A cearense Fátima Dourado e o casal baiano Argemiro
de Paula Garcia Filho e Mariene Martins Maciel se tornaram referência
para pais de autistas de todo o Brasil. Depois que tiveram filhos com
autismo, mergulharam em estudos sobre o assunto e criaram modelos
originais de atendimento a pessoas que têm a síndrome — de fundo
genético e caracterizada por dificuldades de comunicação, socialização e
comportamento, atingindo cerca de 1% da população mundial.
Os modelos são explicados em dois livros que estão
sendo lançados: “Autismo e cérebro social” (editora Premius), de Fátima,
e “Brincanto: Autismo tamanho família” (Scortecci), de Argemiro e
Mariene. Dois dos cinco filhos de sangue (há uma adotiva) de Fátima têm
autismo.
A médica inicia seu livro com um relato das angústias que
passou com Giordano e Pablo, que estão hoje, respectivamente, com 32 e
28 anos, o que significa dizer que nasceram numa época em que a
circulação de informações sobre o autismo era muito menor no Brasil. Em
1993, depois que Giordano foi afastado da escola onde estudava, Fátima
criou com outras mães a Casa da Esperança, que atualmente cuida de 400
pessoas oriundas de todo o país.
A Casa da Esperança foi a saída que encontrei para a
total ausência de locais que recebessem meus filhos. As escolas não
aceitavam crianças com autismo e não existiam profissionais preparados
para o diagnóstico e o tratamento — conta Fátima, assinalando que a
situação ainda não mudou no país tanto quanto deveria. — Infelizmente, a
grande maioria das crianças e dos adultos não recebe tratamento
adequado.
O diagnóstico precoce e a intervenção correta podem mudar
drasticamente o destino de uma criança com autismo. Geralmente elas
precisam de fonoaudiologia, terapia ocupacional, terapia comportamental e
acompanhamento médico. É fundamental, ainda, o acompanhamento
especializado para que essa criança possa não apenas ser incluída, mas
também permanecer na escola.
Há duas linhas gerais de tratamento: a
comportamentalista, que procura treiná-los para que vivam em sociedade; e
a relacional, que engloba terapias que apostam em caminhos mais
lúdicos. Fátima e seu segundo marido, o psicólogo Alexandre Costa e
Silva, sempre aplicaram elementos das duas linhas em suas experiências
concretas.
Em 2006, viram que o seu modelo multidisciplinar de atuação
era semelhante ao Scerts (sigla para Social Communication Emotional
Regulation Transactional Support), desenvolvido nos Estados Unidos.
O Scerts é um meio termo entre abordagens muito prescritivas, que não deixam margem
para que o indivíduo com autismo possa exercitar sua individualidade, e
as muito facilitadoras — resume Fátima, ressaltando a importância de
trabalhar desde cedo as questões comportamentais. — Os problemas de
comportamento são as principais causas de afastamento de pessoas com
autismo dos mundos da escola, do trabalho e das próprias famílias.
Ensinar as crianças a se regularem emocionalmente é um importante passo
para a sua inclusão na vida familiar e na comunitária.
Argemiro é geólogo e Mariene, jornalista. Depois que
Gabriel, que hoje tem 19 anos, foi diagnosticado com autismo, eles
correram para estudar o que estivesse ao alcance. Mas a intuição também
teve papel decisivo.
— A cultura interiorana de Mariene era das crianças convivendo intensamente, brincando, aprendendo umas com as outras, as maiores cuidando das menores.
— A cultura interiorana de Mariene era das crianças convivendo intensamente, brincando, aprendendo umas com as outras, as maiores cuidando das menores.
Ela fez com Gabriel o que trazia de sua infância,
brincando e cantando com ele e, também, trazendo-o para as atividades
diárias, como lavar roupa e cozinhar — conta Argemiro, que coordena uma
lista de discussão sobre autismo na internet.
Em 2003, a psicóloga brasileira Vera Juhlin, que vive
na Suécia, sugeriu que o casal escrevesse um artigo sobre o que ela
chamou de “jeito brasileiro de trabalhar com autistas”. Ele saiu no ano
seguinte e deu partida na consolidação do modelo Brincanto. Mariene,
então, já tinha estudado psicopedagogia. Ela trabalha em Salvador com
pessoas que têm autismo, sobretudo de famílias carentes, experiência que
relata no livro.
— O Brincanto é uma abordagem que explora os aspectos lúdicos para desenvolver a criança de acordo com o jeito de ser e os valores de sua família e sociedade. Brincando e cantando, a criança autista tem a possibilidade de construir sua própria compreensão do mundo — afirma Argemiro.
Ele, Mariene e Fátima são ferrenhos defensores da
ideia que, ao menos em parte do dia, crianças com autismo precisam
estudar em escolas regulares. Instituições que recusem essas crianças
devem sofrer algum tipo de punição, argumentam. Uma política nacional
para o autismo — até hoje inexistente — passaria por capacitar
profissionais de educação e saúde, além de criar centros de referência
em todos os Estados.
Fonte: Extra
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