voltei para casa
estou melhorando. Voltei a trabalhar assim que tive alta do hospital.
Sou instrutor de rapel [atividade com uso de cordas e de equipamentos
para a descida de paredões, de prédios e cachoeiras, por exemplo].
Continuo trabalhando com isso. Mas parei de limpar vidros externos com o
rapel, como eu fazia. Agora eu só dou instruções de rapel. Limpar vidro
com um braço só ou com a prótese não dá.
Naquela madrugada do acidente eu estava indo limpar o vidro externo de
um prédio na avenida Paulista. Eu ia trabalhar das 6 horas até umas 16
horas, mais ou menos. Era um domingo. Eu tinha saído cedo de casa e ido
de bicicleta até o local de trabalho, como sempre fiz. Estava pedalando
na ciclofaixa. Fui pego de frente.
Depois descobri que até dei sorte. Se eu tivesse sido pego de costas,
eu poderia estar paraplégico ou tetraplégico. Também tive sorte porque
meu ombro foi preservado e a cirurgia foi bem feita. Isso facilita o uso
da prótese.
NOVO RITMO
Eu continuo andando de bicicleta, mas perdi velocidade. Essa foi a grande mudança desde que perdi o braço: eu perdi velocidade em tudo o que faço. E em muitas coisas eu preciso de ajuda.
A minha mãe sempre esteve ao meu lado. Ela parou de trabalhar quando
sofri o acidente.
Enquanto eu ainda estava no hospital, ela teve de
ajudar meu irmão, que sofreu um acidente de moto. Ele quebrou o fêmur e a
bacia. Tem um filho recém-nascido.
Agora, ela divide o tempo dela entre o meu irmão e eu. Ela vive pedindo
para eu parar de andar de bicicleta, mas eu não vou parar. A bicicleta
sempre foi o meu meio de transporte. Pego rua, viela, parque, avenida,
tudo. Tem dias que pedalo uns 50 km.
OUTRO ACIDENTE
Há algumas semanas levei um novo susto andando de bicicleta. Um motorista distraído bateu na bicicleta, mas brecou antes de passar por cima de mim. Levantei na hora, a bicicleta se machucou.
Dessa vez, o
motorista parou para ajudar. O outro motorista, do acidente de março,
nunca procurou a mim nem a minha família. Nunca quis saber como eu
estou.
Não sinto vontade de falar com ele, não tenho nada para dizer. Estou
aguardando o julgamento. O problema é que tudo é lento neste país.
As pessoas precisam entender que não sou eu quem devo parar de andar de
bicicleta. Os motoristas de carro é que precisam dirigir com atenção.
Tem gente que dirige ao celular. É óbvio que isso não vai dar certo.
AULA DE DANÇA
Depois do acidente em que perdi o braço comecei a pensar mais em mim, nos meus objetivos.
Entrei na aula de dança. Faço sertanejo
universitário. A gente tem de tirar as meninas para dançar. Não são
todas que topam, não! Mas é bom para manter a forma e não engordar.
Também continuo fazendo Muay Thai [luta tailandesa]. Sempre gostei de
esportes. Hoje também tenho pensado em estudar. Quero muito fazer
engenharia civil.
Continuo desenhando, agora com o braço esquerdo. Está sendo difícil
porque sou destro, mas estou me acostumando.
Gostava de fazer desenhos
de caveiras como essas tatuadas na prótese. Eu que pedi esses desenhos
no braço. Achei irado, as caveiras brilham no escuro! (risos)
Minha meta é conseguir desenhar com o braço biônico. Dizem que dá.
Estou aprendendo devagar a mexer. Já consigo cumprimentar, olha [ele
estende a mão biônica para a repórter].
Também consigo levantar um copo. O resto vem com o tempo.
Estou dividindo os meus dias entre o trabalho, a academia, as
entrevistas e as viagens a Sorocaba [onde fica a empresa doadora da
prótese] para os testes com o braço.
A rotina está corrida. Mas eu gosto assim. Eu sou bem agitado. Se a
gente parar, o coração para de bater, né? É claro que tudo está sendo
mais difícil agora. Mas a vida continua. Não vou desistir porque perdi o
braço. Daqui para frente é vida nova.
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