
A Universidade de Brasília (UnB) criou – e distribui gratuitamente – uma ferramenta inovadora para alfabetizar jovens e adultos com deficiência intelectual.
Fugindo de métodos tradicionais e da infantilização, comuns nos
materiais convencionais usados nesse processo, o software educacional
auxilia os professores a ensinar palavras, expressões e até códigos
matemáticos a esses estudantes.
Sucesso nas escolas de Brasília, o programa deve ser distribuído no País.
O Ministério da Educação
pretende entregar a ferramenta a mais de 90 mil escolas públicas. Por
enquanto, está analisando como distribuir o software. Para os criadores
do material, esse trabalho será simples.
O programa foi elaborado para
rodar em qualquer computador (sem a necessidade de muita memória ou
tecnologia muito avançada) e as explicações sobre os exercícios são
fáceis.
“Nosso desafio era produzir uma ferramenta que não fosse pesada e
pudesse ser usada em computadores mais simples. Nosso objetivo sempre
foi distribuir o software gratuitamente às famílias, organizações
não-governamentais e escolas”, conta Wilson Henrique Veneziano,
professor do Departamento de Ciência da Computação da UnB e coordenador
do projeto.
Até aqui, ele e a idealizadora pedagógica da ferramenta,
Maraísa Helena Pereira, pagaram tudo do próprio bolso.
Maraísa trabalha há 23 anos com alfabetização de adolescentes e jovens
com deficiência intelectual. Sentia, no trabalho diário, a falta de
materiais mais específicos e menos infantis.
“Havia uma lacuna para esse
público. Esses estudantes adoram tecnologia, mas não sabem o
significado das letras do teclado, por exemplo. Eles querem se
comunicar. Comecei a desenhar as primeiras com base na minha experiência
prática mesmo”, conta.
Para tirar as ideias do papel, a professora de ensino especial da
Secretaria de Educação do Distrito Federal procurou o Departamento de
Ciência da Computação da UnB. Veneziano e alguns estudantes do curso de
licenciatura em Computação encararam o desafio.
“Dois alunos ficaram
encantados com a possibilidade de fazer algo diferente para a conclusão
do curso. Não é uma monografia que fica na prateleira e não tem valor
social prático”, ressalta Maraísa.
Alfabetização social
Apelidado de Participar, o primeiro software
construído por eles ficou pronto em 2011. Aos poucos, Maraísa começou a
utilizar a ferramenta com seus alunos e apresentar a outros colegas.
Logo, várias escolas públicas da capital estavam utilizando o material
como apoio às aulas (hoje, são 750). As Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de todo o país distribuíram aos colégios especializados vinculados a elas.
A nova versão do programa, lançada neste início de ano, oferece mais
lições e exercícios, que ensinam os estudantes a compreender as letras
do teclado, formar palavras e os estimulam a bater papo com outros
jovens, participar de redes sociais.
Todas as atividades são sugeridas
em mais de 600 vídeos gravados por estudantes com Síndrome de Down.
“Eles se enxergam como pares e se sentem capazes também, já que quem está passando a lição é outro colega”, comenta Maraísa.
A proposta dos criadores do programa é contribuir, sobretudo, para a
inserção social desses jovens.
A pedagoga faz questão de ressaltar que a
ferramenta não é para “letramento” dos alunos, mas para inserir o
estudante em uma vida social e no mundo da tecnologia.
“É uma
comunicação alternativa. Queríamos que eles participassem do mundo”,
diz. Nas escolas do DF, as tarefas são feitas no contraturno das aulas
regulares. Todas as atividades têm orientações para os professores.
A nova versão do Participar possui lições de acentuação e pontuação. Um
novo software, o Somar, também será lançado em breve para ajuda-los a
aprender matemática. De novo, a proposta é colocá-los em condição de
participar da vida prática.
“É uma ferramenta construída com, por e para
os alunos. Mas não tinha noção que pudesse ter tamanha repercussão.
Além das três mil Apaes que já usam o material, o MEC agora quer
distribuir para mais escolas. Nosso objetivo era atingir quem precisa”,
afirma a pedagoga.
Na opinião de Maria Margarida Romeiro Araújo, mãe de um dos atores que
gravaram os vídeos, o material precisa se espalhar. Ela e o filho,
Antonio Araujo da Silva Filho, 34 anos, visitam escolas e divulgam a
ferramenta.
“A coisa mais importante na vida de uma pessoa é a
alfabetização. O Tonico tem qualidade de vida, uma vida social, por
causa disso. Procuro colaborar ao máximo, porque o método é excelente e
nem todas as crianças tiveram a oportunidade do Tonico para aprender”,
diz.
Ao contrário do que se fazia à época do nascimento de Antonio, o
Tonico, Margarida nunca escondeu o filho do mundo. Procurou todas as
atividades – terapia, equoterapia, fonoaudiologia, psicomotricidade,
fisioterapia – possíveis para ajudá-lo a se desenvolver.
“Eu fiz o
contrário. Contava pra todo mundo, para descobrir as melhores
atividades. O Tonico estudou até a 8ª série. Hoje, ele pinta, vende os
próprios quadros, tem conta no banco, usa o próprio cartão”, fala.
Futuro
Qualquer interessado pode fazer o download do programa no site http://www.projetoparticipar.unb.br/.
Em breve, o Somar também estará disponível. Alguns países africanos de
língua portuguesa solicitaram a utilização do material e, em audiência
com o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, ele sugeriu que a
ferramenta fosse traduzida para o espanhol e partilhada com outros
países da América Latina.
Veneziano garante que a metodologia tem potencial para ser expandida em
mais versões que permitam uma alfabetização completa desses jovens.
A
limitação agora é financeira. Os dois professores já chegaram ao limite
do que poderiam gastar do próprio bolso com o projeto.
“A gente precisa
que o governo assuma isso para dar continuidade. O mais caro foi feito”,
pondera Maraísa.
Fonte: Último Segundo
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