A dor do membro fantasma é uma das mais terríveis e fascinantes de
todas as síndromes clínicas dolorosas , e é um dos exemplos mais
relevantes de dor crônica.
A maioria dos amputados menciona a percepção
de um membro fantasma, quase imediatamente depois da amputação do
membro.
Ele é geralmente descrito como uma forma precisa do membro real
desaparecido.
Este "fantasma" deve ser produzido pela ausência de impulsos nervosos
do membro.
Quando um nervo é seccionado, produz uma violenta descarga
lesional em todos os tipos de fibras. Esta excitação diminui rapidamente
e o nervo seccionado torna-se silencioso, até que novas terminações
nervosas comecem a crescer. Isto implica que o sistema nervoso central
dá conta da falta de influxo normal.
Para trazer mais informações sobre esta síndrome para a comunidade do Vida Mais Livre, entrevistamos a Dra. Fabíola Peixoto Minson, coordenadora da equipe de tratamento da dor do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e diretora da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED). Confira a entrevista:
Vida Mais Livre: Para começar a entrevista, acho que é conveniente explicar o que é dor.
Dra. Fabíola Peixoto Minson: Dor é uma experiência física e emocional
desagradável. Essa é a definição da Associação Internacional para Estudo
da Dor.
Vida Mais Livre: Existem diversos níveis de dor? Como é feita essa classificação?
Dra. Fabíola Peixoto Minson: Existe a dor aguda, que segue um trauma ou
uma cirurgia, e existe a dor crônica, que não está relacionada a uma
lesão. A dor crônica pode estar relacionada com dores
músculo-esqueléticas, dores neuropáticas, entre outras. A dor do membro
fantasma, por exemplo, é uma dor crônica.
Vida Mais Livre: Como uma pessoa leiga consegue saber se ela está no nível agudo ou não da dor?
Dra. Fabíola Peixoto Minson: A dor aguda é aquela que segue um trauma,
um traumatismo ou lesão, e dura alguns dias. Mas ela também não é
normal, e pode ser tratada. Então uma dor que tem começo, meio e fim,
que decorre de uma lesão, um machucado ou uma cirurgia, é uma dor aguda.
Outras dores que, geralmente, duram mais do que três meses, de forma
contínua ou intermitente, são consideradas crônicas.
Vida Mais Livre: E com relação à intensidade, é possível classificá-la também?
Dra. Fabíola Peixoto Minson: Em relação à intensidade, sim. A dor pode
ser fraca, média ou forte, e usa-se muito uma escala chamada escala
numérica. Ela vai de zero a dez, sendo que zero é sem dor nenhuma, um,
dois e três é para dor fraca, quatro, cinco e seis para dor média, sete,
oito e nove para forte, e dez seria uma dor insuportável. Dor é que a
pessoa diz ser, e ocorre quando ela diz sentir. Não existe um
“dolorímetro” que vai lá e diz ‘isso é dor’. A pessoa avalia a dor de
forma subjetiva. Avalia a característica, a intensidade, a localização,
fatores de melhora e fatores de piora.
Vida Mais Livre: Existe aquela história de que os homens são mais sensíveis à dor do que as mulheres. Isso é verdade?
Dra. Fabíola Peixoto Minson: Não, isso é um mito. As dores são mais
frequentes na população de sexo feminino. Não há uma só resposta para
isso. São várias causas, entre hormonais, genéticas e estilo de vida.
Vida Mais Livre: E as crianças, são mais sensíveis à dor do que os adultos?
Dra. Fabíola Peixoto Minson: Não. Cada um tem seu tipo de dor, e não
existe uma forma de dizer que homem é mais sensível, ou que criança é
mais sensível, ou que essa doença dói mais que a outra, porque a dor é
muito individual. Cada um sente de um jeito.
Vida Mais Livre: Existem doenças que causam muita dor. Você pode citar algumas, por favor?
Dra. Fabíola Peixoto Minson: Algumas das mais comuns são a hérnia de disco, diabetes, enxaquecas.
Vida Mais Livre - Entrando na questão da Dor do Membro Fantasma, você pode explicar o que é a síndrome do membro fantasma?
Dra. Fabíola Peixoto Minson: É uma síndrome em que há uma sensação de
dor e a sensação de um membro que já não existe. A pessoa tem a sensação
de que aquele membro que foi amputado ainda existe, então ela
geralmente acha que está ficando louca porque, por exemplo, não tem a
perna, mas sente dor no dedinho.
