
A israelense Liat Negrin, deficiente visual desde a
infância, entrou recentemente em uma mercearia, pegou uma lata de
legumes e leu seu rótulo usando uma câmera simples e discreta acoplada
aos seus óculos.
Negrin, que tem coloboma, má-formação de nascença que perfura a
estrutura do olho e afeta cerca de uma em cada 10 mil pessoas, é
funcionária da OrCam, start-up israelense que desenvolveu um sistema com
câmera destinado a permitir que deficientes visuais se desloquem
livremente e "leiam" com facilidade.
O aparelho da OrCam consiste em uma pequena câmera usada de forma semelhante ao Google Glass,
conectada por um fino cabo a um computador portátil projetado para
caber no bolso do usuário.
O sistema fica preso com a ajuda de um
pequeno ímã aos óculos do usuário e emprega um alto-falante de condução
óssea para descrever em alto e bom som as palavras ou objetos apontados.
Para reconhecer um objeto ou texto, o usuário simplesmente aponta para ele com o dedo, e o aparelho interpreta a cena.
O sistema reconhece um conjunto pré-definido de objetos e permite que o
usuário amplie seu acervo --incluindo, por exemplo, o texto de um
rótulo ou outdoor, um semáforo ou uma placa de rua-- simplesmente
acenando com a mão, ou com o próprio objeto, no campo de visão da
câmera.
Até agora, assistentes de leitura para cegos e outros deficientes
visuais eram aparelhos desajeitados, capazes de reconhecer textos só em
ambientes restritos, ou, mais recentemente, aplicativos para
smartphones, com capacidade limitada.
O sistema foi concebido para reconhecer e descrever textos em geral
--de jornais a números de ônibus--, além de objetos tão diversos quanto
marcos da paisagem, semáforos e rostos de amigos. Ele reconhece textos
em inglês.
O aparelho é vendido no site da empresa por US$ 2.500, o preço de um aparelho auditivo mediano.
Ele é diferente de outras tecnologias desenvolvidas para permitir
alguma forma de visão a cegos, como o sistema de retina artificial
chamado Argus II, fabricado pela Second Sight Medical Products.
Esse
sistema, aprovado em fevereiro pela FDA (Administração de Alimentos e
Drogas dos EUA), permite que sinais visuais contornem a retina
danificada e sejam transmitidos para o cérebro.
O dispositivo da OrCam é ainda vastamente diferente do Google Glass,
que também oferece uma câmera ao usuário, mas foi concebido para pessoas
com visão normal e tem limitações em termos de reconhecimento visual e
poder local de computação.
A OrCam foi criada há vários anos por Amnon Shashua, pesquisador e
professor de ciência da computação na Universidade Hebraica.
A
tecnologia se baseia nos algoritmos de visão computadorizada que ele
desenvolveu com outro docente, Shai Shalev-Shwartz, e com um ex-aluno
dele na pós-graduação, Yonatan Wexler.
O avanço é resultado da rápida melhora dos computadores, que agora
podem ser carregados no bolso, e do algoritmo de visão computadorizada
desenvolvido pelos cientistas.
O sistema OrCam é representativo também
das melhorias em sistemas de visão que empregam a inteligência
artificial.
A técnica da OrCam, chamada Shareboost, se distingue pelo fato de que, à
medida que cresce o número de objetos que ele precisa reconhecer, o
sistema minimiza o poder de processamento adicional que é exigido.
"Os desafios são enormes", disse Wexler, vice-presidente de pesquisa e
desenvolvimento da OrCam. "As pessoas que têm baixa visão vão continuar a
ter baixa visão, mas queremos aproveitar a informática para ajudá-las."
Um dos principais desafios, segundo Shashua, é permitir um rápido
reconhecimento óptico de caracteres sob condições de luz muito diversas e
também sobre superfícies flexíveis.
"Os leitores ópticos profissionais de caracteres hoje funcionam muito
bem quando a imagem é boa, mas temos desafios adicionais --precisamos
ler o texto sobre superfícies flexíveis, como um jornal na mão", disse
ele.
Embora o sistema possa ser utilizado por cegos, a OrCam planeja
inicialmente vender o aparelho nos Estados Unidos a pessoas com
deficiências visuais impossíveis de serem adequadamente corrigidas com o
uso de óculos.
A OrCam disse que mundialmente há 342 milhões de adultos com
deficiência visual significativa, sendo 52 milhões deles com renda de
classe média.
Tomaso Poggio, cientista da computação no MIT (Instituto de Tecnologia
de Massachusetts), com quem Shashua estudou, ficou impressionado com o
aparelho da OrCam.
"O que é notável é que o aparelho aprende com o
usuário a reconhecer um novo produto", disse ele. "Isso é mais complexo
do que parece, e, como especialista, acho realmente impressionante."
Fonte: Folha de S. Paulo - Tec
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