Ele percorreu mais de 147 mil km, esteve em 73 países, pegou malária
duas vezes, foi a três Copas do Mundo e passou perto de cinco furacões e
quatro guerras civis.
Para quê tudo isso? “Para ser feliz”, responde
José Geraldo de Souza Castro, mais conhecido por Zé do Pedal, de 57
anos, que já deu a volta ao mundo de bicicleta.
“Todos os projetos que
faço, e esse é o nono, é com um objetivo social”, conta ele, no Rio de Janeiro,
em meio a uma jornada que vai do Monte Caburaí, em Roraima, ao Chuí, no
Rio Grande do Sul. Mas, desta vez, ele está a pé, empurrando uma
cadeira de rodas.
É para chamar a atenção sobre um dos principais problemas que afeta as pessoas com deficiência,
que são as barreiras arquitetônicas. E venho em cada um dos 327
municípios que vou passando entregando uma proposta de lei para a
criação do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
O
segundo projeto de lei que estou entregando é de aplicação nos
municípios de normas de acessibilidade - conta ele.
No total, serão 20 estados percorridos, com 10.700 km de caminhada
atrás da cadeira de rodas. Mas, a primeira investida que aconteceu foi
mesmo sob duas rodas, começou em 1982 e terminou no ano seguinte.
Ele
percorreu ao todo 26 mil km usando duas bicicletas. Só viajou de avião
onde não tinha estrada, entre a Colômbia entre o Panamá, e na travessia
de Miami a Londres.
Da Inglaterra a França, viajou de barco. Mineiro de
Guaraciaba, ele gastou 60 mil cruzeiros para chegar à Espanha, passou de
53kg a 51kg, e desembarcou junto com a seleção brasileira para a Copa
do Mundo daquele ano.
Seis meses depois de ter saído do Rio chegava na Espanha dois minutos
antes do que a seleção brasileira, em Carmona. O Junior foi o primeiro
que me reconheceu: “Ô da bicicleta, que bom te ver aqui”. Eu me
emocionei. Ia todo dia aos treinos, ficava lá com os jogadores - se
recorda.
Antes disso, levava uma vida normal na capital carioca, e foi o irmão
que deu a ideia que ele abraçou com dedicação e nunca mais abandonou.
Tinha uma vida normal, trabalhava no Rio, era office boy. Estava
juntando dinheiro para ir para a Europa, para passar quatro anos lá
aprendendo idioma, e o meu irmão deu a ideia de ir de bicicleta,
aproveitando o ensejo da Copa do Mundo de 82.
Quando cheguei ao
escritório de manhã, olhei para o mapa e falei: tem como. Foram dois
meses de preparação. Arrumei uma bicicleta de 10 marchas e fui embora.
Ele falou assim: “Sei que você vai dar
uma volta ao mundo, no que posso te ajudar?”. Falei: “A única coisa que
preciso do senhor é uma carta me apresentando para as autoridades”.
Fui a
Brasília e ele me deu a carta, que abriu portas. E aí repeti toda a
primeira viagem. Nessa volta ao mundo foi uma coisa fantástica, não tive
nenhum problema, chegando ao México em 86, em Toluca. Aquela Copa sim
me deu muita tristeza - cita, ao recordar a eliminação frente a França,
nas quartas, nos pênaltis.
As adversidades eram comuns, como as estradas ruins e a
falta de comida. Mas foi uma pergunta de uma criança que paira até hoje
na memória de Zé do Pedal.
Saindo do Deserto do Atacama, no Chile, subi com a bicicleta nas
costas por praticamente 120 km (por causa da estrada).
Procurava me
hidratar bem. Às vezes ficava sem almoço, outras vezes sem janta. Tive
ainda um acidente em Lille, na França, já de noite.
O pneu de trás
estourou e caí em um monte de urtiga, sem camisa e só de short. Foi
difícil. (...) Um dos momentos mais difíceis desses 33 anos de estrada
foi na Tailândia, quando visitava um campo de refugiados.
No último dia,
uma menina, sem cabelo nenhum na cabeça, chegou para mim e perguntou:
"O que é a paz?" Se tivesse que responder a mesma pergunta hoje, a
resposta seria a mesma: "Não sei".
A última Copa em que o ativista esteve foi na África do Sul, em 2010.
“Resolvi que o projeto seria de Paris à África do Sul. Saí em maio de
2008 e cheguei em 5 de junho de 2010 em Joanesburgo”.
Essa viagem rendeu o filme “Zé do Pedal – As Fronteiras do Mundo”,
dirigido por Bruno Lima e Fabricio Menicucci.
“Eles me acompanharam nos
últimos 15 dias da viagem na África do Sul. O apelo dessa caminhada foi
chamar a atenção para dois problemas que afetam a visão, a catarata e o
glaucoma. E decidi, ao invés de bicicleta, usar um velocípede. Um
carrinho que percorria, quando muito, 40 km por dia”.
E se viveu dificuldades, Zé do Pedal também foi contemplado por boas
histórias. Numa delas, acabou inspirando um morador do Gabão, que tinha
acabado de ver a filha chegar ao mundo,
no mesmo dia em que se deparava
com o visitante brasileiro.
Estava no Gabão, procurando lugar para dormir, e consegui a marquise
de uma casa. E às 2h da manhã o dono da casa me acordou para mostra a
filha dele que tinha nascido. E na manhã, durante o café, ele me disse:
“Você chegou ontem e trouxe luz para nossa casa.
A nossa filha vai se
chamar Josefina, em sua homenagem”. É isso que você tem de recompensa no
final de todas as jornadas.
“Sempre vale à pena”, diz Zé do Pedal, sobre a vida.
Fonte: SporTv
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