Quando tinha pouco mais de um ano de idade, tudo que Heldyeine sabia
fazer era chorar e se arrastar de costas no chão, o que lhe deixava com
falhas no couro cabeludo.
Surdocega congênita por causa da rubéola
contraída pela mãe na gravidez, a criança parecia isolada.
Pouco a pouco, Heldy foi aprendendo a pegar objetos, andar,
alimentar-se, tomar banho, reconhecer pessoas e emoções, expressar
desejos e interagir com o mundo, tudo por meio do toque.
Hoje, aos 21, Heldyeine Soares se comunica por Libras (Língua
Brasileira de Sinais) tátil --os sinais são feitos nas mãos, que ficam
em forma de concha, para que ela os sinta e os interprete.
Seu mundo, feito de gestos que identificavam coisas e pessoas, foi
sendo traduzido para a Libras tátil, o que ampliou suas possibilidades
de interação e abstração.
A história da menina acaba de ser publicada no livro "Heldy Meu Nome --
Rompendo as barreiras da surdocegueira", escrito pela pedagoga Ana
Maria de Barros Silva, impressionada com o desempenho de Heldyeine.
"Essa é uma história de sucesso que não poderia ficar apagada.
Surdocegos congênitos como ela tendem a ficar isolados, não têm esse
desenvolvimento", diz a autora, que trabalha há 40 anos com a educação
de surdocegos.
Grande parte desse sucesso é mérito da professora aposentada Marly
Cavalcanti Soares, do Instituto dos Cegos de Fortaleza, que encarou o
desafio de ensinar a menina, apesar de ter poucos recursos e de seu
desconhecimento sobre a surdocegueira.
O livro só pôde ser escrito graças aos seus detalhados relatórios do
progresso de Heldy. Anotava cada conquista, tirava fotos e fazia vídeos,
batizados de "Renascer".
Os textos dão uma ideia de como o progresso foi alcançado e comemorado e
mostram como Heldy aprendia rápido e dava sinais de que queria mais.
Depois de aprender a andar, já recusava a ajuda da professora para subir
escadas, como se pedisse mais autonomia.
Ela logo conseguiu identificar as pessoas --reconhecia a professora
pelas blusas com botões e tinha um gesto para cada membro da família.
Parceria
Junto com Marly, a mãe e as irmãs de Heldy lutaram para que a menina se desenvolvesse dessa forma.
De origem simples, a família de Maracanaú (a 15 km de Fortaleza, CE)
levava quase duas horas para chegar ao Instituto dos Cegos de Fortaleza
de ônibus.
A mãe, Jane, abandonada pelo ex-marido, cuidava sozinha de Heldy e das
duas filhas mais velhas. Apesar das dificuldades, insistia na atenção
especial à caçula.
"A Heldy é quem ela é hoje graças a Deus, à minha mãe e à tia Marly,
que provou que, por amor, é possível tornar uma pessoa capaz como ela
fez", conta Heldijane Cidrao, 26, irmã de Heldy.
Heldijane cuida da irmã desde os cinco anos --era chamada pela
professora de "pequena grande mãe". Envolveu-se tanto que se casou com o
professor de Libras de Heldy, que é surdo, e se tornou intérprete de
surdos e surdocegos.
"Esse livro me emociona porque ler é como viver tudo de novo. Quando eu
tinha seis anos, a tia Marly me colocou no colo e me disse que, quando
eu tivesse sede, Heldy também teria e que eu deveria dar água a ela.
Quando estivesse com fome, deveria dar algo de comer a Heldy. Hoje tenho
uma filha de seis anos e me imagino fazendo tudo que fiz na idade
dela."
Agora, Heldy tem bastante autonomia --a família só não deixa que saia
na rua sozinha ou cozinhe. Frequenta o Instituto de Surdos de Fortaleza
para aprimorar seu conhecimento de Libras e faz bijuterias no tempo
livre.
Algumas das anotações da professora Marly que estão no livro são
dirigidas diretamente a Heldy. Seu sonho era que um dia a menina pudesse
ler sua própria história.
Os primeiros capítulos foram enviados à jovem em braile --ela lê, mas
não fluentemente --e o livro todo deve ser lançado nesse formato.
Foto: Jarbas Oliveira/Folhapress
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