Vida Mais Livre: E por que isso acontece?
Dra. Fabíola Peixoto Minson: É como se o nosso organismo tivesse uma
memória. Mas não é uma memória na cabeça, mas na medula. Então o nervo,
de forma desregulada, leva a informação de dor daquele membro que não
existe para a medula, e fica como se fosse gravado.
Vida Mais Livre: Isso acontece com todas as pessoas que amputam algum membro?
Dra. Fabíola Peixoto Minson: Não, só com algumas.
Vida Mais Livre: Qual a porcentagem de pessoas que sofrem com está síndrome?
Dra. Fabíola Peixoto Minson: Normalmente, a incidência é maior entre
aquelas pessoas que sofrem mais dores agudas, ou seja, que tiveram uma
amputação traumatizante, com muita dor no período pós-operatório de uma
amputação. Isso serve tanto para o traumatismo da amputação como para o
não tratamento da dor na fase aguda. No geral, cerca de 30% das pessoas
com membros amputados apresentam sintomas da síndrome.
Vida Mais Livre: E por quanto tempo a pessoa costuma sentir essa dor?
Dra. Fabíola Peixoto Minson: Às vezes por mais de um ano.
Vida Mais Livre: E qual é a intensidade dessa dor?
Dra. Fabíola Peixoto Minson: Pode variar desde leve até intensa. Na
escala numérica que eu mencionei anteriormente, varia de 1 a 10.
Vida Mais Livre: Essa síndrome ocorre com mais frequência após a amputação de algum membro específico?
Dra. Fabíola Peixoto Minson: Não. Ela pode ocorrer em um membro
específico, ou pode ocorrer de você ter dois membros amputados e, em um
deles, você ter o membro fantasma. Não existe uma regra. Não há uma
relação de causa/efeito.
Vida Mais Livre: E qual o tratamento mais indicado para essa pessoas?
Dra. Fabíola Peixoto Minson: Existem medicamentos específicos para
essas dores, que são chamadas dores neuropáticas, que são dores que vêm
dos nervos. Muitas vezes, as pessoas acham que vão tomar um
anti-inflamatório ou um analgésico comum e que isso vai resolver, mas
não. São medicamentos específicos, como anticonvulsivantes,
antidepressivos, ou outros medicamentos que agem no sistema nervoso
central.
Vida Mais Livre: E qual é o médico mais apto para prescrever esse tratamento?
Dra. Fabíola Peixoto Minson: Médicos com especialização no tratamento
de dor, que é uma subespecialidade de neurologistas e anestesiologistas,
por exemplo.
Vida Mais Livre: É recomendável o tratamento associado com psicólogos ou psiquiatras?
Dra. Fabíola Peixoto Minson: Também. A equipe para este tratamento é multidisciplinar.
Vida Mais Livre: Após o tratamento, as pessoas podem voltar sentir essa dor no membro?
Dra. Fabíola Peixoto Minson: O tratamento não é para cura, mas para
controle. Então é muito importante a pessoa ter essa ideia, porque às
vezes, ela pode ter dor e continuar fazendo suas coisas, ou às vezes é
melhor não ter dor porque ela vai render melhor nas suas atividades.
Vida Mais Livre: Falando um pouco mais sobre a questão das
pessoas com deficiência em geral, existe mais alguma recomendação para
evitar a dor para essas pessoas?
Dra. Fabíola Peixoto Minson: Existem várias coisas para ajudar a
prevenção, como a reabilitação precoce. Exercícios bem orientados, numa
fase precoce, podem prevenir a dor do membro fantasma. Outra coisa é não
achar que a dor é normal. Muitas vezes, quando a pessoa vem até o
médico, a dor já está num estágio muito avançado, o que pode prolongar e
dificultar o tratamento e exigir mais medicamentos. Quando o tratamento
começa numa fase precoce, a chance de sucesso é maior.
Vida Mais Livre: Gostaria de comentar mais alguma coisa sobre a Dor do Membro Fantasma?
Dra. Fabíola Peixoto Minson: Acho que o mais importante a gente
abordou, que o tratamento é feito por uma equipe multidisciplinar, com
fisioterapeuta, psicólogo e o médico especialista em tratamento de dor,
todos atuando em conjunto, com a participação do paciente
Reportagem: Daniel Limas e Marco Petucco Jr.
Fonte: Vida Mais Livre
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