23 de set. de 2014

Professor cria cursinho para o Enem e a Fuvest só para alunos surdos

 


Um professor da rede estadual de São Paulo começou neste semestre um cursinho pré-vestibular gratuito voltado exclusivamente para preparar estudantes surdos para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e a Fuvest.


As aulas são realizadas aos sábados em uma escola estadual da Vila Matilde, na Zona Leste da Capital (veja no vídeo acima).


Rafael Dias Silva, professor de biologia, química e física, diz que pretende oferecer aos alunos a oportunidade de aprenderem diretamente na sua língua materna, a Língua Brasileira de Sinais (Libras), e não por meio de interlocutores ou intérpretes de professores que dominam apenas o português.


"Hoje infelizmente o vestibular bloqueia esse aluno, faltam mecanismos para esse aluno entender como funciona o vestibular", explicou o professor.


O Enem será realizado em 8 e 9 de novembro, e dos 8,7 milhões de inscritos, mais de 3 mil solicitaram atendimento especial para surdos ou com alguma deficiência auditiva. O número é 35% maior do que o de surdos inscritos no Enem de 2013.


As aulas do cursinho tiveram início no dia 30 de agosto com seis professores que usam a linguagem brasileira de sinais no diálogo com os alunos.
 

Jovem quer ser engenheiro


Os jovens Lucas dos Santos Silva e Vanessa Gonçalves de Araújo, de 19 anos, são dois dos 12 estudantes do terceiro ano do ensino médio que estão matriculados na primeira edição do curso. 


Eles pretendem fazer vestibular para engenharia e administração, respectivamente. Vanessa tem surdez severa desde o nascimento. Lucas perdeu a audição progressivamente aos seis anos, depois de bater a cabeça durante uma brincadeira.


No primeiro dia de aula, os dois estudantes contaram que, pela primeira vez, estavam sendo ensinados diretamente na sua primeira língua e explicam que há uma diferença grande entre ter um professor que se comunique na linguagem de sinais e estar em uma sala de aula com um professor falando em português e recebendo a tradução por meio de um intérprete.


Segundo os jovens, muitas vezes o conteúdo explicado pelo professor acaba se perdendo na interpretação do interlocutor. Além disso, quando todos os alunos se comunicam na mesma língua –no caso, libras–, eles conseguem se ajudar no entendimento de um tema. 


"Tem a questão da palavra, tem a troca com o outro. Um conhece uma palavra e o outro não", explicou Lucas, com a ajuda do professor Rafael. Além de cursar o ensino médio, o jovem trabalha em um supermercado, mas um dia pretende atuar como engenheiro na construção civil.


Aulas gratuitas e professores surdos


O professor diz que o curso aumenta a facilidade do ensino do conteúdo do vestibular para os estudantes surdos. 


"Você garante maior clareza por estar na língua deles", afirmou. Uma das principais defasagens dos alunos, segundo ele, é justamente a produção de texto e a língua portuguesa.


Além de ajudar nos estudos, ele diz que o objetivo é também dar ao grupo maior contato com todo o processo da realização de provas com as da Fuvest e do Enem, que eles não têm costume de fazer e, por isso, acabam ficando em desvantagem em relação aos demais candidatos. 


"Falta preparo desse aluno, dar conhecimentos prévios para na hora da prova ele fazer leitura e compreensão daquilo que está sendo solicitado. E é importante melhorar a auto-estima desses meninos, que muitas vezes ficam perdidos", explicou.


O curso é grátis para os alunos e é financiado pela empresa Libras na Ciência, que Rafael mantém em uma incubadora do campus na Zona Leste da Universidade de São Paulo (USP). 


As aulas são realizadas na Escola Estadual Dom João Maria Ogno aos sábados, como parte do programa Escola da Família.


Dois dos docentes também são surdos. "É importante eles terem um professor surdo que conseguiu vencer obstáculos e está lá na ponta. Fiz questão de chamar colegas", explicou o professor. "Eles não têm heróis, não têm ninguém em quem se espelhar."


Atendimento especial no Enem


Apesar do crescimento de alunos surdos inscritos no Enem 2014, em relação a 2013, a quantidade absoluta ainda é pequena: a variação foi de 2.460 para 3.330, segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).


Segundo o relatório pedagógico das edições de 2009 e 2010, divulgado pelo Inep no início do mês, 2.850 surdos ou deficientes auditivos fizeram as provas em 2009, número que caiu para 2.098 no ano seguinte. 


Na nota técnica sobre o atendimento diferenciado do Enem, o Inep afirma que, durante a prova, o tradutor-intérprete de Libras "não se limita a traduzir as comunicações orais, mas deve auxiliar na compreensão dos textos escritos".


Assim como os demais candidatos com atendimento especializado, os estudantes surdos podem solicitar até 60 minutos a mais para fazer as provas nos dois dias do Enem.


No último Enem, seis estudantes de Curitiba que têm deficiência auditiva conseguiram na Justiça Federal conseguiram na Justiça Federal o direito de refazer as provas. 


Eles afirmaram que foram prejudicados porque, segundo os estudantes, os interpretes de Libras, que acompanharam a realização da prova, não traduziram enunciados e respostas. 


Apenas foram repassadas orientações quanto à realização do exame, como a cor de caneta que deveria ser usada.



Fonte: G1




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