É pau, é pedra, é o fim do caminho, é a passarela inclinada, é o carro na calçada.
O dia a dia de um cadeirante
é tão cheio de obstáculos que, na maioria das vezes, um simples passeio
vira uma maratona.
Que o diga a organizadora de festas Vania Batista
Garcia, mãe do cadeirante Luan Valdetaro, de 13 anos.
— As ruas são tão esburacadas e as pessoas tão insensíveis que volto
com braços, costas, mãos, tudo doendo.
Só não quebrei a cadeira ainda
porque me quebro. Fico com tendinite, lombalgia. O Luan, quando chega em
casa, sente dor no pescoço, de tanto que chacoalhamos nos ônibus.
Tudo
isso debaixo desse calor é um inferno — desabafa. — E ainda há carros na
calçada, restaurantes que bloqueiam o passeio. Mas não posso deixar de
sair, de levá-lo para os lugares, e tenho que continuar lutando,
reclamando meus direitos e os dele, senão, ninguém nos respeita.
Ela não se queixa à toa. Aos 42 anos, Vania está cansada, física e
emocionalmente. Sua batalha dura 13 anos, desde o nascimento do filho.
O
adolescente tem mielomeningocele, lesão que afeta a
medula espinhal e causa hidrocefalia e escoliose, e depende da mãe para
tudo. É duro sair com ele, diz Vania. A falta de acessibilidade, conta, é paralisante.
Vania e Luan moravam na Tijuca, mas se mudaram para o Itanhangá em
busca de acessibilidade. Não conseguiram. Ainda hoje, a mãe, que não tem
carro, pena pelas ruas da Barra e do Recreio para transitar com o
filho.
Fábio Guimarães não é cadeirante, mas também se dedica à causa. O empresário criou o projeto Busco Legados de Acessibilidade (buscolegados.com),
que consiste em percorrer a cidade numa cadeira de rodas e registrar em
fotos e vídeos o que quem anda sobre duas pernas não vê.
— Tenho um primo paulista, cadeirante que já viajou o mundo todo. Ele
veio ao Rio em 1998 e não voltou, porque não conseguiu sair de
Copacabana, onde estava, nem para visitar os pontos turísticos. Não
entendi o motivo, e ele me disse que eu só entenderia quando me sentasse
numa cadeira de rodas — conta.
Os desafios de circular pela Barra
Fábio Guimarães, que já trabalhou numa rede de TV, pretende lançar um
programa jornalístico sobre acessibilidade ainda este ano. Já Vania se
juntou a um grupo de mães de atletas de power soccer (futebol
motorizado), e planeja comprar uma cadeira de rodas motorizada para
Luan. Para ambos, atitudes simples podem contribuir para que os
cadeirantes finalmente se sintam à vontade para circular pela cidade.
— O que o cadeirante mais quer é a independência. Atravessar uma rampa
íngreme é muito difícil, mas pelo menos tem rampa, né? O problema é que
quem anda não entende os problemas de quem usa cadeira de rodas. Só um
sinal longe de uma rampa de acessibilidade já pode causar diversos
acidentes — diz Fábio.
Vania concorda.
— A gente deixa de fazer muitas coisas. Em alguns lugares aqui da
Barra, por caisa das obras, tiraram os sinais de trânsito. Quem tem
pernas pode andar mais um pouquinho mas, para quem está na cadeira de
rodas, este pouquinho é muito longe. Eles contornam a situação colocando
uma passarela com escadas, mas como vamos subir? — indigna-se.
Há também o piso. Se as pedras portuguesas já são um perigo para
mulheres de salto, crianças distraídas e idosos, para os cadeirantes,
são mais um desafio.
— As pedras são desniveladas. Não é preciso só empurrar a cadeira, e
sim levantá-la — diz Vania, enquanto atravessa um trecho esburacado da
Avenida Erico Verissimo.
Fonte: O Globo
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